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Pressupostos teóricos e metodológicos

No momento atual, em que diferentes perspetivas coexistem, é no quadro do novo paradigma informacional, científico e pós-custodial(Ribeiro, 2001: 295-310) que assumimos a surgimento da CI, numa evolução natural das disciplinas práticas que a antecederam (Arquivística, Biblio- teconomia, Documentação), numa perspetiva transdisciplinar que as integra como componentes aplicadas.

A designação Information Science surgiu em finais da década de cinquenta do século XX e, na década seguinte, estava definitivamente imposta nos E.U.A; contudo, tal expressão tem as suas origens mais remotas no conceito da Documentação, concebido e praticado por Paul Otlet e Henri La Fontaine desde finais do século XIX1.

Para Harold Borko, no clássico artigo, Information Science – what is it? (Borko, 1968: 3), a “information science is that discipline that investigates the properties and behavior of infor- mation, the forces governing the flow of information, and the means of processing information for optimum accessibility and usability”. Trata-se, como afirma A. M. da Silva, de uma ciência social trans e interdisciplinar, dotada de um corpo teórico-metodológico próprio, “que investiga os problemas, temas e casos relacionado com o fenómeno info-comunicacional perceptível e cognoscível através da confirmação ou não das propriedades inerentes à génese do fluxo, or- ganização e comportamento informacionais (origem, colecta, organização, armazenamento, re- cuperação, interpretação, transmissão, transformação e utilização da informação” (Silva, 2006: 140-141).

O objeto científico da CI é a informação social, i. e., criada por instâncias sociais e entendida como o “conjunto estruturado de representações mentais e emocionais codificadas (signos e símbolos) e modeladas com/pela interacção social, passíveis de serem registadas num qualquer suporte material (papel, filme, banda magnética, disco compacto, etc.) e, portanto, comunicadas de forma assíncrona e multi-direccionada” (Silva e Ribeiro, 2002: 37; Silva, 2006: 25, 150).

1. Sobre as origens e evolução da Ciência da Informação pode consultar-se: Shera, J. H. & Cleveland, D. B., 1977; Saracevic, T., 1996; Rayward, W. B., 1997; Williams, R. V.; Whitmire, L. e Bradley, C., 1997; Silva e Ribeiro, 2002.

De acordo com os autores citados, esta definição, de per si, é insuficiente para a caraterização da informação como objeto; é necessário complementá-la com o enunciado dos atributos que lhe são inerentes, as propriedades da informação, a que Borko (1968: 3-5) e Le Coadic (1997: 516-523) aludiram, sem chegarem à sua formulação, a saber: estruturação pela ação humana e social, integração dinâmica, pregnância, quantificação, reprodutividade e transmissibilidade (Silva e Ribeiro, 2002: 38).

Podemos, pois, considerar, de forma sintética, estes elementos caraterizadores da Informa- ção, aliados à sua definição, como as bases fundamentais para o discurso científico sobre o que consideramos ser o objeto de estudo e de trabalho da CI, sendo também crucial a assunção de um método ajustado às caraterísticas do fenómeno da informação social.

Ainda segundo aqueles autores (Silva e Ribeiro), no campo da CI, a adequação do su- jeito ao objeto faz-se através do Método de Investigação Quadripolar, concebido para conhe- cer/interpretar, explicar/gerir informação. Segundo este modelo, proposto por Paul de Bruyne, Jacques Herman e Marc de Schoutheete (De Bruyne et al., 1974), a investigação científica deve superar o debate entre quantitativo e qualitativo, e promover a interdisciplinaridade. O refe- rido método implica uma visão holística e uma dinâmica investigativa em constante avaliação e apuramento, o que permite a construção de um conhecimento científico. A investigação deve cumprir-se num projeto e reiniciar-se, corrigir-se e superar-se no seguinte, através da interação e abertura entre os quatro polos2de análise: o da forma (morfológico), o da abordagem operacio-

nal (técnico), o dos princípios (teórico) e o da problematização científica (epistemológico), que interagem entre si em todas as fases do trabalho.

No campo científico unitário da CI confluem disciplinas aplicadas: a Arquivística, a Bi- blioteconomia, a Documentação, os Sistemas (Tecnológicos) de Informação, a Organização e Métodos, e possivelmente a Museologia. A CI interage ativa e proximamente com a interdisci- plina Ciências da Comunicação (Silva, 2006: 107-109) e com um universo interdisciplinar, rico e variado, de ciências sociais e humanas, e naturais.

