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CAPÍTULO 3 A SUSPENSÃO CONDICIONAL DA PENA E A PROGRESSÃO DE REGIME

3.2. A PROGRESSÃO DE REGIME

A progressão de regime inexiste, via de regra, na seara castrense. No entanto, o art.2°, §único, da LEP excepciona tal regra, ao estabelecer que os condenados pela Justiça Militar da União que cumprirem as suas penas em estabelecimento sujeito à jurisdição ordinária farão jus às benesses da LEP, verbis:

Art. 2º A jurisdição penal dos Juízes ou Tribunais da Justiça ordinária, em todo o Território Nacional, será exercida, no processo de execução, na conformidade desta Lei e do Código de Processo Penal.

Parágrafo único. Esta Lei aplicar-se-á igualmente ao preso provisório e ao condenado pela Justiça Eleitoral ou Militar, quando recolhido a estabelecimento sujeito à jurisdição ordinária.

Neste ponto, uma análise das disposições do Código Penal Militar merece destaque: a aparente contradição entre os arts. 61 e 99 do diploma repressivo castrense.

Este aduz que “a perda de posto e patente resulta da condenação a pena privativa de liberdade por tempo superior a dois anos, e importa a perda das condecorações”. Tal perda de posto implicaria a perda da condição de militar, o que resultaria na impossibilidade de a Justiça Militar da União executar a sanção por ela cominada a um (ex)- integrante de seus quadros.

O art. 61, a seu turno, prescreve:

Art.61- A pena privativa da liberdade por mais de 2 (dois) anos, aplicada a militar, é cumprida em penitenciária militar e, na falta dessa, em estabelecimento prisional civil, ficando o recluso ou detento sujeito ao regime conforme a legislação penal comum, de cujos benefícios e concessões, também, poderá gozar. (Redação dada pela Lei nº 6.544, de 30.6.1978).

Neste caso, o militar, ainda quando condenado a pena superior a dois anos, poderia, em um primeiro momento, cumprir a pena em penitenciária militar. Trata-se, portanto, de situação de aparente antinomia normativa.

Todavia, a contradição é, de fato, apenas aparente. A leitura deve ser feita em face do militar considerado praça e daquele com patente de oficial, senão vejamos:

No que concerne ao praça, a condenação a pena privativa de liberdade superior a dois anos pode ocasionar a perda do posto e da patente, desde que a sentença que o condene assim o declare expressamente. Logo, caso o juízo prolator da sentença declare a perda do posto, a qual é considerada pena acessória, o militar perderá a sua condição e, desse modo, terá a sua reprimenda cumprida em estabelecimento prisional civil, fazendo jus às benesses da LEP. Caso a ordem judicial não a declare, o praça continua a ser militar, hipótese na qual a pena será cumprida em penitenciária militar e, em sua falta, em estabelecimento prisional civil.

No que toca ao oficial, a sentença que o condena a pena superior a dois anos não tem o condão de- ela própria- determinar a perda de seu posto.

É que a disciplina legal a ele relativa é diferenciada: de fato, o art. 142, §3°, VII, da Constituição Cidadã prescreve: VII - o oficial condenado na justiça comum ou militar a pena privativa de liberdade superior a dois anos, por sentença transitada em julgado, será submetido ao julgamento previsto no inciso anterior.

O inciso VI, por sua vez, tem a seguinte redação: VI - o oficial só perderá o posto e a patente se for julgado indigno do oficialato ou com ele incompatível, por decisão de

tribunal militar de caráter permanente, em tempo de paz, ou de tribunal especial, em tempo de guerra.

Assim, temos que a perda do posto de oficial dependerá, em tempo de paz, de decisão de tribunal militar de caráter permanente. Tal tribunal haverá de ser o Superior Tribunal Militar, bem como o Tribunal de Justiça Militar dos Estados de São Paulo (TJMSP), Minas Gerais (TJMMG) e Rio Grande do Sul (TJMRS), já devidamente implantados.

Desta feita, um dado oficial dos mencionados Estados-Membros apenado com mais de dois anos será submetido a julgamento perante tais tribunais para fins de eventual perda de posto e de patente.

Nos demais Estados, a exemplo do Ceará, o julgamento mencionado no parágrafo anterior será conduzido pelo Superior Tribunal Militar (STM).

Logo, caso tais tribunais militares decidam que um dado oficial deve perder o posto, será ele excluído da corporação, razão pela qual a pena a ele impingida será cumprida em estabelecimento prisional civil, fazendo jus, assim, às benesses que a LEP prevê.

Do contrário, caso os tribunais entendam de modo diverso, o oficial continuará pertencendo à corporação, motivo pelo qual a sua pena pena privativa de liberdade, ainda que superior a dois, será cumprida em penitenciária militar e, à sua falta, em estabelecimento prisional civil, consoante prescrição do art. 61 do Código Penal Militar.

Neste ponto, uma informação é imprescindível: a fixação da quantidade de penitenciárias militares existentes no país. De fato, a sua presença ou ausência é que condicionará o cumprimento de pena com ou sem possibilidade de progressão de regime.

Apenas alguma pesquisa, a informação veio a lume: há apenas uma penitenciária militar no país, localizada no Estado do Rio de Janeiro38.

38 Informação obtida em contato telefônico com o dr. Alexander Perazo Nunes de Carvalho, secretário-geral da Procuradoria Militar da União no Estado do Ceará, por intermédio do dr. Marcelo Lopes Barroso.

Assim, apenas os oficiais do Rio de Janeiro apenados com mais de dois que não perderem o seu posto cumprirão a reprimenda em penitenciária militar. Os oficiais de todo o restante do país condenados a pena privativa de liberdade superior a dois anos, caso não tenham perdido posto por decisão do STM ou dos TJMSP, TJMMG e TJMRS cumprirão reprimenda em estabelecimento civil, dado que faltam penitenciárias militares.

Ademais, no que concerne aos praças, aqueles perderem o posto, por disposição expressão de sentença judicial, em caso de condenação a pena privativa de liberdade superior a dois anos, cumprirão a reprimenda em estabelecimento civil. Caso não o percam, cumprirão a reprimenda em penitenciária militar, caso lotados no Rio de Janeiro. Do contrário, caso exerçam suas funções nos demais Estados-Membros, ainda que apenados com mais de dois anos, cumprirão a reprimenda em estabelecimento prisional civil, à míngua de penitenciária militar, mesmo ostentando a condição de militares.

De todo modo, aqueles condenados a pena privativa de liberdade de até dois anos, sejam eles praças ou oficiais, cumprirão a reprimenda em “estabelecimento penal militar”, caso inviável a concessão de sursis, consoante art. 59 do Código Penal Militar. Ademais, não há falar em confusão entre “estabelecimento penal militar” e “penitenciária militar”, pois são dois conceitos ontologicamente distintos. Aquele existe nas corporações militares de todos os Estados e destina-se ao cumprimento de penas de até dois anos, ao passo que esta existe apenas no Rio de Janeiro, sendo destinada ao cumprimento de sanções privativas de liberdade superiores a dois anos.

Isso representa para o condenado uma brutal diferença: de fato, o cumprimento de sua sanção em estabelecimento civil lhe possibilita as benesses prescritas na Lei de Execução Penal, entre as quais a progressão de regime, a remição de um dia de pena a cada três trabalhados, a possibilidade de constituição de pecúlio com o fruto de seu próprio trabalho, a ser resgatado após o cumprimento da sanção penal, entre outras.

Compulsando o art. 187 do diploma repressivo castrense, deparamo-nos com uma pena em abstrato de detenção, de seis meses a dois anos, motivo pelo qual o considerado

desertor terá, obrigatoriamente, de cumprir a pena em estabelecimento penal militar, sendo constrito a cumprir a pena que lhe fora cominada em regime integralmente fechado.

É que, mesmo que seja apenado com a sanção máxima, a de dois anos de detenção, o condenado não se amoldará à exigência do art. 61 do CPM: “pena privativa de liberdade superior a dois anos”. (Grifamos).

Não poderá, assim, cumprir sua reprimenda em estabelecimento civil, à ausência de penitenciária militar, e, portanto, não estará apto a progredir do regime fechado para o semi-aberto, quando cumprido um sexto da pena (art. 112, caput, LEP).

A adoção de tal sistemática pode levar a situações absurdas, senão vejamos: o art. 205 do diploma repressivo castrense tipifica o delito de homicídio. Pela dicção do CPM, quem mata alguém, na modalidade do caput, comete homicídio simples e está sujeito à pena de reclusão de seis a vinte anos.

Imaginemos que, em uma dada situação, o praça ou o oficial definitivamente condenado pela prática de homicídio simples, que não tenha perdido o posto, respectivamente, pela decretação em sentença judicial ou por deliberação de tribunal militar, não possa cumprir a pena que lhe fora cominada em penitenciária militar, dado que não exercia suas atividades no Estado do Rio de Janeiro. Em tal caso, o condenado teria a fase de execução de sua sanção presidida por juiz estadual, caso sua pena fosse cumprida em presídio estadual.

Assim, se apresentasse bom comportamento, teria, tendo cumprido um ano (um sexto do total) da pena, caso tivesse sido apenado com a sanção mínima de seis anos de reclusão, a possibilidade de passar a cumprir a pena em colônia agrícola ou industrial, sendo para ela transferido do presídio onde estivera até então e, cumprindo um sexto do restante (dez meses, multiplicando-se um sexto por sessenta meses [equivalente a cinco anos]), poderia passar a cumprir a pena em casa de albergado.

Pensemos, a contrario sensu, que um condenado incurso no art. 187 do CPM fosse condenado à pena máxima: dois anos de detenção. Nesse caso, cumpri-la-ia em regime

integralmente fechado, ao passo que um condenado pelo crime de homicídio simples, caso não pudesse cumprir a pena em penitenciária militar, poderia progredir de regime com um ano de pena cumprida e, passados vinte e dois meses, estaria apto a cumpri-la em regime aberto.

Nesse caso, o discrímen não parece razoável. Embora o dever militar seja o bem jurídico indiretamente atingido em todos os delitos propriamente militares, a vida é o bem de tutela máxima do direito penal, seja ele civil ou castrense.

É que a vida é pressuposto para a fruição de todos os direitos e, ceifada ela, qualquer discussão ou elucubração perde qualquer sentido. Casos tais, não parece de bom tom que um crime que ofende o bem jurídico militar tenha tratamento mais gravoso, em certas situações, do que outra conduta que atinge a vida humana.

CAPÍTULO 4 ANÁLISE CONSTITUCIONAL DA VEDAÇÃO À SUSPENSÃO