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5. PRINCÍPIOS DO DIREITO DE FAMÍLIA

5.2 PRINCÍPIO DA LIBERDADE

Inicialmente, se deve registrar que o conceito de liberdade está relacionado com o poder atribuído as pessoas para decidir, e escolher entre diversas opções constantes de sua vida.

Mas, não se pode esquecer que de nada adianta poder escolher acerca dos rumos constantes da vida, sem lhe ser ofertado subsídios e condições objetivas para que estas escolhas possam sair do campo da garantia para a verdadeira realização. Deste modo, a atuação do Poder público deve ser no sentido de permear que as pessoas livremente possam decidir a respeito da sua personalidade, das suas escolhas afetivas e sexuais, das questões existenciais, enfim, cabe ao Estado propiciar que a dignidade humana possa ser cumprida por intermédio da concretização do direito à liberdade.

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SZANIAWSKI, Elimar. Direitos de personalidade e sua tutela. São Paulo: RT, 1993, p.114.

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Ao analisar o que denomina de “Paradigma do Estado Social do Direito”, Mônica Neves Aguiar da Silva Castro revela o seu entendimento acerca do ideal respeito ao direito à liberdade:

A teoria dos direitos fundamentais do Estado Social de Direito tem seu ponto de partida na liberal burguesia, mas não concebe o homem como sujeito isolado (indivíduo-livre) senão como membro ativo de uma sociedade plural na qual todos são igualmente livres. (...) Não basta, entretanto, a liberdade formal. Busca-se assegurar a todos o gozo efetivo da liberdade em condições de igualdade. A liberdade, pois, não é tida somente como atributo jurídico formal, senão que se busca a liberdade real, isto é, a possibilidade material de todos os cidadãos gozarem efetivamente, do mesmo grau de liberdade, em

condições de igualdade.124

Como visto, embora tenha se originado das garantias de liberdades dos valores burgueses, na qual o Estado funcionava como protetor dos direitos dos burgueses, os direitos fundamentais, tal como, o direito à liberdade, para fiel atendimentos dos atuais anseios sociais devem respeitar o homem como sendo este um sujeito de direito ativo e integrante de uma sociedade plural, e que necessita exercer sua liberdade.

A concepção do sujeito de direito delineada pelos valores burgueses, na qual se centrava na fidelidade e heterossexualidade como exigências a ser cumpridas pelos indivíduos na função de procriação e de continuação do patrimônio da família, não mais satisfaz a realidade plural do Estado Democrático de Direito. Neste contexto, todos os indivíduos, independentemente de serem homossexual ou heterossexual devem ser igualmente protegidos pelo Estado.

Em sendo assim, a concepção de igualdade condizente com as exigências do Estado Social do Direito não satisfaz ser de ordem puramente formal (perante a lei)125, devendo ser conferida também a possibilidade de exercício efetivo da liberdade, o que significa, assegurar

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CASTRO, 2002, p.86-87.

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Acerca da utilização dos critérios formal e material do direito à igualdade, bastante esclarecedoras as palavras de Belmiro Vivaldo Santana Fernandes, que assim explica: “Em linhas gerais, a igualdade formal ou igualdade perante a lei refere-se à aplicação irrestrita do direito, em que as características pessoais dos destinatários das normas jurídicas não são levadas em consideração para um abrandamento normativo. Por outro turno, a igualdade material ou igualdade na lei exige que o aplicador avalie as condições pessoais dos sujeitos de direito envolvidos na relação jurídica, pois poderão necessitar de ajustes vindos do aplicador, através da utilização da isonomia.” FERNANDES, Belmiro Vivaldo Santana. O dano moral por discriminação à pessoa em

decorrência de orientação sexual. 2006. 137f. Dissertação (Mestrado em Direito Privado e Econômico) –

a todas as pessoas um igual tratamento digno, pois só desta maneira os integrantes das novas entidades familiares poderão ter respeitado o direito as suas liberdades.