No campo de estudo e intervenção da CI, os referidos ramos aplicacionais desenvolvem-se em três áreas interligadas: a Gestão da Informação, a Organização e Representação da Infor- mação (teoria e prática relacionada com a metainformação, como meio de possibilitar a comu- nicação e o uso) e o Comportamento Informacional (modo de ser/reagir de uma pessoa/grupo, impelida(o) por necessidades, no que respeita ao fluxo de informação). Como área de estudo científico dos profissionais da informação e pano de fundo desta investigação, Gestão da In- formação “significa lidar, administrar, encontrar soluções práticas desde a génese até ao efeito

2. No polo epistemológico dá-se a permanente construção do objeto científico e a delimitação da problemática de investigação; no polo teórico, o sujeito conhece e relaciona-se com o objeto, formula hipóteses, teorias, leis e subsequentemente faz a verificação ou refutação do contexto teórico elaborado; no polo técnico, o investigador toma contacto com a realidade objetivada – através da observação casuística ou de variáveis (recolha de dados histórico- institucionais, normativos e reguladores; descrição da natureza e funcionamento interno da organização através de técnicas como o questionário, a entrevista ou registos informáticos, de modo a chegar a um conhecimento do sistema) e da avaliação retrospectiva e prospectiva (examinar os resultados da observação de modo a conhecer a estrutura de cada organização ou antecipar situações potenciais no contexto de produção da informação) é possível confirmar ou infirmar as hipóteses, os conceitos operatórios e as teorias preparadas para cada estudo de caso; no polo morfológico, formalizam-se os resultados da investigação através da representação do objeto em estudo e da exposição de todo o processo de pesquisa e análise que permitiu a construção científica em torno dele (Silva e Ribeiro, 2002: 87-90).

multiplicador do fluxo da informação e compreende um conjunto diversificado de atividades, a saber: produção, tratamento, registo e guarda, comunicação e uso da informação” (Silva, 2006: 148-149).

Neste vasto domínio científico, a Arquivística ganha um caráter de componente aplicada, pelo que explicitamos sucintamente a sua evolução e a definição do seu objeto para uma ade- quada compreensão do estudo de caso.

No confronto entre o paradigma documental, técnico e custodial clássico e o paradigma informacional, pós-custodial e científico emergente, a Arquivística configura-se como disci- plina aplicada ou como ramo específico da CI que “estuda os arquivos (sistemas de informação (semi)fechados)3, quer na sua estruturação interna e na sua dinâmica própria, quer na interac-

ção com os outros sistemas correlativos que coexistem no contexto envolvente” (Silva et al., 1999: 214). O arquivo não deve, assim, ser encarado como uma entidade dual, composta por documentos produzidos organicamente e por instituições ou serviços que recebem, organizam, conservam e divulgam esses documentos. Pelo contrário, para haver conhecimento arquivístico, o objeto da arquivística não é a mera soma de fundo (conjunto orgânico de documentos) mais serviço (instituição ou serviço responsável), mas sim uma unidade integral e aberta ao contexto dinâmico e histórico que lhe está subjacente, é o arquivo total. Neste contexto, perfilhamos a definição de arquivo como “um sistema (semi)fechado de informação social materializada em qualquer tipo de suporte, configurado por dois factores essenciais – a natureza orgânica (estru- tura) e a natureza funcional (serviço/uso) – a que se associa um terceiro – a memória – imbricado nos anteriores” (Silva et al., 1999: 214).

Todavia, devemos ter presente que a concepção arquivística tradicional, herdeira da matriz francesa, e ainda hoje de certo modo dominante, que configura o paradigma histórico-tecnicista, custodial e patrimonialista, carateriza-se em traços gerais pelos seguintes aspetos4:

— Existência de arquivos históricos, concebidos para conservar e possibilitar o acesso à do- cumentação, essencialmente de caráter patrimonial, enquanto fonte para a historiografia;

— Fundamentação teórica assente na noção oitocentista de fundo5, considerado como o

objeto da disciplina, ou seja, como sinónimo de arquivo;

— Adoção de princípios baseados na evidência e no pragmatismo, como o «princípio do respeito pelos fundos» ou «princípio da proveniência»;

— Valorização da componente técnica e enfatização da normalização;

— Entendimento do documento como objeto material constitutivo do arquivo.

