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CAPÍTULO II PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE NO DIREITO PENAL

4.2 Valoração das criticas

Conforme visto, várias são as criticas apontadas ao princípio da proporcionalidade. Ocorre que a maioria dessas críticas poderia ser dirigida também a qualquer outro critério limitador da intervenção estatal, não sendo específicas apenas ao princípio da proporcionalidade.

A carência de objetividade ou racionalidade objetiva não está presente apenas na aplicação do princípio da proporcionalidade, mas sempre que deva ser realizado um raciocínio jurídico para resolver questões normativas. Logo, essa carência também afeta os critérios alternativos ao princípio da proporcionalidade. Não há qualquer critério que ofereça um método algorítmico para a solução objetiva das controvérsias de direito fundamental285.

Dessa forma, de acordo com Carlos Bernal Pulido286, o problema não consiste em indagar se o princípio da proporcionalidade pode se sustentar em argumentações

282

BERNAL PULIDO, El principio de proporcionalidad y los derechos fundamentales, p. 189-190.

283

BERNAL PULIDO, El principio de proporcionalidad y los derechos fundamentales, p. 194.

284

NEUMANN, O princípio da proporcionalidade como princípio limitador da pena, p. 221.

285

BERNAL PULIDO, El principio de proporcionalidad y los derechos fundamentales, p. 171-172.

286

O autor Carlos Bernal Pulido, em sua obra “El principio de proporcionalidad y los derechos fundamentales”, é o autor que expõe e analisa, de forma mais detalhada e completa, todas as críticas apontadas ao princípio da proporcionalidade, motivo pelo qual a maioria dos argumentos favoráveis ao juízo da proporcionalidade citados nessa parte da pesquisa é de sua autoria.

normativas, e sim questionar se esse princípio alcança uma maior racionalidade relativa em comparação com a aplicação de outros critérios287.

E quando em comparação com outros critérios, o princípio da proporcionalidade é o que apresenta uma estrutura com maior claridade. A estrutura do princípio da proporcionalidade está livre de contradições, e quanto mais é utilizado pela doutrina e pelos Tribunais maior nitidez adquire, pois à medida que um conceito se volta ao uso comum as suas ambiguidades vão se reduzindo288.

O princípio da proporcionalidade deve ser entendido no quadro dos direitos fundamentais, ou seja, deve ser considerado ao lado de outros princípios também extraídos da natureza desses direitos, como o da concordância prática e o da proteção do núcleo essencial. Feito isso, o parâmetro da proporcionalidade será “especialmente útil para flagrar uma indevida intervenção do Estado em posições jurídicas protegidas e não pode ser manejado em sentido oposto, isto é, para justificar iniquidades”289

.

Ademais, o princípio da proporcionalidade possui sim um caráter predominantemente formal, mas essa sua estrutura deve ser vista como uma qualidade, e não como um defeito como apontado nas críticas. E isto porque nenhum critério material é totalmente idôneo para desempenhar a função do princípio da proporcionalidade, já que há uma pluralidade de ideologias existentes na sociedade e estas constantemente entram em colisões que não podem ser resolvidas senão por meio de critérios estruturais290.

No que se refere à incomensurabilidade do princípio da proporcionalidade em sentido estrito, conforme Carlos Bernal Pulido, a partir da observação das considerações de Alexander Aleinikoff, há dois caminhos para superá-la. Primeiro, mediante a construção de uma hierarquia estável e definitiva que abarque todos os direitos fundamentais e todos os bens constitucionais suscetíveis de entrar em conflito. Segundo, encontrando um denominador comum que torne possível que se efetue a comparação de desvantagens e vantagens que afetem os bens e os direitos relacionados com a medida interventiva291.

A primeira opção oferece poucas vantagens e apresenta muitas dificuldades, pois não é fácil estabelecer em abstrato uma ordem de hierarquia, bem como caso essa escala material fosse possível acabar-se-ia por dotar o princípio da proporcionalidade de tanta objetividade, o que conduziria à formação de uma jurisprudência mecânica. A segunda opção,

287

BERNAL PULIDO, El principio de proporcionalidad y los derechos fundamentales, p. 172.

288

BERNAL PULIDO, El principio de proporcionalidad y los derechos fundamentales, p. 181.

289

BARROS, O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais, p. 207.

290

BERNAL PULIDO, El principio de proporcionalidad y los derechos fundamentales, p. 182.

291

por sua vez, se mostra mais adequada, pois o procedimento argumentativo da proporcionalidade, formado pelos seus subprincípios, configura um conjunto de regras que se configuram como um denominador em comum para a ponderação292.

