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Prevalência de enteroparasitoses –protozoários não-patogênicos

No documento UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO (páginas 90-99)

SB DIZIMEIRO A PERUAÇU

6.8 Prevalência de enteroparasitoses –protozoários não-patogênicos

Além dos agentes patogênicos, foram demonstradas elevadas taxas dos comensais, marcadores da influência da via fecal-oral e da água na disseminação das infecções.

Apesar de não patogênicas, os maus hábitos higiênicos propiciaram também a transmissão de alguns protozoários comensais como a I. buschlii que foi prevalente em 1,5% das crianças (n=32), E. nana em 3,7% (n=77), e E. coli em 30,0% (n=625). A infecção pelos protozoários não patogênicos foi mais freqüente no Itapicuru e menos freqüente nos Pólos Pindaíbas e Rancharia.

E. coli, E. nana e I. butschlii ocorrem em taxas que variam de 22,2% a 66,0% segundo dados da literatura. Essas amebas, que eram consideradas como protozoário comensal do intestino humano são aceitas atualmente como parasitas de patogenicidade variável por

alguns autores. Da mesma forma, tem sido apontado que a espécie E. nana pode associar- se a diarréia infantil (Toledo et al., 2009).

Macedo (2005) encontrou resultados semelhantes à terra indígena Xakriabá com relação à prevalência de protozoários em um trabalho realizado por amostragem aleatória simples em sete escolas de rede pública de Paracatu, MG. Seus resultados indicaram que as maiores taxas de prevalência (54,2%) foram observadas em crianças infectadas por protozoários (patogênicos ou comensais intestinais), sendo a Entamoeba coli (50%) mais frequente, seguida da espécie patogênica Entamoeba histolytica (21,5%).

Machado et al. (2008) em estudo realizado em Uberlância, MG, observou menor prevalência para protozoários não patogênicos do que o observado nas crianças Xakriabá, mas ainda assim considerado como considerável taxa de infecção segundo a literatura, pois

Entamoeba coli foi observada em 20,7%, Endolimax nana em 2,5% e Iodamoeba butschlii em 1,3%. Vale ressaltar que a forma de contaminação para esses comensais é a mesma para os parasitos patogênicos.

A prevalência de E. coli observada na TI Xakriabá (30,0%) estaria, ao menos em parte, relacionada à forma de transmissão. O homem elimina cistos infectantes nas fezes permitindo a contaminação interpessoal mesmo em ambientes com adequadas condições de saneamento. Alguns autores descrevem a E. coli como um enterocomensal, uma vez que o mecanismo de transmissão é semelhante ao dos patogênicos (Basso et al., 2008). Dessa forma, este protozoário atua como indicador das condições sanitárias locais, indicando risco de contaminação de doenças de transmissão fecal-oral.

6.9 Saneamento

Na TI Xakriabá, além da carência de saneamento básico, os hábitos de higiene quando na presença de saneamento provavelmente são fatores que propiciam a manutenção das infecções, como pode ser observado pela infra-estrutura e hábitos descritos abaixo.

O acondicionamento de água de beber se dava principalmente em filtro de vela ou pote de barro, ou em ambos. A água de beber acondicionada em geladeira foi relatada por 162 entrevistados (13,4%) dos 1211 domicílios.

Dos 1025 entrevistados que responderam a pergunta ―Tratamento das águas dos canos‖, 58,63% afirmaram utilizar água dos canos tratada enquanto 16,85% relataram que a água dos canos não possuía tratamento algum.

O tratamento da água de beber na terra indígena Xakriabá é relativamente recente. Quase a totalidade dos indivíduos que responderam a pergunta (576 domicílios) ―Tempo em que a água dos canos era tratada‖, possuíam água dos canos tratada a menos de cinco anos, enquanto apenas 1,79% relataram possuir água tratada entre seis e dez anos.

A existência de caixa d‘água no domicílio foi relatada na maioria dos entrevistados. No entanto, estas só foram construídas há menos de cinco anos para a maior parte desta população (86,4%).

Dos 1210 entrevistados que responderam a pergunta sobre ―Esgoto‖, apenas 32,74% possuíam banheiro em suas casas, sendo estes feitos pelo morador ou pela FUNASA, enquanto a grande maioria dos domicílios não possuía banheiros 67,26%. A maioria dos domicílios que tinham banheiros os tinha a menos de cinco anos.

Heller (1998) relata que 32% da população brasileira não são conectadas à rede coletiva de água e 68% não são atendidos por sistema coletivo de esgotos. Além disso, parte considerável da população abastecida por água recebe água intermitentemente e de questionável qualidade. Sabe-se que quase a totalidade do esgoto coletado é lançada nos cursos d‘água sem receber tratamento.

Dos 386 domicílios que tinham instalações sanitárias, 28,6% dos entrevistados relataram utilizar o banheiro sempre, 4,38% responderam que nenhum morador utilizava o banheiro, e 59,24% relataram não possuir banheiro.

