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CAPÍTULO II PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE NO DIREITO PENAL

3.3 Princípio da proporcionalidade e princípio da culpabilidade

O princípio da proporcionalidade e o princípio da culpabilidade atuam na legitimação e na identidade do Direito Penal. E grande é a controvérsia sobre a diferenciação desses princípios e sobre a possibilidade de substituição de um pelo o outro.

Mas não se deve confundi-los, já que consistem em princípios diferentes e que abarcam conteúdos diferenciados. O conceito de cada um deles incorpora uma série de juízos que não aparece no outro. E o que se verifica é que grande parte dos equívocos decorre da crise permanente de identidade que sofre o conceito de culpabilidade, havendo discrepância doutrinal sobre o seu conteúdo257.

Iniciando por uma análise geral da culpabilidade, é possível destacar três significados principais. O primeiro, de ordem formalista e garantista, traz a ideia de culpabilidade como princípio inerente ao jus puniendi, nulla poena sine culpa, de natureza

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BITTAR, Walter Barbosa; FIDELIS, Guilherme Faustino. Legislação ambiental e os princípios limitadores do poder punitivo estatal. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 895, p. 413-444, maio de 2010, p. 441.

254

SILVA, O proporcional e o razoável, p. 33.

255

MATA BARRANCO, El principio de proporcionalidad penal, p. 101.

256

MATA BARRANCO, El principio de proporcionalidad penal, p. 101.

257

principiológica e de âmbito constitucional. O segundo conceito apresenta a culpabilidade como elemento dogmático do delito, dependendo a sua estrutura de qual teoria dogmática jurídico-penal se adote, tendo como missão informar o porquê de estabelecer uma pena a uma conduta, limiar, portanto, entre a teoria do delito e da pena. E o terceiro conceito apresenta a culpabilidade enquanto termo de acepção processual, consistindo na garantia de que um sujeito apenas será considerado culpado com uma sentença penal condenatória transitada em julgado258.

É por meio do princípio da culpabilidade que se afere a possibilidade de culpar alguém por um fato que lesionou ou colocou em perigo um bem jurídico, e essa possibilidade não está relacionada com a gravidade ou não do delito.

De um modo geral, o princípio da culpabilidade veda a sanção por comportamentos alheios, por meras características psíquicas ou físicas, ou por comportamentos não domináveis pelo autor, ou em função de consequências dos mesmos imprevisíveis para o agente, ou de ilicitude incognoscível para o mesmo, ou decididos em uma situação psicológica ou circunstancial excepcional que impeça a formação normal de vontade259.

O princípio da culpabilidade não se relaciona com o dano do delito e nem pode ser um dano a evitar mediante o dano da pena. A culpabilidade é a possibilidade de imputar ao sujeito o injusto. E essa possibilidade pode se dar por completo, quando então todo o desvalor do injusto penal pode ser imputado ao sujeito, pode estar diminuída, quando então não se pode imputar totalmente o desvalor do injusto, ou pode faltar totalmente. A culpabilidade implica em uma reprovação ético-jurídica que só é justo dirigir a quem é culpável e na medida de sua culpabilidade. Não é que o princípio da culpabilidade obrigue a se renunciar à finalidade de proteção de bens-jurídicos penais, ainda que esta seja proporcionada, mas apenas proíbe que essa finalidade seja perseguida por meio da pena260.

O princípio da proporcionalidade, por sua vez, baseia-se na gravidade do injusto, para a sua atividade de controle das medidas interventivas. A gravidade do injusto refere-se ao dano que supõe para o bem jurídico protegido, e nesse sentido coincide com o dano que a pena implica para quem há de ser imposta. De acordo com Mir Puig, “ambos os danos podem e devem ponderar-se de modo que o dano representado pela pena não seja maior

258

MACHADO, Fábio Guedes de Paula. Culpabilidade no direito penal. São Paulo: QuartierLatin, 2009, p. 27-28.

259

LASCURAÍN SÁNCHEZ, La proporcionalidad de la norma penal, p. 247.

260

MIR PUIG, El principio de proporcionalidad como fundamento constitucional de límites materiales del Derecho Penal, p. 1381.

que o dos delitos que com ela se quer evitar”261. E é aqui que atua o princípio da proporcionalidade e a exigência do subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito de que a pena seja proporcional à gravidade do delito262.

