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3 A CONSTITUIÇÃO DO CAMPO DA AVALIAÇÃO EDUCACIONAL NO

3.3 Pressupostos epistemológicos da avaliação educacional

No processo de compreensão dos pressupostos teórico-metodológicos que fundamentam as diferentes abordagens de avaliação, Maria Laura P. B. Franco (1990, p. 63) considera que “é importante saber identificar em que matriz epistemológica foi inspirado esse ou aquele modelo para que se complete o real entendimento acerca de cada um deles”.

Num esforço de compreensão e de síntese a respeito dessa identificação epistemológica a que se refere Franco (1990), Fernandes (2010) enquadra as abordagens de avaliação em duas grandes perspectivas de avaliação, denominando-as de “empírico- racionalistas” e “racionalidades interpretativas, críticas ou sociológicas”:

No primeiro caso procura-se a verdade através de uma avaliação tão objetiva quanto possível, em que os avaliadores assumem uma posição supostamente neutra e distanciada em relação aos objetos de avaliação. As metodologias utilizadas são essencialmente de natureza quantitativa (e.g., testes, questionários, grelhas de observação quantificáveis) e, em geral, há pouca ou mesmo nenhuma participação de todos os que, de algum modo, estão interessados no processo de avaliação ou que podem ser afetados por ele. [...] No segundo caso a avaliação é assumidamente subjetiva, os avaliadores estão conscientes de que dificilmente deixarão de influenciar e de ser influenciados pelas circunstâncias que envolvem o ente a avaliar, as metodologias utilizadas são sobretudo de natureza qualitativa (e.g., estudos de caso, etnografias, observação participante) e o envolvimento ativo das pessoas no processo de avaliação é, em regra, uma constante. [...] (FERNANDES, 2010, p. 20, grifo do autor).

Dias Sobrinho (2012), por sua vez, reduz os enfoques e/ou abordagens de avaliação em dois paradigmas principais, que são o “racionalista” e o “naturalista”, este último também conhecido pelo autor como “democrático e participativo”:

No enfoque racionalista, [...], a avaliação busca medir e classificar os resultados obtidos por meio de medidas e testes, dados quantitativos, estatísticas e análises de correlação. Nesse caso, a avaliação deve ser objetiva e produzir informações rigorosamente confiáveis e independentes dos avaliadores e das circunstâncias. Os resultados não mudariam caso fossem outros os aplicadores e diferentes as circunstâncias (DIAS SOBRINHO, 2012, p. 4).

Neste enfoque de avaliação democrático e participativo predominam noções de complexidade, polissemia, imprevisibilidade, contradições, dialética. Mais que explicações e definições acabadas a respeito de aspectos isolados, mais que seleção e hierarquização, mais que quantificação de produtos e resultados, aqui importam a visão de conjunto, as relações das partes com o todo e dos meios com os fins, a construção da qualidade social e, sobretudo, os questionamentos e a produção de sentidos relativamente às finalidades e missões essenciais da educação superior. A participação é fundamental (DIAS SOBRINHO, 2012, p. 6).

Conforme pode ser observado nas citações de Fernandes (2010) e Dias Sobrinho (2012), em cada uma das perspectivas e/ou paradigmas de avaliação nomeada pelos autores está presente uma epistemologia, que Ernest House (1994) denomina de epistemologia objetivista e epistemologia subjetivista.

O objetivismo procura orientar práticas de gestão buscando maneiras para que a gestão possa supervisionar e aperfeiçoar os programas. A avaliação, neste caso, tem uma função de prestação de contas, eficiência e controle de qualidade. House (1994, p. 49, tradução nossa) considera que “[...] a informação da avaliação é ‘cientificamente objetiva’”, que resulta de “instrumentos ‘objetivos’, como testes e questionário45”. Supõe, inclusive, que os resultados produzidos por esses instrumentos possam ser reproduzidos para o serviço social e para a fabricação de produtos, num processo mecânico. O objetivismo “[...] tende a igualar objetividade com a quantificação [...]46” (HOUSE, 1994, p. 53, tradução nossa). No enfoque objetivista ocorre uma rigorosa separação entre o observador e os fatos, “ou seja, no contexto dessa conceituação, para se fazer ciência é necessário lidar com fatos ‘objetivos’, e ‘objetivo’ passa a ser somente aquilo que pode ser observado, medido, palpado” (FRANCO, 1990, p. 64).