A maioria dos moradores da terra indígena Xakriabá (51,30 %), relatou não lavar as mãos antes de pegar a água da vasilha para beber, enquanto 22,19% relataram utilizar filtro de vela para estocar a água de consumo.

A partir dos resultados dos entrevistados que relataram possuir crianças nas casas e responderam a pergunta ―Freqüência das crianças que bebem água tratada‖ pode-se observar que a maioria das residências utilizava água filtrada em Filtro de vela (45,05%), sendo a utilização da água misturada com hipoclorito a segunda forma mais freqüente.

Variáveis relacionadas com a água e o seu tratamento destacaram-se como fatores de risco para o parasitismo acentuado. De forma geral, as fontes de água mais usadas na terra indígena não apresentavam condições de segurança sanitária. Como exemplo, os reservatórios eram precários e muitas vezes sem tampa de proteção, da mesma forma como o observado em nosso trabalho (Fontbonne et al., 2001).

Em estudo realizado na Comunidade Indígena no Distrito de Iauaretê, Município de São Gabriel da Cachoeira (AM), verificou-se que a população encontrava-se exposta aos riscos de infecção, devido à ausência de saneamento básico, em função da aglomeração populacional e da manutenção de hábitos sanitários, como a disposição de dejetos humanos e resíduos sólidos em áreas peridomiciliares ou próximas a fontes de água utilizadas para consumo humano (Rios et al., 2007).

Com relação ao esgoto, menos da metade dos entrevistados possuíam banheiro em suas casas, sendo estes feitos pelo morador ou pela FUNASA, enquanto a grande maioria dos domicílios não possuía banheiros. A maioria dos domicílios que tinham banheiros, os tinha a menos de cinco anos. No entanto, deve-se chamar a atenção para o fato de apenas 25,4% dos moradores lavarem as mãos antes de pegar água da vasilha para beber. Deve-se ressaltar, também, que nessa TI é muito comum a presença de caixas d água de placa. As primeiras foram construídas sem torneira, o que obrigava os moradores a coletar a água em latas. Talvez, esse seja o motivo mais provável da alta prevalência dos protozoários encontrados.

Na TI Xakriabá, além da carência de saneamento básico, os hábitos de higiene quando na presença de saneamento provavelmente são fatores que propiciam a manutenção das infecções, como pode ser observado pela infra-estrutura e hábitos locais.

Além disso, nossos resultados indicaram que mais da metade (67,26%) da população residente na Terra Indígena Xakriabá não possuía banheiro em suas residências, sendo estes, quando presentes, feitos pelo morador ou pela FUNASA. A maioria dos domicílios que possuía banheiro os tinha a menos de cinco anos. Esse também é um motivo para alta prevalência encontrada.

Embora haja uma escassez de dados na literatura, sabe-se que há uma indicação da existência de associação entre doenças infecciosas e parasitárias e o manejo inadequado de

resíduos sólidos (Catapreta & Heller, 1999). Este mesmo grupo sugeriu que a população infantil exposta à ausência de serviços de coleta dos resíduos sólidos domiciliares possuía 40% mais chance de apresentar doenças diarréicas, parasitárias e dermatológicas do que as crianças não expostas.

Em outro estudo realizado com escolares de quatro a seis anos residentes na periferia do município de Guarapuava-PR, observou-se que a boa escolaridade dos pais refletiu na qualidade de vida das famílias. Constatou-se que as crianças com diagnóstico parasitológico positivo viviam em condições socioeconômicas menos favorecidas (Ferreira

et al., 2006). Costa-Macedo (1999) encontrou resultados concordantes, com prevalência de parasitoses associada às condições socioeconômicas precárias.

Ainda que venha sendo pouco estudado, o perfil epidemiológico das doenças enteroparasitárias apresenta variações em função da localidade, de fatores climáticos, sócio-econômicos, educacionais, hábitos culturais e de saneamento (Kobayashi et al., 1995). Embora esse tipo de estudo esteja limitado a algumas etnias, o fator predisponente ao alto parasitismo nas comunidades indígenas pode estar associado à falta de condições de infra-estrutura sanitária das aldeias e aos hábitos culturais dessas populações.

A ausência de condições sanitárias, como a inexistência de uma infra-estrutura de destino adequado dos dejetos e acesso a água de boa qualidade, demonstram uma escassez ou a má administração de recursos públicos para com as populações indígenas do país. É comum a utilização de cursos de água (rios, igarapés, etc.) pela população indígena para higiene pessoal e lavagem de utensílios, estabelecendo as condições propícias à propagação de enteroparasitoses e outros agentes patogênicos (Fontbonne et al., 2001; Linhares, 1992; Santos et al., 1993; Lawrence et al.,1983)

Embora esse tipo de estudo esteja limitado a algumas etnias, o fator predisponente ao elevado parasitismo nas comunidades indígenas pode estar associado à falta de condições de infra-estrutura sanitária das aldeias e aos hábitos culturais dessas populações (Kobayashi et al., 1995). Borges et al. (2009) chama a atenção que as medidas de saneamento deveriam vir acompanhadas da educação sanitária, ambas fundamentais para a redução das fontes de disseminação de parasitos.

