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7. ANÁLISE DA JURISPRUDÊNCIA PÁTRIA ACERCA DAS NOVAS ENTIDADES

7.4 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

A primeira decisão a ser analisada do STJ é constante do pronunciamento do Min. Luis Felipe Salomão:

SOCIEDADE DE FATO. HOMOSSEXUAIS. PARTILHA DO BEM COMUM. O parceiro tem o direito de receber a metade do patrimônio adquirido pelo esforço comum, reconhecida a existência de sociedade de fato com os requisitos previstos no art.1363 do C. Civil. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. ASSISTÊNCIA AO DOENTE COM AIDS. Improcedência da pretensão de receber do pai do parceiro que morreu com Aids a indenização pelo dano moral de ter suportado sozinho os encargos que resultaram da doença. Dano que resultou da opção de vida assumida pelo autor e não omissão do parente, faltando o nexo de causalidade. Art. 159 do Código Civil. Ação possessória julgada improcedente. Demais

questões prejudicadas. Recurso conhecido em parte e provido.204

A interpretação jurisprudencial que considerou a união homossexual como sociedade de fato e não como união estável, se mostrou bastante injusta com o cônjuge sobrevivente, na medida que foi lhe foi dado direito à apenas metade do patrimônio que amealhou durante a sua convivência com o ex-parceiro. Tal decisão, além de injusta concorre para enriquecimento ilícito, pois confere direitos a parentes do de cujus, que muitas vezes, se distanciaram do mesmo em virtude de sua orientação sexual. Já com relação à assistência ao doente com Aids, a decisões se mostrou bastante arrazoada ao entender pela falta do nexo de causalidade, pois tal situação se deu por conta da opção de vida do parceiro.

Acerca da competência para julgar o relacionamento homossexual, O Min. Barros Monteiro decidiu:

COMPETÊNCIA. RELAÇÃO HOMOSSEXUAL. AÇÃO DE

DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE DE FATO, CUMULADA COM DIVISÃO DE PATRIMÔNIO. INEXISTÊNCIA DE DISCUSSÃO ACERCA DE DIREITOS ORIUNDOS DO DIREITO DE FAMÍLIA. COMPETÊNCIA DA VARA CÍVEL. Tratando-se de pedido de cunho exclusivamente patrimonial e, portanto, relativo ao direito obrigacional tão

204

somente, a competência para processá-lo e julgá-lo é de uma das Varas

Cíveis. Recurso especial conhecido e provido.205

No ano de 2004, os relacionamentos homossexuais ainda eram relacionados à sociedade de fato, e portanto, entendidos como sendo questões de cunho eminente obrigacional, situação esta que prejudicava e contribuía para a demora do reconhecimento das uniões homossexuais como entidades familiares, e por conseguinte, da não atribuição da vara de Família como sendo competente para tratar dos assuntos relacionados aos direitos dos homossexuais.

A despeito da antiga consideração da união homossexual como sendo sociedade de fato:

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE DE FATO. HOMOSSEXUAIS. HOMOLOGAÇÃO DE ACORDO. COMPETÊNCIA. VARA CÍVEL. EXISTÊNCIA DE FILHO DE UMA DAS PARTES. GUARDA E RESPONSABILIDADE. IRRELEVÂNCIA. 1. A primeira condição que se impõe à existência da união estável é a dualidade de sexos. A união entre homossexuais juridicamente não existe nem pelo casamento, nem pela união estável, mas pode configurar sociedade de fato, cuja dissolução assume contornos econômicos, resultantes da divisão do patrimônio comum, com incidência do Direito das Obrigações. 2. A existência de filho de uma das integrantes da sociedade amigavelmente dissolvida, não desloca o eixo do problema para o âmbito do Direito de Família, uma vez que a guarda e responsabilidade pelo menor permanece com a mãe, constante do registro, anotando o termo de acordo apenas que, na sua falta, à outra caberá aquele munus, sem questionamento por parte dos familiares. 3. Neste caso, porque não violados os dispositivos invocados – arts. 1.º e 9.º da Lei 9.278 de 1996, a homologação está afeta à vara cível e não à vara de família. 4. Recurso

especial não conhecido.206

Mais uma vez, é trazida a baila uma decisão que se mostra bastante descontextualizada com a realidade plural atual, pois além de ainda relacionar a união homossexual como sendo esta sociedade de fato, entendendo que a competência de apreciação da ação é da vara cível e não da de Família, a decisão está evidentemente desatualizada diante do reconhecimento da união homoafetiva como sendo esta espécie de entidade familiar.

205

STJ, REsp 323.370/RS, 4ª Turma, Rel. Min. Barros Monteiro, j. em 14-12-2004.

206

Mais condizente com a realidade plural familiar da sociedade, se mostra o entendimento do

Min. Humberto Gomes de Barros:

PROCESSO CIVIL E CIVIL – PREQUESTIONAMENTO – AUSÊNCIA – SÚMULA 282/STF – UNIÃO HOMOAFETIVA – INSCRIÇÃO DE

PARCEIRO EM PLANO DE ASSISTÊNCIA MÉDICA –

POSSIBILIDADE – DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO-

CONFIGURADA. Se o dispositivo legal supostamente violado não foi discutido na formação do acórdão, não se conhece do recurso especial, à míngua de prequestionamento. A relação homoafetiva gera direitos e, analogicamente à união estável, permite a inclusão do companheiro dependente em plano de assistência médica. – O homossexual não é cidadão de segunda categoria. A opção ou condição sexual não diminui direitos e, muito menos, a dignidade da pessoa humana. – Para configuração da divergência jurisprudencial é necessário confronto analítico, para evidenciar semelhança e simetria entre os arestos confrontados. Simples transcrição de

ementas não basta.207

Como se percebe, o entendimento do Min.Humberto Gomes de Barro já denota a defesa dos direitos dos casais homoafetivos, na medida que permite expressamente que seja concedida a inclusão do companheiro em plano de assistência médica. É evidenciado que o teor desta jurisprudência preza pela dignidade humana, ou seja respeito pela pessoa humana como uma de suas principais preocupações, pois ao defender os direitos dos casais homossexuais, não permite que seja dispensado a estes tratamento indigno e discrimatório.

