• Nenhum resultado encontrado

Princípio da fungibilidade

No documento MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO 2012 (páginas 43-50)

I. TEORIA GERAL DOS RECURSOS TRABALHISTAS

3. PRINCÍPIOS RECURSAIS TRABALHISTAS

3.6. Princípio da fungibilidade

O princípio da fungibilidade recursal consiste, basicamente, na interposição de um recurso por outro, desde que presentes certos requisitos.

Referido princípio não encontra previsão expressa no atual Código de Processo Civil e tampouco na Consolidação das Leis do Trabalho, a despeito de a doutrina e jurisprudência o admitir expressamente. Havia previsão legal no antigo Código de Processo Civil de 1939, cujo artigo 810 estabelecia que:

“salvo a hipótese de má-fé ou erro grosseiro, a parte não será prejudicada pela interposição de um recurso por outro,

devendo os autos ser enviados à Câmara ou turma, a que competir o julgamento”.

Explicam os doutos que o princípio da fungibilidade só não foi reproduzido pelo digesto processual em vigor em face da simplificação do sistema dos recursos por ele adotado, entendendo-se que o código vigente na sistemática recursal não continha falhas. Segundo tal concepção, o atual sistema recursal brasileiro é simplificado se comparado ao Código de Processo Civil de 1939, que, possuindo um intrincado sistema recursal, dificultava a descoberta do recurso adequado.39

Entretanto, a crença de um aparente sistema recursal simplificado pelo Código de Processo Civil de 1973 não impediu que dúvidas razoáveis aparecessem acerca do recurso adequado a ser interposto em determinado caso concreto, o que fez com que a doutrina e a jurisprudência recepcionassem o referido princípio.

Ademais, nosso ordenamento jurídico adotou o princípio da instrumentalidade das formas procedimentais, a teor do disposto no artigo 244 do diploma processual civil. Nosso ordenamento também dispõe que não se pronunciará a nulidade se não houver prejuízo (CLT, art. 794). O aproveitamento dos atos processuais também encontra guarida no artigo 154,

caput e artigo 250 do Código de Processo Civil.40 Por fim, importante inserir

39 BEBBER, Júlio César, op. cit., p. 240.

40 Art. 154, caput, do CPC: Os atos e termos processuais não dependem de forma determinada

senão quando a lei expressamente a exigir, reputando-se válidos os que, realizados de outro modo, lhe preencham a finalidade essencial. Art. 250, do CPC: O erro de forma do processo acarreta unicamente a anulação dos atos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem necessários, a fim de se observarem, quanto possível, as prescrições legais. Parágrafo único: Dar-se-á o aproveitamento dos atos praticados, desde que não resulte prejuízo à defesa.

nesse rol legislativo a menção ao artigo 579 do Código de Processo Penal41, que pode ser aplicado subsidiariamente ao Processo Civil (art. 126, CPC), como também ao Processo do Trabalho (cf. arts. 8º e 769, CLT).42

A doutrina e a jurisprudência orientam-se no sentido de adotar o princípio da fungibilidade, não, porém, sem a observância de certos condutores, que são: (1) a existência de dúvida objetiva sobre qual o recurso a ser interposto; (2) a inexistência de erro grosseiro; e que (3) o recurso erroneamente interposto tenha sido cogitado dentro do prazo legalmente previsto para o recurso cabível.43

No processo do trabalho, a parte recorrente não será prejudicada pela interposição errônea de um recurso por outro, em virtude do princípio da fungibilidade. Desde que presentes os pressupostos de admissibilidade do recurso cabível, deve ser recebido o apelo erroneamente denominado.44

A dúvida objetiva restará caracterizada quando houver divergência doutrinária e/ou na jurisprudência acerca do recurso cabível. Admite a doutrina que a dúvida objetiva também estará caracterizada quando a própria legislação induzir a parte a cometimento de equívoco na interposição

41 Art. 579 do CPP: Salvo a hipótese de má-fé, a parte não será prejudicada pela interposição

de um recurso por outro. Parágrafo único: Se o juiz, desde logo, reconhecer a impropriedade do recurso interposto pela parte, mandará processá-lo de acordo com o rito do recurso cabível.

42 LINDOSO, Alexandre Simões. Técnica dos recursos trabalhistas extraordinários. São Paulo:

LTr, 2010. p. 71.