E quanto à crítica ao princípio da proporcionalidade fundada na alegação de que há a dificuldade de se estabelecer quais são bens ou direitos possíveis de configurarem um conflito constitucional, também deve ser rejeitada. Trata-se de uma dificuldade que não decorre do princípio da proporcionalidade, mas da pluralidade de valores que vigem em uma determinada sociedade e em um determinado ordenamento jurídico, e o princípio da proporcionalidade é justamente um dos instrumentos que podem auxiliar nessa valoração.

Com relação à objeção de que o princípio da proporcionalidade resulta em uma jurisprudência ad hoc quando aplicado pelos Tribunais, realmente esse princípio depende em um alto grau das circunstâncias do caso concreto. Mas a sua aplicação não faz com que a jurisprudência se transforme em um emaranhado de decisões particulares que não sejam suscetíveis de serem organizadas em um sistema coerente. As circunstâncias do caso concreto são relevantes em todo processo de interpretação e de aplicação das normas jurídicas. E o princípio da proporcionalidade permite observar com nitidez as apreciações empíricas em que se fundamenta a solução do caso e, dessa forma, torna possível criticar aquelas que não são consideradas corretas293.

Da mesma forma, também são inconsistentes as criticas baseadas nas alegações de que houve uma indevida transposição do principio da proporcionalidade do Direito Administrativo para o Direito Constitucional e para os demais ramos do direito. As diversas áreas de todos os ordenamentos jurídicos veem se conformando basicamente por meio da adaptação de conceitos provenientes de âmbitos fronteiriços, sendo tal processo bastante comum na história do Direito. E o trânsito do princípio da proporcionalidade do Direito Administrativo para o Direito Constitucional e para o Direito Penal é logicamente explicável, tendo em vista a existência de um elemento em comum nesses campos: a necessidade de controlar o exercício discricional do poder público294.

Assim, a despeito de certo subjetivismo ou irracionalidade, o princípio da proporcionalidade possui importante atuação no ordenamento jurídico. Nas palavras de Ulfrid Neumann, “o princípio da proporcionalidade, em que pese a suas deficiências estruturais, não

292

BERNAL PULIDO, El principio de proporcionalidad y los derechos fundamentales, p. 186-188.

293

BERNAL PULIDO, El principio de proporcionalidad y los derechos fundamentales, p. 197-198.

294

é um tigre sem dentes”295

. Os princípios jurídicos não são guilhotinas, mas argumentos que podem ser empregados a favor ou contra determinadas regulamentações jurídicas, e nesse sentido o princípio da proporcionalidade apresenta um modelo argumentativo eficiente. O argumento da desproporcionalidade de uma intervenção geralmente é um argumento vencedor, pois as alegações não são realizadas em um espaço lógico vazio, mas em discursos concretos, estabelecidos por meio de uma multiplicidade de premissas comuns296.

O princípio da proporcionalidade propicia argumentações e possibilidades de consenso que sem ele não estariam disponíveis. “Mesmos os céticos, provavelmente, não estariam preparados para simplesmente eliminá-lo do conjunto de normas constitucionais ou dos princípios gerais de direito”297

.

À objeção de que os princípios, como o da proporcionalidade, apresentam grande indeterminação, pode-se oferecer como resposta as seguintes palavras de Claus Roxin: “princípios jurídicos superiores não se deixam apreender em uma definição passível de subsunção, mas representam apenas um padrão orientador que deve ser concretizado na matéria jurídica” 298

.

Conclui-se, assim, que todas as objeções relatadas podem ser refutadas, ou ao menos amenizadas, sendo sim o princípio da proporcionalidade um importante instrumento de proteção dos direitos fundamentais, principalmente no Direito Penal que é uma das formas mais violentas de intervenção estatal. E, como todo instrumento jurídico, não se trata de um princípio totalmente perfeito, mas que deve ser aprimorado ao longo do seu uso pela doutrina e pelos Tribunais.

295

NEUMANN, O princípio da proporcionalidade como princípio limitador da pena, p. 229.

296

NEUMANN, O princípio da proporcionalidade como princípio limitador da pena, p. 227-228.

297

NEUMANN, O princípio da proporcionalidade como princípio limitador da pena, p. 228.

298

ROXIN, Claus. O conceito de bem jurídico crítico ao legislador em xeque. Trad. Alaor Leite. Revista dos Tribunais, v. 922, p. 291-322, agosto de 2012, p. 303.