Em defesa da paternidade socioafetiva, o Min. Luis Felipe Salomão afirma:

O que deve balizar o conceito de família é, sobretudo, o princípio da afetividade, que fundamenta o direito de família na estabilidade das relações socioafetivas e na comunhão de vida, com primazia sobre as considerações

de caráter patrimonial ou biológico.208

A paternidade socioafetiva consagra que para que um filho verdadeiramente seja considerado filho, a verdade biológica é insuficiente, assim sendo, se mostra importante a interpretação principiológica, notoriamente do princípio da afetividade, que é o instrumento principal do reconhecimento jurídico da paternidade socioafetiva.

O Min. Luiz Felipe Salomão, assim se manifestou:

207

STJ, REsp 238.715/RN, 3.ª Turma, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. em 19-05-2005.

208

(...) A matéria relativa à possibilidade de adoção de menores por casais homossexuais vincula-se obrigatoriamente à necessidade de verificar qual é a melhor solução a ser dada para a proteção dos direitos das crianças, pois são questões indissociáveis entre si. Os diversos e respeitados estudos especializados sobre o tema, fundados em fortes bases científicas (realizados na Universidade de Virgínia, na Universidade de Valência, na Academia Americana de Pedriatria), ‘não indicam qualquer incoveniente em que crianças sejam adotadas por casais homossexuais, mais importando a qualidade do vínculo e do afeto que permeia o meio familiar em que serão

inseridas e que as liga a seus cuidadores.209

O critério a ser levado em conta quando da verificação da possibilidade jurídica de adoção por casais homossexuais não deve ser a orientação sexual dos adotantes, sob pena de se incorrer em flagrante discriminação. O critério a preponderar nesta situação é o melhor interesse da criança, o que consiste deferir a adoção quando esta apresentar reais vantagens para o adotando e estiver alicerçada em motivos legítimos.210

Acerca do respeito à autonomia privada no âmbito familiar foi proferido o seguinte pelo Rel. Min. Massami Uyeda:

Os arranjos familiares, concernentes à intimidade e à vida privada do casal, não deve ser esquadrinhados pelo Direito, em hipóteses não contempladas pelas exceções legais, o que violaria direitos fundamentais enfeixados no art.5º, inc.X, da CF/88 – o direito à reserva da intimidade assim como o da vida privada -, no intuito de impedir que se torne de conhecimento geral a esfera mais interna, de âmbito intangível da liberdade humana, nesta

delicada área de manifestação existencial do ser humano.211

Apesar de interesse coletivo, a ensejar atuação do Poder Público nas questões atinentes ao Direito de Família, a tutela protetiva que compete ao Estado não justifica a ingerência indevida deste órgão da vida íntima, privada e mesmo, na livre manifestação de vontade das pessoas no tocante as suas escolhas sexuais. Ademais, a atuação protetiva estatal de

209

STJ, REsp 889.852/RS, rel. Min. Luís Felipe Salomão, 4ª Turma, publ. Em 10-8-2010.

210

Na mesma intelecção, Enézio de Deus Silva Júnior assevera: “Na verdade, constituir um ambiente familiar adequado – emocional e materialmente equilibrado -, que proporcione reais vantagens, benefícios efetivos aos adotandos e vindo-lhes ao melhor interesse, não é prerrogativa somente de heterossexuais ou de relação afetiva entre homem e mulher, mas de seres humanos realmente motivados, preparados para a maternidade/paternidade. (A possibilidade jurídica de adoção por casais homossexuais. 4.ed. Curitiba: Juruá, 2010, p.114.).

211

fiscalização e controle da família, não pode se transformar numa interferência demasiada na vida das pessoas, a ponto de tolher o exercício da autonomia privada e escolhas pessoais que integram seu projeto de acesso a uma vida digna e feliz.

Acerca da proteção da família unipessoal, o Min. Mauro Campbell Marques afirma:

(...) O estado civil de solteira não afasta o reconhecimento da impenhorabilidade do bem de família prevista no art.1º da Lei n.8.009/90, conforme orientação cristalizada na Súmula n. 364 desta Corte, in verbis: O conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange também o imóvel

pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas.212

Ao extender a proteção do bem de família a pessoas solteiras, separadas e viúvas resta configurado que o Superior Tribunal de Justiça considerou tais famílias compostas por pessoas singles213 como sendo família.

212

STJ, REsp 772.829/RS, rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2.ª Turma, publ. em 10-2-2011.

213

A despeito da família unipessoal ou single, Rodrigo da Cunha Pereira faz uma brilhante explicação: “Não pode passar despercebida ao ordenamento jurídico a enorme propalação de indivíduos que optam ou são levados a viverem sozinhos, deslocados fisicamente dos demais entes a ele ligados por consangüinidade ou afetividade. São solteiros por convicção, viúvos ou separados/divorciados sem filhos, ou os que já constituíram outras famílias, celibatários etc. A característica principal dos singles não é morar sozinho, pois há muito casais, sem filhos, que vivem cada um em uma casa. A característica principal dos singles é não estarem vinculados maritalmente”. (Princípios fundamentais norteadores do direito de família. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p.120.).