43 Obviamente, devem-se adotar os pressupostos de admissibilidade do recurso cabível. 44 TST, Acórdão n. 20120213138. Rel. Márcio Mendes Granconato. Turma: 14. Publ. em

16.03.2012. “Conquanto a recorrente tenha denominado seu recurso de Agravo de Petição (fls. 297), trata-se, em verdade, de Recurso Ordinário, vez que o recurso cabível por parte da União contra a decisão homologatória de acordo, na fase de conhecimento, quanto aos créditos que lhe forem devidos, é o Recurso Ordinário e não o Agravo de Petição. Assim, por aplicação do princípio da fungibilidade recursal, o Agravo de Petição é recebido e conhecido, por satisfeitos os pressupostos legais de admissibilidade, como Recurso Ordinário”.

do recurso.45 São casos em que a doutrina e a jurisprudência não são unânimes a respeito de qual o recurso adequado.

Haverá erro grosseiro quando se interpõe recurso errôneo, a despeito de o recurso adequado encontrar-se expressamente previsto na lei e sobre o qual não se opõe nenhuma dúvida.

Segundo Medina e Wambier, haverá erro grosseiro quando a jurisprudência e a doutrina forem absolutamente harmônicas quanto ao cabimento de outro recurso que não aquele interposto contra a decisão recorrida, e quando a parte fizer uso de um recurso, no lugar de outro, afrontando de maneira fragrante os princípios básicos da sistemática recursal.46

Júlio César Bebber acredita que erro grosseiro e dúvida objetiva são expressões equivalentes, no sentido de que uma expressão é usada por outra. Explica o autor que para aplicação do princípio da fungibilidade é necessário que não haja erro grosseiro na interposição do recurso. Ou seja: deve existir dúvida objetivamente demonstrável por divergência doutrinária ou jurisprudencial atual a respeito do recurso cabível, não sendo suficiente o simples estado de hesitação do recorrente.47 Acreditamos que erro grosseiro e inexistência de dúvida objetiva parecem ser expressões que se equivalham, estando o erro grosseiro mais ligado ao desconhecimento jurídico do recorrente.

Quanto ao prazo de interposição do recurso, preconiza a jurisprudência e uma parte da doutrina que havendo dúvida sobre o recurso

45 SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória. São Paulo:

Saraiva, 2011, p. 76.

46 MEDINA, José Miguel Garcia; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Recursos e ações

autônomas de impugnação. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. v. 2., p. 67.

correto com prazos distintos para ambos deve a parte interpor o recurso no período menor entre os dois prazos.

Se há dúvida objetiva quanto ao recurso correto, caso o recorrente interponha o recurso no prazo maior, ele ainda assim não poderá ser penalizado. Deve-se admitir o recurso interposto, no prazo do recurso efetivamente interposto, como se fosse o recurso correto.48

A questão dos prazos perde relevância no processo do trabalho, onde os prazos processuais são quase uniformes (oito dias, a teor do art. 6º da Lei 5.584/70), ressalvadas algumas exceções tais como o prazo de quarenta e oito horas previsto para o recurso de revisão do valor da causa (art. 2º, parágrafo 1º, Lei 5.584/70), bem como o prazo de cinco dias para os embargos de declaração.

Convém ainda traçarmos algumas linhas em relação à boa-fé em cotejo com a fungibilidade recursal. Com efeito, o artigo 810 do Código de Processo Civil de 1939 exigia a inexistência de má-fé como requisito para configurar-se a fungibilidade recursal. Hoje em dia, há entendimento que destaca que a boa-fé é princípio implícito no ordenamento processual, de modo que não figura no rol dos pressupostos que delimitam a fungibilidade recursal.

Nesse sentido, Nelson Nery Jr destaca que

“a má-fé não é elemento a ser considerado para a admissibilidade do recurso: ou há dúvida ou, alternativamente, inexiste erro grosseiro e se aplica a fungibilidade, ou não há um desses pressupostos e o princípio não incide. Havendo um dos pressupostos para a aplicação da fungibilidade e, nada obstante agisse o recorrente de má-fé, deve ser alcançado pela sanção geral dos artigos 17 e 18, CPC, mas o recurso tem de ser conhecido”.49