Dados de estudos como este, realizado na TI Xakriabá, demonstram que a elevada taxa de infecção parasitária persiste apesar da implantação de ações em saneamento. Resultados semelhantes foram encontrados por Toledo et al. (2009), que no entanto, salientam que mesmo com a adoção de medidas sanitárias, as infecções parasitárias em etnias indígenas podem não ser controladas por medidas de cuidados à saúde, uma vez que as altas taxas de transmissão são favorecidas por condições ambientais e socioculturais.

7 CONCLUSÕES

A Terra Indígena Xakriabá apresentou uma baixa prevalência de helmintos. A prevalência de ancilostomídeos foi igual a 3,5%, H. nana 2,1%, S. mansoni 0,5 %, E. vermicularis 1,1%, S. stercoralis e A. lumbricoides 0,4%.

A alta prevalência de protozoários sugere contaminação de recursos hídricos por material fecal humano. A prevalência de E. histolytica/dispar foi igual a 16,8% e de Giardia

duodenalis igual a 18,6%.

A elevada prevalência de poliparasitismo por protozoários observada em nosso estudo (39,7%) pode ser justificada pelas deficiências encontradas na região com relação às condições sanitárias inadequadas.

A distribuição espacial dos casos de enteroparasitoses na Terra Indígena Xakriabá no ano de 2007 demonstrou que o Brejo Mata Fome, Sumaré e Itapicuru foram os pólos com as maiores prevalências de enteroparasitoses.

O abastecimento de água canalizada estava presente em 70% dos domicílios, mas apenas 32% possuíam banheiros. Os banheiros em geral eram de alvenaria, possuíam algum tipo de cobertura e suas dimensões normalmente eram muito pequenas, o que era motivo de insatisfação entre os indígenas.

A distribuição espacial dos casos de enteroparasitoses na Terra Indígena Xakriabá no ano de 2007 mostrou-se dispersa por toda a localidade, não caracterizando conglomerados. O abastecimento de água era em sua maioria oriundo de minas e a qualidade da água era considerada pela população indígena através dos questionários como de boa qualidade. Esses resultados apontam para precárias condições sanitárias na Terra Indígena Xakriabá, que resultam não apenas em elevados níveis de parasitismo como também na ocorrência freqüente de poliparasitismo.

Nossos achados vão de encontro à situação dos povos indígenas do Brasil, que constituem um segmento desfavorecido, excluídos das principais medidas públicas, como saneamento e abastecimento de água de qualidade adequada para consumo.

Esse quadro demonstra a necessidade de ampliação do sistema de saneamento básico, associado à medidas de educação em saúde. Caso contrário, medidas adotadas de forma isolada tendem ao insucesso, como pode ser percebido na TI Xakriabá, que apresenta uma alta taxa de prevalência de infecções por protozoários de veiculação hídrica. A partir da agregação da base de dados do inquérito parasitológico à base de dados de saneamento, foi possível identificar as unidade familiares em risco e com necessidade de uma melhor abordagem em educação em saúde, a ser implementada pelas equipes do Programa de Saúde da Família.

8 RECOMENDAÇÕES

Os resultados dos exames parasitológicos indicam que as condições sanitárias e de higiene na Terra Indígena Xakriabá estão longe de se enquadrar dentro do desejável. É necessária a melhoria e ampliação do sistema de abastecimento de água da Terra Indígena Xakriabá, assim como a despoluição dos cursos de água que irrigam a Terra Indígena.

A prevalência significativa de protozoários demonstra que esta localidade está sujeita a contaminação por enteroparasitoses de veiculação hídrica, necessitando dessa forma, de uma análise microbiológica e física química de suas fontes de captação de água e dos reservatórios domiciliares.

Há um desejo entre os moradores da Terra Indígena de algum tipo de melhoria das condições sanitárias, contudo, ficou evidente que simplesmente ofertar infra-estrutura não será suficiente para garantir a saúde e impedir a transmissão de doenças. Far-se-á necessário transmitir aos indígenas conhecimentos na área de educação em saúde e ambiental, de maneira a fazê-los perceber processos de mudança ocorridos ao longo dos anos. Deve ser dada a primazia a um processo educativo dialógico, que respeite a cultura dos indígenas e que possibilite aproximações sucessivas, de modo que eles possam compreender e vir a crer nas técnicas ocidentais que evitam o adoecer por meio da mudança de hábitos.

Medidas de educação sanitária são importantes uma vez que 52% dos entrevistados relatam não lavar as mãos antes de pegar a água nos potes. O que pode explicar em parte a alta prevalência de protozoários intestinais.

No documento UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO (páginas 90-99)

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