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CAPÍTULO I BASE HISTÓRICA E CONSOLIDAÇÃO DA PROPORCIONALIDADE

3.1 Previsão constitucional

3.1.2 Direitos Fundamentais

3.1.2.2 Visão conflitista

A visão conflitista, por sua vez, admite a existência de conflito entre as normas de direitos fundamentais, bem como recorre ao uso da proporcionalidade para a determinação do conteúdo desses direitos e para a solução dos conflitos que possam surgir diante de um caso concreto. E, entre as posições que se enquadram nessa visão, pode-se citar, por exemplo, Robert Alexy, bem como os posicionamentos de Carlos Bernal Pulido e de Gloria Patrícia Lopera Mesa.

De acordo com a visão conflitista, as disposições fundamentais não possuem uma estrutura normativa única de regras. Os direitos fundamentais são vistos como estruturas normativas complexas, conjugando normas dotadas de validez prima facie (princípios) e de validez definitiva (regras)144.

Para Alexy, por exemplo, das disposições de direitos fundamentais são derivadas um jaz de posições e de normas jusfundamentais, às quais se atribui a denominação de “direito fundamental como um todo”. O “direito fundamental como um todo” se estrutura como um conjunto de posições e normas vinculadas interpretativamente a uma disposição de direito fundamental. E esse jaz que constitui o “direito fundamental como um todo” inclui tanto posições definitivas quanto posições prima facie. Assim, o direito fundamental como um todo é composto por distintas posições do cidadão e do Estado, e entre essas posições existem relações de precisão e relações de ponderação145-146.

E a visão conflitista está relacionada à teoria ampla do suporte fático. De acordo com essa teoria, definir o que é protegido por um direito fundamental é apenas um primeiro passo, e isso porque as condutas ou as situações abarcadas pelo âmbito de proteção de um direito fundamental ainda dependerão eventualmente de um sopesamento em situações

144

LOPERA MESA, Principio de proporcionalidad y ley penal, p. 135.

145

ALEXY, Teoría de los derechos fundamentales, p. 240-245.

146

A esse respeito, cabe trazer a diferenciação existente entre disposições, normas e posições de direito fundamental. As disposições de direito fundamental são os enunciados constitucionais que tipificam os direitos fundamentais. Ocorre que essas disposições, em sua grande maioria, apresentam um grau elevado de indeterminação normativa, de modo que de cada uma delas podem ser adstritas uma multiplicidade de normas de direito fundamental. As normas de direito fundamental são, assim, o conjunto de significados prescritivos das disposições de direito fundamental, isto é, são um conjunto de proposições que prescrevem o dever ser estabelecido pelas disposições fundamentais da Constituição. Por fim, as posições de direito fundamental são as relações jurídicas entre os indivíduos ou entre os indivíduos e o Estado (BERNAL PULIDO, El principio de proporcionalidad y los derechos fundamentales, p. 82-89).

concretas, antes de se decidir pela proteção definitiva ou não147. Esse conteúdo de proteção inicialmente definido conta apenas com validez prima facie, uma vez que da análise de um caso concreto poderão ser opostas razões à proteção desse direito148.

Além disso, também decorre da visão conflitista a teoria externa de limite dos direitos fundamentais. Segundo essa teoria, os direitos fundamentais são diferenciados das restrições que são a eles impostas. Inicialmente, há a existência de um direito ilimitado que, posteriormente, se transforma em um direito limitado em razão das restrições que lhe são cominadas.

Assim, o processo de interpretação e aplicação dos direitos fundamentais é bifásico. Na primeira fase, verifica-se se a situação concreta analisada se insere ou não no conteúdo do direito fundamental prima facie e se o direito prima facie foi restringido por limites externos impostos por outros direitos ou princípios constitucionais. Na segunda fase, deve-se sopesar o direito prima facie com direitos ou princípios constitucionais contrapostos, de modo a identificar o direito definitivo149.

Para Ingo Sarlet, a teoria externa é mais apta para a reconstrução das colisões de direitos fundamentais, uma vez que traz a necessidade de imposição de limites a tais direitos, de modo que possa ser assegurada a convivência harmônica entre seus respectivos titulares no âmbito da realidade social150.

Robert Alexy, por sua vez, afirma que a polêmica entre a teoria interna e a teoria externa não é apenas uma polêmica entre questões conceituais e problemas de construção. Segundo o autor, quem sustenta uma teoria individualista do Estado e da sociedade tende à teoria externa; já quem se interessa na posição de membro de uma comunidade tende à teoria interna151. E Alexy entende ser mais adequada a teoria externa por serem restringíveis os bens jusfundamentalmente protegidos (liberdades/situações/posições de direito ordinário) e as posições prima facie concedidas por princípios jusfundamentais152.

Por fim, somente com a adoção da visão conflitista dos direitos fundamentais é que se pode defender a aplicação da proporcionalidade na proteção desses direitos face às restrições impostas pelo Estado ou por outro particular. A proporcionalidade analisa a relação de um direito com os demais direitos e bens, e assim estabelece uma relação de preponderância entre todos eles.

147

SILVA, O conteúdo essencial dos direitos fundamentais e a eficácia das normas constitucionais, p. 34.

148

LOPERA MESA, Principio de proporcionalidad y ley penal, p. 136.

149

LOPERA MESA, Principio de proporcionalidad y ley penal, p. 137.

150

SARLET, A eficácia dos direitos fundamentais, p. 389.

151

ALEXY, Teoria de los derechos fundamentales, p. 269.

152

A proporcionalidade é vista como uma estrutura argumentativa que se propõe a articular o debate entre razões contra e a favor da restrição de um direito fundamental. A proporcionalidade permite apresentar e contrapor as razões que respaldam a enquadrar a posição objeto de controversa ao âmbito de proteção definitiva do direito invocado, bem como as razões que, pelo contrário, levam a considerar a sua exclusão do âmbito de proteção definitivo tendo como justificativa a proteção de outro bem ou direito que à luz das circunstâncias do caso tem um maior peso153.

Ademais, conforme Bernal Pulido, a proporcionalidade tem a função de estruturar o procedimento interpretativo para a determinação do conteúdo dos direitos fundamentais que resulta vinculante para o legislador, bem como a função de fundamentar dito conteúdo nas decisões a respeito da constitucionalidade das leis154.

Assim, o princípio da proporcionalidade atua como limite às intervenções nos direitos fundamentais. E, na busca da tutela desses direitos, na seara do Direito Penal o princípio da proporcionalidade intenta impedir a adoção de um intervencionismo que restrinja a liberdade do indivíduo mais além do necessário para a sua própria proteção e de outros indivíduos.