A partir dos alvores do século XX, a evolução histórica, político-administrativa, cultural, socioeconómica e tecnológica trouxe mudanças significativas que acentuaram a vertente técnica

3. Segundo a Teoria Geral dos Sistemas (Bertalanffy, 1979; Mella, 1997) pode-se falar em sistemas físicos e abstratos, em sistemas naturais e artificiais, em sistemas fechados e abertos. Ao procurarmos fazer uma aplicação desta classificação ao campo específico da informação social, verificamos que esta se estrutura em sistemas híbridos, logo não é linear a dicotomia entre sistemas fechados e abertos.

4. Para uma perspetiva mais desenvolvida das características do paradigma histórico-tecnicista pode consultar- se: Ribeiro, 2002: 98-101.

5. Michel Duchein e a moderna escola canadiana procuraram adaptar o conceito a novas realidades e dar-lhe novos contornos que lhe assegurassem a sobrevivência. Veja-se a este propósito os trabalhos de Duchein (1998) e de T. Eastwood (1992).

da Arquivística. O aparecimento de novos suportes, o crescimento exponencial da produção informacional e das consequentes massas documentais acumuladas, em particular a partir do período que medeia entre as duas guerras mundiais, intensificaram esta vertente, tendo surgido paralelamente aos arquivos históricos os arquivos correntes das administrações, onde os gesto- res, records managers, passam a desenvolver uma atividade profissional pragmática e eficaz na gestão dos documentos. No pós-guerra, afirmam-se dois conceitos – o de record group (esta- belecido em 1941, no National Archives de Washington, adaptação americana do princípio da proveniênciaque possibilitou uma flexibilidade na organização dos documentos produzidos por diferentes entidades) e o de records management (intervenção na gestão de documentos na fase da sua produção e tramitação nos serviços administrativos) (Pinkett, 1981: 219-222).

Após a 2ª Guerra Mundial, a evolução social, económica e tecnológica (Bell, 1977) das úl- timas décadas transformou a sociedade industrial em Sociedade de Informação (Castells, 2002- 2003), com novos desafios e problemas ainda mais complexos para os profissionais dos arquivos (Silva et al., 1999: 129-185).

A escola canadiana de Carol Couture e Jean-Yves Rousseau (1998), a perspetiva de Terry Cook (1992) face a novos critérios para a avaliação da informação, e as investigações conduzidas por Terry Eastwood, Luciana Duranti (1995) e Heather McNeil (1996), no sentido de validação e preservação do contexto de produção dos documentos eletrónicos, são exemplos ilustrativos da mudança que se verifica no quadro da Sociedade de Informação, em Rede (Castells, 2002-2003). As inovações tecnológicas transformaram, nos últimos quarenta anos, a maneira como se apreende, se processa, se analisa, se guarda, se recupera e se partilha a informação. Não cabe no presente artigo explicitar de forma desenvolvida os fundamentos teórico-epistemológicos que suportam o novo paradigma científico-informacional em que se inscreve a CI (Silva et al., 1999; Silva e Ribeiro, 2002); porém, em traços gerais, importa apontar os pilares essenciais que a travejam e lhe dão alicerce: valorização da informação enquanto fenómeno humano e social, necessidade de compreender e explicitar a informação social através de modelos teórico- científicos, a assunção da informação (e não do documento) como objeto de trabalho e de estudo, a adoção do método de investigação quadripolar e a preferência pelo conceito e pensamento sistémico, como ferramenta interpretativa e de referência para todo e qualquer estudo científico. Havendo diferentes teorias e modelos que sustentam o modo de ver e pensar o fenómeno/pro- cesso informacional, assumimos, de entre eles, a nossa preferência pela Teoria Sistémica, pois consideramos que a visão holística se ajusta bem ao universo complexo da informação (dinâ- mica, fluída, interativa com o contexto de produção, uso e comunicação), indissociável da com- plexidade humana e social.

Ora, perfilhando a visão holística e a aplicação da Teoria Sistémica (Bertalanffy, 1979: 36 e seg.; Mella, 1997), em uso nas diversas ciências, tecnologias e domínios da atividade hu- mana e social, verificamos que, no estudo científico do fenómeno e no processo genético e desenvolvimento da informação social, se acentua de maneira decisiva o papel do contexto e da organicidade estrutural, inferindo-se que a informação só poderá ser mais bem compreendida e conhecida no contexto de sistemas específicos. É, por isso, inevitável que o estudo de qualquer SI organizacional seja feito tendo sempre em conta os fatores orgânicos e funcionais.

A nossa visão sistémica do SI da UC (estudo de caso que concretizamos) é transposta da seguinte forma: