• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 2 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS INERENTES AO TEMA

2.7. PRINCÍPIO DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA

A individualização da pena é garantia que deve ser exercitada nas fases de cominação, aplicação e execução da reprimenda penal.

Bettiol16, a respeito de tal princípio, aduz:

todo o direito penal moderno é orientado no sentido da individualização das medidas penais, porquanto se pretende que o tratamento penal seja totalmente voltado para características pessoais do agente a fim de que possa corresponder aos fins que se pretende alcançar com a pena ou com as medidas de segurança.

A individualização da pena consiste,em um primeiro momento, na circunstância de o legislador, dentre as penas aplicáveis aos crimes cometidos, cominar sanções que variam de acordo com a importância do bem a ser tutelado.

Trata-se, portanto, de critério político, por meio do qual o Legislativo valora os bens que são objeto de proteção pelo Direito Penal, individualizando as penas de acordo com a sua importância e gravidade.

Empós, em um segundo momento, tendo chegado o julgador à conclusão de que o fato praticado é típico, ilícito e culpável, dirá qual a infração penal praticada pelo agente e começará, agora, a fixar a pena a ela correspondente.

O critério adotado no Brasil foi o trifásico (art. 68 do CP): de início, fixa-se a pena-base (art. 59 do CP) entre os limites mínimo e máximo fixados em abstrato pelo legislador, atendendo às chamadas circunstâncias judiciais. Após, serão aplicadas eventuais causas atenuantes e agravantes, previstas, respectivamente, nos arts. 65, 66 e 61, 62 do CP. Ato contínuo, são aplicadas eventuais causas de diminuição e de aumento de pena, fixadas em esparsos dispositivos do Código Penal.

Esta é a fase da aplicação da pena: sai-se do plano abstrato (cominação- Poder Legislativo) para o plano concreto (aplicação- Poder Judiciário). Nesse sentido, colacionamos

16 BETTIOL, Giuseppe. Direito Penal- Parte Geral. Tradução e notas do prof. Paulo José da Costa Júnior e Alberto Silva Franco. 10. ed. São Paulo: RT, 2006, vol. I, p. 336.

decisão do Superior Tribunal de Justiça, a qual atesta a insuperável necessidade de individualização da pena na fase de sua aplicação, verbis:

PENAL. HABEAS CORPUS. CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO. NEGATIVA DE AUTORIA E DE MATERIALIDADE. ANÁLISE PROBATÓRIA INCOMPATÍVEL COM A VIA ELEITA. PLURALIDADE DE RÉUS. PENA- BASE COMUM A TODOS.

INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA. NÃO-OBSERVÂNCIA. NULIDADE VERIFICADA.

ORDEM NÃO CONHECIDA. HABEAS CORPUS CONCEDIDO DE OFÍCIO. 1. O exame das alegações quanto à autoria e materialidade do delito importa, inexoravelmente, em valoração de matéria fático-probatória, vedada nesta via, devendo tal ser procedida no regular curso da ação penal, à luz do contraditório e da ampla defesa.

2. O juiz singular, na aplicação da pena, deve observar os ditames dos arts. 5º, XLVI, da Constituição Federal e 59 do Código Penal, individualizando a pena de cada um dos acusados, sob pena de nulidade da sentença.

3. No caso, a pena-base foi fixada genericamente a todos os co-réus, sem que o juiz sentenciante fizesse a distinção entre eles, não procedendo de maneira correta à individualização da pena.

4. Ordem não conhecida. Habeas corpus concedido de ofício, para anular a sentença a fim de que outra seja proferida.17

Para além das fases de cominação e de aplicação da pena, a individualização também é imperiosa no momento da execução penal, em consonância com a dicção do art. 5° da lei n° 7210/84, assim redigido: “Os condenados serão classificados, segundo os seus antecedentes e personalidade, para orientar a individualização da execução penal”.

Mirabete18, analisando o problema da individualização no momento da execução da pena aplicada ao condenado, preleciona:

Com os estudos referentes à matéria, chegou-se paulatinamente ao ponto de vista de que a execução penal não pode ser igual para todos os presos- justamente porque nem todos são iguais, mas sumamente diferentes- e que tampouco a execução pode

ser homogênea durante todo o período de seu cumprimento. Não há mais dúvida

de que nem todo preso deve ser submetido ao mesmo programa de execução e que, durante a fase executória da pena, elege-se um ajustamento desse programa conforme a reação observada no condenado, só assim se podendo falar em verdadeira individualização no momento executivo. Individualizar a pena, na

execução, consiste em dar a cada preso oportunidades e os elementos necessários para lograr a sua reinserção social, posto que é pessoa, ser distinto.

