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5. PRINCÍPIOS DO DIREITO DE FAMÍLIA

5.1 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

No Brasil e em todos os países, o princípio em comento tem sido foco de grandes discussões por parte dos doutrinadores e juristas. O princípio da dignidade da pessoa humana está expresso no artigo 1.°, III da CF/88, sendo considerado o núcleo essencial dos direitos fundamentais e base para o Estado Democrático de Direito e de todo o ordenamento jurídico pátrio, tal como se pode verificar:

Art.1.º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I – a soberania; II – a cidadania; III – a dignidade da pessoa humana.

Retomando a questão para o âmbito familiar, tem-se que o Direito das Famílias é estritamente relacionado como os direitos humanos, o qual tem como primazia a proteção da dignidade humana.

A dignidade humana é tida pela Constituição como o mais importante dos seus princípios, sendo elevado à categoria de um macroprincípio jurídico, deste modo, impedir o exercício deste direito pelos componentes familiares significa desrespeitar as diferenças, as subjetividades e as escolhas pessoais dos indivíduos, além de ir de encontro como as normas constitucionais que lhes asseguram.

A atribuição da dignidade humana à categoria de princípio constitucional é fruto de uma conquista histórica, em que diante da importância dos valores por ele defendidos revelou-se imprescindível incluí-lo entre os princípios do Estado.

Acerca da dignidade humana, a autora Maria Berenice esclarece:

Trata-se de direito fundamental que se calça nos princípios da igualdade e da liberdade, além de servir de mola propulsora à intangibilidade da vida humana, à integridade física e psíquica, às condições básicas matérias

mínimas para garantir o tão almejado acesso à felicidade116.

Como visto, para a autora, a razão do Estado se preocupar com a família justifica-se no fato de entender que é por intermédio desta que os membros familiares podem exercer sua dignidade.

Reforçando a importância da dignidade humana, a autora Roxana Cardoso Brasileiro Borges ressalta:

É a própria pessoa, tendo a materialização do patrimônio mínimo, quem definirá em que consiste sua dignidade e quais são os atos que possam agredi-la. Não são o Estado nem o direito os entes capazes de estabelecer o

conteúdo do conceito de dignidade da pessoa humana.117

Nos dias atuais, a dignidade da pessoa humana deve ser compreendida como sendo um valor subjetivo, faculdade de se autodeterminar conforme a valoração que cada indivíduo tem sobre si mesmo, deste modo não cabe o Estado, o ordenamento e nem mesmo pessoas

116

DIAS, Maria Berenice, 2009, p.149-150.

117

BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Direitos de personalidade e autonomia privada. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p.144.

pautadas em valores morais conservadores determinarem o sentido da dignidade, sob afronta de se negar a possibilidade do indivíduo exercer sua autonomia privada e conseguir sua realização pessoal. Deste modo, o ponto de partida para o entendimento do princípio da dignidade humana tem como fundamento a valorização de valores éticos em detrimento de valores morais.

Rodrigo da Cunha Pereira ressalta que o juízo moralista sempre está atrelado à formalidade e aos ditames legais, enquanto que o juízo ético escolhe o justo, e se serve dos princípios para encontrar a solução mais justa e adequada para as situações concretas.118

O princípio da dignidade humana é comumente passível de relativizações por parte das pessoas, fato que é justificado por este princípio possuir além do conteúdo normativo, um conteúdo valorativo que dá ensejo a múltiplas interpretações subjetivas.

Merece atenção a manifestação de indignação proferida pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal Dias Toffoli acerca do uso abusivo e banalização do princípio da dignidade humana:

(...) Tenho refletido bastante sobre essa questão, e considero haver certo abuso retórico em sua invocação nas decisões pretorianas, o que influencia certa doutrina, especialmente de Direito Privado, transformando a conspícua

dignidade humana, (...), em verdadeira panacéia de todos os males.119

Ocorre que, o princípio da dignidade humana não pode ser um instrumento a ser utilizado desmedidamente à serviço das pessoas para se defender de toda e qualquer forma de desrespeito sofrido por estas, sob pena de banalização e enfraquecimento do referido princípio.

118

CUNHA PEREIRA, 2012, p.110.

119

5.1.1 A dignidade humana e a autonomia privada

Aliado a isso, as mudanças sociais e conseqüentemente, a nova hermenêutica constitucional alertam para que se volte mais atenção para os valores personalísticos trazidos com a CF/88 em detrimento dos valores patrimonialistas e conservadores do antigo Código Civil de 1916.

No entendimento de Rodrigo da Cunha Pereira, uma sociedade que pretende ser justa e democrática não pode em nenhum momento se afastar de considerar a liberdade e a autonomia privada dos indivíduos, o que implica dizer que o não reconhecimento dos novos tipos de famílias constitui um desrespeito aos Direitos Humanos, e conseqüentemente, à dignidade da pessoa humana, haja vista que o Direito familiar só estará condizente com os valores defendidos pela dignidade humana e com os Direitos Humanos quando esses novos relacionamentos familiares não se encontrarem à margem da sociedade e do reconhecimento jurídico.120

Deste modo, a importância do princípio da dignidade humana para o Direito de Família está na defesa da autonomia privada e da liberdade dos indivíduos, o que consiste em dispensar o mesmo tratamento digno a todas as novas conformações familiares.

Não se pode esquecer que a autonomia privada constitui-se em importante elemento da dignidade, o que implica dizer que sem o exercício da autonomia pelo indivíduo não se tem dignidade.

A autonomia privada constitui-se no poder conferido a pessoa permeando a esta regular, com efeitos jurídicos suas relações, tendo o respaldo do sistema jurídico.121

Deve-se ressaltar que a autonomia privada não deve ficar adstrita a questões patrimoniais, pois abarca também situações subjetivas existenciais, a exemplo dos problemas envolvendo os direitos de personalidade.

120

CUNHA PEREIRA, Rodrigo da, 2012, p.120.

121

BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Reconstrução do conceito de contrato: do clássico ao atual. In: HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes; TARTUCE, Flávio. Direito contratual: temas atuais. São Paulo: Método, 2007, p.29.

Acredita Elimar Szaniawski que em havendo conflito entre os direitos de personalidade e o exercício da autonomia privada, deve-se utilizar o princípio da proporcionalidade para melhor solucionar a situação do caso concreto.122

Entretanto, a aplicação do princípio da proporcionalidade exige muita cautela, pois este princípio confere ao magistrado certa carga de subjetividade, fato que pode dificultar o exercício da autonomia privada, e conseqüentemente o respeito à dignidade e personalidade humana.

Ademais, a relatividade atribuída aos valores constantes na sociedade é a causa das controvérsias e dos constantes conflitos entre os princípios jurídicos. A relatividade surge por conta dos inúmeros entendimentos ideológicos, morais, políticos ou econômicos, e sobretudo, das circunstâncias vivenciadas por cada pessoa, as quais, determinam o desenvolvimento psíquico do indivíduo, o qual é fruto de sua estrutura familiar.123