48 Ibid., p. 243.

49 NERY JR, Nelson. Teoria geral dos recursos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p.

Deve-se destacar, acerca da questão da má-fé, que o Código de Processo Civil prevê a aplicação de sanções ao litigante de má-fé nos artigos 16, 17 e 18. Há, ainda, o artigo 538, parágrafo único e artigo 557, parágrafo segundo, ambos do Código de Processo Civil, aplicáveis subsidiariamente ao Processo do Trabalho, que se referem a sanções em relação às normas relacionadas com os recursos. O artigo 538, parágrafo único, impõe a incidência de multa no caso de embargos de declaração protelatórios. Já o artigo 557, parágrafo segundo, refere-se ao pagamento de multa para o caso de interposição de agravo inadmissível ou infundado. Não obstante a sanção pecuniária expressa na legislação, o conhecimento do recurso não é embaraçado como penalidade decorrente da atuação eivada de má-fé processual.

Demais disso, a má-fé não se presume. A presunção é sempre de boa-fé.

Nos recursos de natureza extraordinária, cremos que o princípio da fungibilidade é inaplicável. Para tais recursos especiais, os pressupostos de admissibilidade encontram-se expressamente previstos na Consolidação das Leis do Trabalho (arts. 896 e 894) ou na Constituição Federal (art. 102, III). Tal é o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho.50 Questão interessante é a possibilidade, ou não, de os embargos à execução serem conhecidos como embargos de terceiro, com apoio no princípio da fungibilidade dos recursos. Cremos que apenas a

50 RECURSO DE EMBARGOS. INTERPOSIÇÃO CONTRA DESPACHO PROFERIDO PELO

RELATOR. NÃO-CABIMENTO. O recurso de embargos é o instrumento processual adequado para se pretender a reforma de decisão proferida pelo colegiado. Em se tratando de julgamento procedido por decisão monocrática de relator, o recurso cabível é o agravo a que aludem os arts. 245 do Regimento Interno do TST e 896, § 5º, in fine, da CLT. Recurso de Embargos de que não se conhece. ( E-ED-AIRR - 2011600-47.2002.5.02.0902 , Relator Ministro: João Batista Brito Pereira, Data de Julgamento: 06/05/2010, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: 14/05/2010)

incorreta denominação do recurso não configura erro grosseiro. Muitas vezes, pode ocorrer de a parte, que tem constante atuação na Justiça Comum e nem tanto na Justiça do Trabalho, interpor recurso ordinário com a nomenclatura de apelação. Não são raros os casos em que, na execução, a peça processual é nomeada de recurso ordinário em vez de agravo de petição. O importante é o conteúdo do recurso e seus requerimentos.

O C. Tribunal Superior do Trabalho admite a fungibilidade recursal no item II de sua Súmula de número 421, quando converte os embargos declaratórios em agravo interno, em relação à decisão monocrática do Relator com base no artigo 557 do Código de Processo Civil, com o fim de obter modificação do julgado.

Conforme teor da Súmula 421, do Tribunal Superior do Trabalho:

I - Tendo a decisão monocrática de provimento ou denegação de recurso, prevista no art. 557 do CPC, conteúdo decisório definitivo e conclusivo da lide, comporta ser esclarecida pela via dos embargos de declaração, em decisão aclaratória, também monocrática, quando se pretende tão-somente suprir omissão e não, modificação do julgado. II - Postulando o embargante efeito modificativo, os embargos declaratórios deverão ser submetidos ao pronunciamento do Colegiado, convertidos em agravo, em face dos princípios da fungibilidade e celeridade processual.

A fungibilidade recursal também é admitida pelo Tribunal Superior do Trabalho no caso de recurso ordinário interporto contra despacho monocrático indeferitório de petição inicial de ação rescisória ou de mandado de segurança, que pode ser recebido como agravo regimental. Nessa hipótese, o recurso não será conhecido pelo Tribunal Superior do Trabalho e os autos serão devolvidos ao Tribunal Regional para apreciação do apelo como agravo

regimental, a teor do disposto na Orientação Jurisprudencial número 69 da Subseção II de Dissídios Individuais:

“Recurso ordinário interposto contra despacho monocrático indeferitório da petição inicial de ação rescisória ou de mandado de segurança pode, pelo princípio de fungibilidade recursal, ser recebido como agravo regimental. Hipótese de não conhecimento do recurso pelo TST e devolução dos autos ao TRT, para que aprecie o apelo como agravo regimental”.

No documento MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO 2012 (páginas 43-50)