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CAPÍTULO I BASE HISTÓRICA E CONSOLIDAÇÃO DA PROPORCIONALIDADE

2.4 Proporcionalidade como princípio

A expressão mais utilizada na doutrina e na jurisprudência é “princípio da proporcionalidade”. Mas apontar o porquê de se classificar a proporcionalidade como um princípio e quais os autores que compartilham desse entendimento não tão simples. E isso porque há os problemas terminológicos que giram em torno da palavra “princípio” no âmbito do Direito, não havendo um consenso sobre o seu significado.

Tem-se o conceito de princípio como espécie de norma contraposta à regra jurídica, como ocorre na classificação de Robert Alexy e demais classificações mostradas no tópico anterior; mas também se tem o conceito de princípios como “mandamentos nucleares”92

. E a principal diferença entre ambas as propostas, segundo Virgilio Afonso da

89

ÁVILA, Teoria dos princípios, p. 163.

90

ÁVILA, A distinção entre regras e princípios e redefinição do dever de proporcionalidade, p. 04.

91

CORREIA, Belize Câmara. O controle de constitucionalidade dos tipos penais incriminadores à luz da proporcionalidade. Sergio Antonio Fabris Editor: Porto Alegre, 2009, p. 53.

92

Silva, é que o conceito de princípio na teoria de Alexy, por exemplo, não diz algo sobre a fundamentalidade da norma – assim, “um princípio pode ser um ‘mandamento nuclear do sistema’, mas pode também não o ser, já que uma norma é um princípio apenas em razão de sua estrutura normativa e não de sua fundamentalidade” 93

.

Na literatura jurídica brasileira é predominante a definição dos princípios como “disposições fundamentais”, ou seja, os princípios seriam normas fundamentais do nosso ordenamento jurídico, enquanto que as regras são normalmente vistas como concretização desses princípios, possuindo um caráter mais instrumental e menos fundamental94.

Tratam-se, assim, de conceitos bastante diferentes entre si, e que interferem no significado final que se atribui ao termo “princípio da proporcionalidade”.

E ao se falar na proporcionalidade como princípio o que se verifica são duas situações principais Por um lado, muitos autores se referem à proporcionalidade como princípio sem explicar o porquê dessa classificação em detrimento do status jurídico de regra ou postulado normativo95.

Por outro lado, têm-se os autores que esclarecem o motivo da denominação da proporcionalidade como um princípio. Entre eles, constata-se que a maioria defende esse entendimento com base no significado de princípio como “mandamento fundamental”.

Norberto J. De La Mata Barranco afirma que a despeito da confusão terminológica que atinge os princípios, no Direito Penal é usual caracterizar os princípios como linhas orientadoras, como fundamentos das normas jurídico-penais e como limites jurídicos. E é nesse contexto que se enquadra a proporcionalidade96.

A exigência de proporcionalidade da norma penal é um princípio com raiz constitucional, que possui um conteúdo definidor do que é o Direito Penal e limitador de qual deve ser o seu âmbito de atuação. A proporcionalidade deve ser entendida como um dos princípios básicos do Direito Penal, configurando e definindo, juntamente com o princípio da legalidade, a prática penal em um Estado Democrático de Direito, e marcando a superação do Direito Penal do Antigo Regime97.

93

SILVA, Princípios e regras, p.613.

94

SILVA, Princípios e regras, p.612.

95

Nesse sentido: Ulfrid Neumann fala na proporcionalidade como princípio normativo “que proíbe infligir ao indivíduo ônus que são, quanto aos objetivos perseguidos, em sentido instrumental, desnecessários e, sob aspectos normativos, inadequados” (NEUMANN, Ulfrid. O princípio da proporcionalidade como princípio limitador da pena. Trad. Antonio Martins. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n.71, p. 205- 232, março/abril 2008, p. 207).

96

MATA BARRANCO, Norberto J. de la. El principio de proporcionalidad penal. Valencia: Tirant lo Blanch, 2007, p.60.

97

Mariângela Gama de Magalhães Gomes, por sua vez, também fala na proporcionalidade como um princípio. A autora, todavia, entende que se trata de um princípio não só por ser uma das normas superiores do ordenamento jurídico, de nível constitucional, norteando toda a atividade penal, mas também por causa da sua estrutura caracterizada pela generalidade e pelo aspecto vago do que impõe (determina que a norma jurídica deve ser proporcional à situação de fato disciplinada)98.

Conforme essa autora, o atributo de princípio à proporcionalidade deriva de uma série de constatações. A proporcionalidade representa verdadeiro standard jurídico vinculante a todo o ordenamento. A proporcionalidade atua por meio de mandado de otimização, no sentido de que os seus subprincípios sejam atendidos e limitem as intervenções estatais no âmbito das esferas individuais. E, ainda, a proporcionalidade desempenha indispensável função no ordenamento jurídico ao orientar na construção dos tipos incriminadores, por meio de criteriosa seleção das condutas que merecem ou não merecem essa tutela diferenciada, e ao fundamentar a diferenciação nos tratamentos penais dispensados às diversas modalidades delitivas99.

Já Gonzalez-Cuellar Serrano sustenta que “o princípio da proporcionalidade é um princípio geral do Direito que, em sentido amplo, obriga o operador jurídico a tratar de alcançar o justo equilíbrio entre interesses em conflito”100

. Esse entendimento, contudo, é criticado por Carlos Bernal Pulido, afirmando que diversas são as características que diferenciam os princípios gerais do direito e o princípio da proporcionalidade. Entre elas, pode-se citar: os princípios gerais do direito estão dotados de uma vinculação jurídica autônoma, enquanto que a proporcionalidade é uma estrutura que carece de vida própria, estando sempre ligada a um substrato normativo; os princípios gerais do direito são utilizados para preencher as lacunas do ordenamento jurídico mediante autointegração, enquanto que a proporcionalidade não se aplica diante a carência de disposições jurídicas aplicáveis à situação de fato, mas sim para determinar as disposições de direito fundamental relevantes no caso101.

98

GOMES, O princípio da proporcionalidade no Direito Penal, p. 59.

99

GOMES, O princípio da proporcionalidade no Direito Penal, p. 59.

100

Tradução livre do original: “El principio de proporcionalidad es un principio general del Derecho que, en un sentido muy amplio, obliga al operador jurídico a tratar de alcanzar el justo equilibrio entre los intereses en conflicto” (GONZALEZ-CUELLAR SERRANO, Nicolas. Proporcionalidad y derechos fundamentales en el proceso penal. Trad. Vicente Gimeno Sendra. Madrid: Editorial Colex, 1990, p.17).

101

3 Previsão normativa da proporcionalidade

Para encerrar o presente capítulo, torna-se necessário ainda estudar a previsão da proporcionalidade nos textos normativos do ordenamento jurídico brasileiro. Para tanto, inicialmente efetuar-se-á um estudo constitucional da proporcionalidade, e posteriormente buscar-se-á identificar a presença da proporcionalidade dentro do Direito Penal, após o que será possível partir para a análise específica da proporcionalidade penal nos três capítulos que se seguem.