A despeito do desrespeito à igualdade formal, Belmiro Vivaldo Santana Fernandes faz a seguinte ressalva:

A concretização do imperativo jurídico da igualdade formal é desafiada por uma realidade de discriminações em virtude da orientação sexual, sendo necessário, para que seja implementada, a utilização de critérios expressos de proibição a supostas diferenças. Por esses motivos, a igualdade perante a lei só alcançará a universalidade mediante a ruptura do modelo abstrato de

que o sujeito de direito é aquele que possui uma orientação heterossexual.126

As inúmeras discriminações por orientação sexual só vem a comprovar o flagrante desrespeito ao consagrado princípio constitucional da igualdade, o que gera a necessidade de atuação imediata do Poder legislativo no sentido de prever normativamente a situação das novas entidades familiares para que assim possam os integrantes destas famílias obter segurança jurídica para o pleno exercício dos seus direitos.

E respeitar o princípio da liberdade dos integrantes das novas famílias significa também proteger a manifestação da autonomia privada destes, significa assim, admitir escolhas sexuais dissonantes do modelo admitido de orientação heterossexual, pelo fato da liberdade ser decorrente do exercício da autonomia privada dos indivíduos. Partindo desta premissa, a inadmissibilidade do reconhecimento das uniões homoafetivas como sendo entidades familiares, além de desrespeitar o princípio da liberdade, ao retirar a possibilidade das pessoas livremente escolher suas formas familiares, constitui também uma afronta à autonomia privada e dignidade da pessoa humana.

5.3 PRINCÍPIO DA NÃO-DISCRIMINAÇÃO

A discriminação é a dispensa de tratamento injusto a certos indivíduos ou grupos que são alvos de preconceitos sociais, sendo tal tratamento injusto podendo se manifestar de diversas

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maneiras e locais, tais como, em locais públicos, locais de trabalho, escolas, e na própria família pelos familiares.

Em seu livro intitulado Homossexualidade: Mitos e verdades, Luiz Mott, professor da Faculdade de Ciências Sociais e Filosofia da Universidade Federal da Bahia (UFBA) faz uma análise a respeito da discriminação decorrente da orientação sexual no Brasil, e pôde observar que as ações mais freqüentes contra homossexuais foram as seguintes: a) ameaças; b) tortura e agressões; c) insultos; d) discriminação e difamação em meios eletrônicos; e) violência contra gays, lésbicas e travestis; f) discriminação em órgãos públicos; g) discriminação religiosa, escolar e científica, e familiar; h) discriminação em locais de trabalho, com relação a manifestação de liberdade de ir e vir, além de desrespeito ao direito à privacidade.127

A partir da compreensão de que a livre manifestação das escolhas sexuais representa um elemento indispensável para o desenvolvimento dos direitos de personalidade e concretização da dignidade da pessoa humana, não se pode permitir que a ingerência estatal indevida seja um obstáculo ao reconhecimento de uma sociedade plural e da extinção das formas de discriminação, indispensáveis aos anseios do atual Estado Democrático de Direito.

A despeito das significativas conquistas aos direitos dos homossexuais nos últimos anos, é sabido que o reconhecimento de uma sociedade plural ainda não se revela integralmente concretizado. Prova disto é a fácil constatação de que as várias formas de discriminação por orientação sexual salientadas pelo professor Luiz Mott ainda persistem latentes na sociedade brasileira.

Belmiro Vivaldo Santana Fernandes alerta para o fato de que o malefício ocasionado pela discriminação por orientação sexual não se restringe exclusivamente a um individuo, mas seus danos prejudicam toda a sociedade, devendo estes danos serem severamente punidos, em virtude do interesse social que comportam.128

A expressa previsão do art. 3º da CF/88 que proíbe a discriminação por orientação sexual, e a progressiva aplicação e reconhecimento no ordenamento jurídico de instrumentos que visam assegurar a reparação dos danos morais decorrentes da insurgência deste direito, não deixa margem para que sentimentos como a intolerância e o preconceito persistam numa

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MOTT, Luiz. Homossexualidade: mitos e verdades. Salvador: Editora Grupo Gay da Bahia, 2003, p.82.

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sociedade que se afirma como sendo democrática. Deste modo, o respeito a não- discriminação por motivo de orientação se apresenta como um imperativo para que o princípio da dignidade da pessoa humana seja concretizado.