A individualização, portanto, deve aflorar técnica e científica, nunca improvisada, iniciando-se com a indispensável classificação dos condenados a fim de serem

17 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. HC 104091/RS. Quinta Turma. Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima. Data de julgamento: 24.06.2008. Data de publicação/Fonte: Dje 04.08.2008.

destinados aos programas de execução mais adequados, conforme as condições pessoais de cada um. (Sem grifos no original).

O princípio da individualização da pena foi amplamente discutido e debatido nos Tribunais Superiores. De início, a exemplo de julgamento prolatado em 1993, o Pretório Excelso entendeu que a impossibilidade de progressão de regime nos crimes definidos como hediondos e nos a eles equiparados não ofendia o princípio da individualização da pena, consoante acórdão a seguir colacionado:

Crime hediondo-(...)- Caracterização- Regime prisional- Crimes hediondos- Cumprimento da pena em regime fechado- Art. 2°, §1°, da lei n° 8.072/90. Alegação de ofensa ao art. 5°, XLVI, da Constituição. Inconstitucionalidade não caracterizada. Individualização da pena. Regulamentação deferida, pela própria norma, ao legislador ordinário.

À lei ordinária compete fixar os parâmetros dentro dos quais o julgador poderá efetivar ou a concreção ou a individualização da pena. Se o legislador ordinário dispôs, no uso da prerrogativa que lhe foi deferida pela norma constitucional, que nos crimes hediondos o cumprimento da pena será no regime fechado, significa que ele não quis deixar, em relação aos crimes dessa natureza, qualquer discricionariedade do juiz na fixação do regime prisional.19

No entanto, com o passar dos anos, alguns ministros do STF que consideravam o dispositivo constitucional aposentaram-se. Instado a se manifestar em sede de habeas corpus, o Plenário do STF, por apertada maioria de seis votos contra cinco, declarou a inconstitucionalidade, incidenter tantum, do art. 2°,§1°, da lei n° 8.072/90:

Em conclusão de julgamento, o Tribunal, por maioria, deferiu pedido de habeas corpus e declarou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade do §1° do art. 2° da lei 8.072/90, que veda a possibilidade de progressão do regime de cumprimento da pena nos crimes hediondos definidos no art. 1° do mesmo diploma legal. Inicialmente, o Tribunal resolveu restringir a análise da matéria à progressão de regime, tendo em conta o pedido formulado. Quanto a esse ponto, entendeu-se que a vedação de progressão de regime prevista na norma impugnada afronta o direito à individualização da pena (CF, art. 5°, XLVI), já que, ao não permitir que se considerem as particularidades de cada pessoa, a sua capacidade de

reintegração social e os esforços aplicados com vista à ressocialização, acaba tornando inócua a garantia constitucional. Ressaltou-se, também, que o dispositivo impugnado apresenta incoerência, porquanto impede a progressividade, mas admite o livramento condicional após o cumprimento de dois terços da pena (Lei n° 8.072/90 , art. 5°). Vencidos os ministros Carlos

Velloso, Joaquim Barbosa, Ellen Gracie, Celso de Mello e Nelson Jobim, que indeferiam a ordem, mantendo a orientação até então fixada pela Corte no sentido da constitucionalidade da norma atacada. O Tribunal, por unanimidade, explicitou que a declaração incidental de inconstitucionalidade do preceito legal em questão não gerará consequências jurídicas com relação às penas já extintas nesta data, uma vez 19 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Plenário. Rel. Min. Paulo Brossard. Data de publicação/Fonte: DJU, de

que a decisão plenária envolve, unicamente, o afastamento do óbice representado pela norma ora declarada inconstitucional, sem prejuízo da apreciação, caso a caso, pelo magistrado competente, dos demais requisitos pertinentes ao reconhecimento da possibilidade de progressão20. (Destacamos).

Em que pese a mudança de entendimento no âmbito do Supremo Tribunal Federal, doutrinadores há, a exemplo de Rogério Greco21, que entendem que a redação declarada inconstitucional não padecia de tal mácula, pois, segundo ele, havia, sim, individualização da pena, uma vez que o Legislativo havia definido que crimes de maior potencial ofensivo, a exemplo dos hediondos, não faziam jus à progressão de regime, pois a análise individualizada dos tipos penais é que autorizava tal (im)possibilidade.

Em que pese o entendimento do mencionado autor, entendemos que a individualização da pena, para além de uma norma constitucional de eficácia limitada à edição de lei ordinária pelo Legislativo, abrange, em seu aspecto material, a necessidade insuperável de análise da evolução do criminoso, da promoção de esforços pessoais tendentes a fazê-lo melhorar enquanto pessoa e, ainda, de reintegrá-lo, paulatinamente, à sociedade, para qual, mais dia, menos dia, ele retornará.