O subjetivismo entende que a verdade depende da natureza humana, “[...] e talvez seja até mesmo o ser humano concreto47” (HOUSE, 1994, p. 55, tradução nossa). Para os subjetivistas o que menos importa é “[...] chegar a uma proposição ‘verdadeira’ [...]48 (HOUSE, 1994, p. 56, tradução nossa), não há preocupação explícita de garantir a objetividade do conhecimento, pois acredita-se “[...] que ele é parcial e determinado pelo sujeito que conhece, a partir de suas experiências e valores” (FRANCO, 1990, p. 65). A avaliação, por sua vez, é relacionada com a experiência concreta dos seus destinatários, ela “[...] está intencionalmente ligada ao contexto e os seus resultados são interpretados dentro do mesmo49” (HOUSE, 1994, p. 56, tradução nossa). Sua metodologia tende a ser naturalista, valendo-se de uma linguagem simples e dos acontecimentos diários de seus destinatários, para isso toma como instrumentos para a coleta de dados às entrevistas e as observações informais (HOUSE, 1994).

Guba e Lincoln (2011, p. 96) enquadram essas duas epistemologias dentro de um esquema que nomeiam de crenças convencionais (também chamada de paradigma positivista ou científico) e crenças construtivistas (também chamada de paradigma naturalista, hermenêutico ou interpretativo). A epistemologia objetivista está situada na crença convencional, e “sustenta que um observador pode (aliás, deve) exteriorizar o fenômeno em

45 Do original na Língua Espanhola: “[...] la información de la evaluación es ‘científicamente objetiva’. Esta

objetividad se consigue utilizando instrumentos ‘objetivos’, como tests e cuestionario.”

46 Do original na Língua Espanhola: “[...] tiende a equiparar la objetividad con la quantificación [...].”

47 Do original na Língua Espanhola: “[...] quizá incluso, de los humanos concretos.”

48 Do original na Língua Espanhola: “[...] llegar a uma proposición ‘verdadera’ [...].”

49 Do original na Língua Espanhola: “[...] está intencionadamente ligada al contexto y sus descubrimientos se

estudo, mantendo-se à parte e distante dele (um estado em geral chamado de ‘dualismo sujeito-objeto’ e rejeitando todo e qualquer julgamento de valor que o influencie)”. Enquanto a epistemologia subjetivista situa-se na crença construtivista, e “sustenta que o investigador e o investigado estão entrelaçados de tal forma que as constatações de uma investigação são a criação literal do processo de investigação [...]”.

Temos assim concepções e práticas avaliativas que, por um lado, se fundamentam numa epistemologia objetivista, cujos “fatos reproduzíveis são a pedra de toque [...]”, e por outro, concepções e práticas fundadas numa epistemologia dita subjetivista, que “dependem da experiência acumulada como forma de compreender” (WORTHEN; SANDERS; FITZPATRICK, 2004, p. 109). A concepção de avaliação objetivista diz-se eminentemente técnica, busca prestar informações objetivas, científicas, claras e incontestáveis, numa prática que se baseia em instrumentos de quantificação para fins de verificações, constatações e medidas. A concepção de avaliação subjetivista compreende a realidade complexa, dinâmica, aberta e polissêmica, ela procura atribuir valor e produzir sentido por meio de uma prática que prioriza múltiplos enfoques e ângulos de estudos (DIAS SOBRINHO, 2004).

Diante do exposto e tomando por base os estudos apresentados (FRANCO, 1990; DIAS SOBRINHO, 2004; 2012; FERNANDES, 2010; GUBA; LINCOLN, 2011) sobre a questão epistemológica aplicada à avaliação educacional, em particular o trabalho de Fernandes (2010), é possível o enquadramento das sete abordagens de avaliação, tratadas na seção anterior, em uma das duas matrizes epistemológicas. Para tanto organizamos num primeiro bloco aquelas abordagens de matriz objetivista, inspirada em pressupostos da racionalidade técnica, que são:

a) a avaliação baseada em objetivos de Ralph Tyler;

b) a avaliação baseada na lógica científica de Donald T. Campbell e Julian C. Stanley; e

c) a avaliação baseada no valor agregado de William L. Sanders e Sandra P. Horn.

Num segundo bloco incluem-se as abordagens de matriz subjetivista, entre as quais se encontram:

d) a avaliação a serviço da decisão de Daniel Stufflebeam; e) a avaliação orientada para consumidores de Michael Scriven; f) a avaliação centrada nos participantes de Robert E. Stake; e

g) a avaliação qualitativa de Egon G. Guba e Yvonna S. Lincoln, Barry MacDonald, Ernest House e Malcolm Parlett e David Hamilton.