No momento de sancionar, de restringir a liberdade para gerar mais liberdade, enquanto que o princípio da proporcionalidade vigia para que essa atividade não gere um desperdiço desnecessário de coação ou um mau negócio em termos de liberdade, o princípio da culpabilidade atua para garantir que o individuo não seja instrumentalizado para a obtenção de fins. O princípio da proporcionalidade atua na medida do castigo, e o princípio da culpabilidade, derivado da dignidade da pessoa humana, indica o que se pode castigar, que são os comportamentos normalmente dominados pela vontade e pelo conhecimento263.

É preciso mencionar que, com relação a esse aspecto de que a proporcionalidade há de atender de forma particular ao injusto do fato e suas graduações, Mata Barranco traz uma ressalva. Segundo o autor, não é que primeiro se deva analisar o princípio da proporcionalidade atendendo à gravidade do injusto e logo após se deva analisar se o fato é atribuível ao autor com base no princípio da culpabilidade. Mata Barranco entende que o princípio da proporcionalidade deve estar presente em ambos os juízos na hora de medir a pena a ser prevista ou a ser imposta, mas “sem se confundir com a análise da existência do fato, injusto, objetiva e subjetivamente, nem como a daqueles elementos que determinam a responsabilidade pessoal ou culpabilidade como categoria dogmática do delito”264.

Assim, por tudo isso, é errado o pensamento de que o princípio da culpabilidade está incluído no princípio da proporcionalidade. Para que isso fosse possível era preciso que toda medida contrária à culpabilidade fosse desproporcionada, e que o inverso também fosse verdade, o que não ocorre.

O princípio da culpabilidade é independente da lógica custo/benefício existente no princípio da proporcionalidade. O princípio da culpabilidade não pode ser vulnerado nem mesmo quando a finalidade de prevenção considere proporcionado o seu sacrifício. Isto é, a falta de culpabilidade não pode compensar-se em qualquer caso por necessidades

261

Tradução livre do original: “Ambos daños pueden y deben ponderarse de modo que el representado por la pena no sea mayor que el de los delitos que con ella se quieren evitar” (MIR PUIG, El principio de proporcionalidad como fundamento constitucional de límites materiales del Derecho Penal, p. 1382).

262

MIR PUIG, El principio de proporcionalidad como fundamento constitucional de limites materiales del Derecho Penal, p. 1382.

263

LASCURAÍN SÁNCHEZ, La proporcionalidad de la norma penal, p. 248-249.

264

Tradução livre do original: “(...) sin confundirse con el análisis de la existencia del hecho injusto, objetiva e subjetivamente, ni con la de aquellos elementos que determinan la responsabilidad personal o culpabilidad como categoría dogmática del delito” (MATA BARRANCO, El principio de proporcionalidad penal, p. 110).

preventivas265. O princípio da culpabilidade impede que a pena seja imposta a quem não merece, bem como que o fim de proteção seja perseguido por meio da pena, podendo ser aplicada medida de segurança, se for o caso.

Conforme Aguado Correa, “o grau do injusto e o da culpabilidade não tem porque coincidir, de forma que, em um fato de elevada gravidade, a culpabilidade pode ser escassa, e vice-versa”266. Assim, ambos os conceitos devem ser levados em consideração no momento de impor a pena, devendo o juiz se atentar tanto à gravidade do injusto quanto à culpabilidade concreta267.

E em hipótese nenhuma o princípio da proporcionalidade pode ser visto como um substituto do principio da culpabilidade. Nos anos sessenta surgiu na doutrina alemã a proposta de alguns autores, como Ellscheid e Hassemer, de substituir o princípio da culpabilidade pelo princípio da proporcionalidade. Mas essa proposta foi duramente criticada pelos autores, como por Kaufmann e por Roxin, uma vez que se com o princípio da proporcionalidade se pode limitar a magnitude da pena, por meio do mesmo não se pode fundamentar a punibilidade268.

