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CAPÍTULO I BASE HISTÓRICA E CONSOLIDAÇÃO DA PROPORCIONALIDADE

3.2 Previsão penal

O Direito Penal deve conformar o seu âmbito de atuação ao preconizado pela Constituição. E, em sendo assim, não há dúvidas de que o principio da proporcionalidade deve ser observado na esfera penal, mormente quando diante da constatação de que os fundamentos jurídicos para a aplicação desse princípio decorrem de preceitos constitucionais.

Há primazia das normas constitucionais sobre as demais normas que compõem o ordenamento jurídico. As normas infraconstitucionais são hierarquicamente inferiores, na medida em que extraem o seu fundamento de validade, direta ou indiretamente, da Constituição.

Logo, o Direito Penal, assim como os demais ramos da Ciência Jurídica, pressupõe, necessariamente, a sua filtragem constitucional. Seja quando da previsão em abstrato, por parte do legislador, das condutas criminosas, seja quando da aplicação em concreto, por parte do julgador, das sanções abstratamente previstas, os vetores axiológicos

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LOPERA MESA, Principio de proporcionalidad y ley penal, p. 166-167.

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constitucionais devem ser obedecidos. E entre esses vetores axiológicos temos o princípio da proporcionalidade.

Toda intervenção estatal que incida limitando os direitos individuais, como a intervenção penal, deve ser vinculada a exigências materiais que derivam do valor justiça, e a proporcionalidade é uma dessas exigências155. Uma intervenção penal justificada na finalidade de proteger interesses do cidadão não pode legitimar privações inidôneas, desnecessárias ou desproporcionais de direitos156.

Ademais, além de sua previsão constitucional, que obriga sua observância por todos os ramos do Direito, a proporcionalidade é encontrada dentro do próprio Direito Penal. A proporcionalidade há tempos é querida no Direito Penal, constituindo um dos seus vetores básicos, formando parte dos “pressupostos técnico-jurídicos que configuram a natureza, as características, os fundamentos, a aplicação e a execução do Direito Penal” 157.

A proporcionalidade, de uma maneira implícita ou explícita, está presente no momento da decisão de incriminação de um comportamento, nas modificações dos elementos objetivos do tipo, na previsão ou concreção de uma causa de justificação e na determinação da pena158.

A proporcionalidade se aloca dentro do tipo penal, sendo encontrada na tipicidade, na antijuridicidade e na relação entre delito e consequência jurídica. Primeiro, a proporcionalidade atua como limite à criminalização de condutas pelo legislador por meio do Direito Penal159. Nesse ponto, a proporcionalidade está relacionada com outros importantes princípios penais, quais sejam, princípio da intervenção mínima e princípio da lesividade.

Segundo, afirmada a tipicidade de uma conduta, no âmbito da antijuridicidade se deve comprovar a ausência de causas de justificação, campo no qual apresentam papel fundamental a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito como critérios de ponderação de interesses160.

O Código Penal Brasileiro, em seu artigo 25, por exemplo, dispõe que “entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele

155

MATA BARRANCO, El principio de proporcionalidad penal, p. 84/85.

156

MACHADO, Fábio Guedes de Paula. Questões fundamentais da responsabilidade penal pelo produto defeituoso. Revista dos Tribunais, São Paulo, p. 177-219, agosto de 2011, p. 192.

157

MARTOS NÚÑEZ, Principios penales. Nueva Enciclopedia Jurídica, Tomo XX, Ed. Seix, Barcelona, 1993, p. 503, apud MATA BARRANCO, El principio de proporcionalidad penal, p. 63.

158

LASCURAÍN SÁNCHEZ, La proporcionalidad de la norma penal, p. 245.

159

SANCHEZ GARCIA DE PAZ, M. Isabel. El principio constitucional de proporcionalidad en el Derecho penal. La Ley, n. 4, 1994, p. 1118 apud AGUADO CORREA, Teresa. Proporcionalidad y derecho penal, p. 02. In: El principio de proporcionalidad en Derecho penal. Madrid: Edersa, 1999. Disponível em:<http://vlex.com/vid/298553>. Acesso em: 15 de maio de 2012.

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injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”. Assim, a legítima defesa deve ser necessária para afastar a agressão, bem como deve haver certa proporcionalidade entre a agressão e a reação defensiva.

Também do estado de necessidade se pode extrair a previsão da proporcionalidade penal. O Código Penal, no artigo 24, disciplina esse instituto justificante: “considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se”.

Através da leitura desse artigo, segundo Juarez Cirino dos Santos, se extrai então que a ação de proteção do bem jurídico deve ser necessária para afastar ou excluir o perigo, bem como apropriada para proteger o bem jurídico com menor lesão em bens jurídicos alheios161, ficando assim clara a presença da proporcionalidade penal.

E, ainda, a proporcionalidade também é encontrada na relação entre o delito e a sua consequência jurídica. A proporcionalidade penal aqui está relacionada com o princípio da individualização da pena, atuando na ponderação entre a gravidade do mal produzido pela conduta típica e a sanção penal a ser prevista e aplicada.

Nesse sentido, pode-se arriscar afirmar a previsão da proporcionalidade no artigo 59 do Código Penal Brasileiro162, o qual dispõe sobre a fixação da pena conforme seja necessário e suficiente para a reprovação e a prevenção do crime.

Rogério Greco fala ainda que na legislação penal brasileira se tem a hipótese do perdão judicial, por exemplo, que corrobora com a tese de que nem sempre a pena se mostrará necessária, mesmo que se esteja diante de uma conduta típica, ilícita e culpável. Tal ocorre nas circunstâncias previstas no artigo 121, §5º do Código Penal, que dispõe que o juiz poderá deixar de aplicar a pena se as consequências da infração atingirem o agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária163.

Concluindo, o que se verifica é que a despeito da ausência de um artigo específico dispondo sobre a proporcionalidade e os seus subprincípios (idoneidade,

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SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal. Parte Geral. Curitiba: ICPC/Lumen Juris, 2006, p.243.

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Código Penal, Art. 59. “O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime: I – as penas aplicáveis dentre as cominadas; II – a quantidade de pena-base aplicável dentro dos limites previstos; III – o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade; IV – a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível.”

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GRECO, Rogério. Direito Penal do equilíbrio. Uma visão minimalista do Direito Penal. 4ª ed. Niterói: Impetus, 2009, p. 101.

necessidade e proporcionalidade em sentido estrito) no Código Penal Brasileiro, ela pode ser extraída de vários dispositivos, sendo a todo momento invocada pelas normas penais.

4 Esclarecimentos finais

Na presente pesquisa passar-se-á a utilizar, doravante, a expressão “princípio da proporcionalidade”. E ao se falar em “princípio” não se está a referir à diferenciação entre regras e princípios trazida pelos autores, mas sim se busca deixar clara a importância e a amplitude da proporcionalidade.

Adota-se nesse sentido o entendimento de Virgilio Afonso da Silva, segundo o qual “mais importante do que a ingênua ambição de querer uniformizar a utilização do termo ‘princípio’ é deixar claro que ele, na expressão ‘princípio da proporcionalidade’, não tem o mesmo significado de ‘princípio’ na distinção entre regras e princípios”164

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Ademais, será adotada a visão conflitista dos direitos fundamentais, e não a concepção coerentista. Parte-se do entendimento de que os direitos fundamentais podem vir a ser limitados em decorrência de outros direitos, e que a proporcionalidade atua para evitar que essas restrições tomem dimensões desproporcionais.

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