Cabe ressaltar, como assinalam Worthen, Sanders e Fitzpatrick (2004, p. 108), que ambas as matrizes epistemológicas são alvos de críticas no âmbito das ciências sociais e educacionais, por um lado, há os que se contrapõem “[...] ao domínio objetivista sobre as metodologias da avaliação [...]”, e por outro, critica-se, “[...] com menos radicalismo [...]”, o subjetivismo, “principalmente por aqueles que veem seus procedimentos como ‘anticientíficos’ e, por isso, de valor duvidoso”. Diante disso, Dias Sobrinho (2004, p. 723) observa que apesar das duas matrizes serem distintas e contraditórias, elas não se excluem, sendo assim:

Não se trata de adotar exclusivamente o controle (medida, verificação, constatação, o sentido já dado, classificação, seleção etc.) ou, tampouco, também exclusivamente, de adotar procedimentos subjetivistas sem base em dados da realidade. As duas epistemologias representam duas visões de mundo distintas, até mesmo concorrentes, porém são complementares e não excludentes.

É nesta perspectiva que Franco (1990, p. 66) prevê a necessidade da criação de novos modelos de análise, pois, segundo a autora, “tanto na vertente objetivista, quanto na vertente subjetivista, a visão de indivíduo se apresenta de uma forma automatizada, a- histórica e abstrata”, ocorrendo um negligenciamento do “caráter histórico e transitório dos fatos [...]”. A fim de responder a essa questão a autora aponta que a redefinição da avaliação educacional deve ter como unidade de análise “o vínculo indivíduo-sociedade numa dimensão histórica”. Isso implica no conhecimento da realidade social, apreensão da rede de relações e de conflitos de interesses imbricados na dinâmica social e exploração das brechas que abrem caminho para rupturas e mudanças (FRANCO, 1990).

A exposição sobre o desenvolvimento histórico da avaliação educacional no cenário internacional, conforme apresentado nesta terceira seção, nos mostra que o campo da avaliação recebeu contribuições de diferentes autores que proporcionaram ao conceito da avaliação um movimento que partiu da ideia de avaliação como mensuração, onde a avaliação restringia-se a aplicação de testes (período pré-tyleriano), para a descrição de até que ponto os objetivos foram atingidos, quando é denominada como avaliação educacional (período tyleriano), para então encontrar seu entendimento enquanto julgamento de valor (período do profissionalismo). A avaliação assim, inicialmente preocupada com a medição do rendimento dos alunos, passa a se preocupar com o cumprimento dos objetivos educacionais e com o

julgamento de valor de algo para um determinado fim, seja esse algo um programa, um produto, um procedimento ou um objetivo.

As periodizações também trouxeram consigo a ideia de abordagens de avaliação educacional, que foram demarcadas segundo as concepções teóricas e metodológicas presentes nas elaborações de seus protagonistas, e que, de certo modo, se trata de uma defesa pelos encaminhamentos e usos que a avaliação pode realizar. Assim, a avaliação é baseada nos objetivos se sua intenção é determinar em que medida os objetivos foram alcançados; quando baseada na lógica científica busca impedir inferências casuais na condução de pesquisas; baseada no valor agregado tem a intenção de determinar o valor com que cada entidade contribui para as conquistas de sua clientela; a serviço da decisão objetiva fornecer informações úteis para a tomada de decisões; orientada para consumidores procura ajudar os consumidores a identificar e avaliar o mérito e valor de programas concorrentes, serviços e produtos; centrada nos participantes se baseia em como as pessoas observam e reagem para avaliar as coisas; e a qualitativa se preocupam em como são utilizados os resultados da avaliação e no desenvolvimento de métodos que dão maior liberdade ao avaliador.

A seção cumpre seu objetivo em revisar os principais momentos e abordagens que marcaram a trajetória da avaliação no cenário internacional, com destaque para a produção dos autores estadunidenses, que, impulsionados por Ralph Tyler, desenvolveram numerosos trabalhos que possibilitam um olhar histórico do campo da avaliação, seu desenvolvimento teórico e metodológico, com ramificações e adoções em outros contextos, como no caso brasileiro. Antes, porém, de uma incursão no campo da avaliação educacional no país, entendemos que é importante conhecer alguns dos aspectos históricos (políticos, econômicos, sociais e educacionais) que marcaram o Brasil na década de 1980, é o que fazemos na seção que segue, quando apresentamos um panorama dos principais acontecimentos do período.

4 ASPECTOS POLÍTICOS, ECONÔMICOS, SOCIAIS E EDUCACIONAIS DO