Para Roxin, ao se mesclar dois critérios delimitadores diferentes, quais sejam, proporcionalidade e culpabilidade, unindo-os terminológica e substancialmente sob o denominador comum do “principio da proporcionalidade”, provoca-se uma enorme confusão. Expõe que “o critério limitador na ‘culpabilidade’ se vincula retrospectivamente a um fato antijurídico concreto e – se se admite, em princípio, a capacidade de atuar de outro modo – ao âmbito de liberdade subjetivo do delinquente existente no momento da execução do fato”269. Já “a ‘proporcionalidade’ das medidas se determina, ao contrário, prospectivamente,

265

MIR PUIG, El principio de proporcionalidad como fundamento constitucional de limites materiales del Derecho Penal, p. 1380-1381.

266

Tradução livre do original: “El grado del injusto y el de la culpabilidad no tienen por qué coincidir, de forma que en un hecho de elevada gravedad la culpabilidad puede ser escasa, y viceversa” (AGUADO CORREA, Análisis del contenido del principio de proporcionalidad en sentido amplio en Derecho Penal, p. 67).

267

AGUADO CORREA, Análisis del contenido del principio de proporcionalidad en sentido amplio en Derecho Penal, p. 67.

268

AGUADO CORREA, Análisis del contenido del principio de proporcionalidad en sentido amplio en Derecho Penal, p. 67.

269

Tradução livre do original: “El criterio limitador en la ‘culpabilidad’ se vincula retrospectivamente a un hecho antijurídico concreto y – si se admite, en principio, la capacidad de actuar de otro modo – al ámbito de libertad subjetivo del delincuente existente en el momento de la ejecución del hecho” (ROXIN, Claus. Culpabilidad y prevención en derecho penal. Trad. Francisco Muñoz Conde. Madrid: Instituto Editorial Reus S.A., 1981, p. 53).

atendendo exclusivamente ao perigo objetivo que se pode esperar do delinquente no futuro”270

.

Ulfrid Neumann entende que o princípio da proporcionalidade “está desarmado frente às penas cuja gravidade não é proporcional ao fato cometido, se elas aparecem como intervenções adequadas somente sob a perspectiva da proteção da sociedade”271

. Dessa forma, “ao substituir-se o princípio da culpabilidade pelo da proporcionalidade, arrisca-se que a pena privativa de liberdade se transforme numa espécie de medida de segurança de internação e, com isso, caia no remoinho das crescentes demandas sociais por segurança”272

.

E, ainda, de acordo com Tatjana Hörnle, o princípio da proporcionalidade não permite em todos os casos uma limitação eficaz dos interesses penais do Estado. No caso de um fim que se valore como especialmente importante, poderia se compatibilizar com o princípio da proporcionalidade a imposição de uma pena draconiana para evitar os futuros delitos, enquanto que a gravidade do delito objeto da condenação não a justificaria273.

Conclui-se, desse modo, que o princípio da proporcionalidade não engloba o princípio da culpabilidade, tratando-se de dois princípios diversos e que não podem ser confundidos. Ambos são relevantes na legitimação e na limitação do Direito Penal, atuando o princípio da proporcionalidade na medida da resposta penal e o princípio da culpabilidade na determinação de quem se pode punir.

4 Críticas ao princípio da proporcionalidade

Para terminar a análise do conceito e da estrutura do principio da proporcionalidade, e adentrar especificadamente nos âmbitos e na forma de sua aplicação no Direito Penal, é preciso ainda reconhecer que esse princípio não é isento de objeções.

Embora o juízo da proporcionalidade seja amplamente citado pela doutrina e por diversas vezes utilizado pelos Tribunais como forma de controle das medidas restritivas nos direitos fundamentais, há autores que recusam a sua aplicação, apontando diversas criticas à sua estrutura e forma de atuação.

270

Tradução livre do original: “La ‘proporcionalidad’ de las medidas se determina, por el contrario, prospectivamente, atendiendo exclusivamente al peligro objetivo que puede esperarse del delincuente en el futuro” (ROXIN, Culpabilidad y prevención en derecho penal, p. 53).

271

NEUMANN, O princípio da proporcionalidade como princípio limitador da pena, p. 221.

272

NEUMANN, O princípio da proporcionalidade como princípio limitador da pena, p. 221.

273

HÖRNLE, Tatjana. La concepción anticuada de la culpabilidad en la jurisprudencia y doctrina tradicionales de la medición de la pena. Anuario de Derecho Penal y Ciencias Penales, Tombo LIV, MMI, Madrid, p. 401- 430, 2001, p. 407.