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4 COMPARAÇÃO ENTRE OS REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE

4.1 Princípio da primazia do julgamento de mérito

O princípio da primazia do julgamento de mérito recursal é uma das principais mudanças do CPC/2015, o qual poderá reduzir, significativamente, a jurisprudência defensiva dos tribunais.

Os arts. 4º71 e 6º72 do CPC/2015 positivam o referido princípio, objetivando que sempre haja o julgamento de mérito dos processos e dos recursos, regra que só pode ser afastada em situações excepcionais. Com relação aos recursos, o novo código estabelece como regra geral o julgamento de mérito, de modo a viabilizar o saneamento de vícios formais e permitir o não conhecimento de recursos apenas em caso de inércia da parte quando intimada para corrigir o vício.

Dessa forma, a sistemática do novo código valoriza o direito material tutelado, visando tornar o processo como um meio efetivo para se obter a prestação jurisdicional adequada ao caso concreto, reduzindo o número de decisões que não julgam o mérito da demanda.

O princípio está presente em diversos dispositivos legais do CPC/2015, como será demonstrado ao longo deste tópico.

O art. 93273, parágrafo único, do CPC/2015, estabelece a regra geral para saneamento de vícios no âmbito recursal: o relator intimará a parte para sanar o vício ou complementar a documentação, antes de inadmitir o recurso. Freddie Didier (DIDIER;

71 Art. 4º As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa.

72 Art. 6º Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.

73 Art. 932. Incumbe ao relator: [...]

Parágrafo único. Antes de considerar inadmissível o recurso, o relator concederá o prazo de 5 (cinco) dias ao recorrente para que seja sanado vício ou complementada a documentação exigível.

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CUNHA, 2016) afirma que o referido parágrafo único “concretiza o princípio da primazia a decisão de mérito em âmbito recursal”, imputando ao relator “o dever geral de prevenção”74.

Registre-se que o art. 932 apresenta os deveres do relator. Logo, considerando-se que a referida previsão legal encontra-se entre os deveres do relator, este deverá intimar a parte para saneamento do vício, não cabendo discricionariedade do relator sobre a possibilidade ou não de intimação.

Segundo Daniel Amorim (NEVES, 2016), em virtude do princípio da cooperação, o relator deve “cumprir seu dever de esclarecimento (outro dever decorrente do princípio da cooperação), apontando de forma precisa qual o vício que deverá ser saneado”.

O supracitado artigo tem aplicação em casos de vícios sanáveis ou irregularidades passíveis de correção pela parte. Um exemplo é a ausência de procuração, pois trata-se de vício formal sanável, sendo cabível a intimação da parte para anexar aos autos o referido documento.

Daniel Amorim (NEVES, 2016) defende que, acaso o vício seja invencível, ainda assim o relator deve intimar a parte, não para corrigir o erro, e sim para se manifestar sobre o vício. O autor afirma que a inadmissão do recurso sem manifestação prévia da parte prejudicada viola o art. 9º75, caput, do CPC/2015. Nesse sentido, também seria aplicável o caput do art. 93376 para justificar a intimação da recorrente.

Nesta senda, também se aplica o art. 1077, o qual prevê o princípio da proibição de decisões surpresas. Desta feita, não é possível a prolação de decisão desfavorável com base em fundamento sobre o qual a parte não teve oportunidade de se manifestar previamente. Portanto, é perfeitamente cabível a intimação da parte acerca de qualquer vício, ainda que seja insanável, possibilitando, no mínimo, a manifestação do recorrente sobre a possível inadmissão de seu recurso.

Além disso, Daniel Amorim (NEVES, 2016) considera aplicável o parágrafo único do art. 932 apenas nos casos em que inexiste previsão legal específica para o vício encontrado pelo relator. Por exemplo, em caso de não recolhimento do preparo, o art. 1.007, § 4º, do CPC/2015, estabelece a intimação da parte para pagamento em dobro do preparo, não sendo aplicável o art. 932 nessa situação.

74 Grifo do original.

75 Art. 9º Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida.

76 Art. 933. Se o relator constatar a ocorrência de fato superveniente à decisão recorrida ou a existência de questão apreciável de ofício ainda não examinada que devam ser considerados no julgamento do recurso, intimará as partes para que se manifestem no prazo de 5 (cinco) dias.

77 Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício.

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Nesta senda, o supracitado artigo também não seria aplicável em casos em que o próprio CPC não permite o saneamento do vício. Esse é o caso do o art. 1.007, § 5º, não sendo possível a intimação da parte para complementar o preparo que deveria ter sido pago em dobro em virtude do não pagamento das custas no ato de interposição do recurso.

O CPC/2015 tem previsão legal específica do princípio da primazia do julgamento de mérito recursal para os tribunais superiores: trata-se do art. 1.02978, § 3º. Dessa forma, o STF e o STJ podem desconsiderar vício formal não grave ou determinar sua correção, de modo a viabilizar o julgamento de mérito do recurso excepcional.

A referida previsão legal aplica-se apenas se o recurso for tempestivo e o vício não for considerado grave. Gustavo Vaughn (VAUGHN, 2012) defende que o § 3º do art. 1.029 gera um conflito com a previsão do parágrafo único do art. 932, como se demonstra abaixo:

Segundo o § 3.º do art. 1.029 do CPC/2015 (LGL\2015\1656), "o STF ou o STJ poderá desconsiderar vício formal de recurso tempestivo ou determinar sua correção, desde que não o repute grave", o que significa dizer que a valoração do que poderá ser considerado grave ou não, para que seja possível a concessão de prazo para correção do vício, caberá à discricionariedade do Poder Judiciário. Eis o embate: primeiro, o NCPC determina que o magistrado relator do recurso "Y" deve intimar a parte para sanar o vício, quando for ele constatado; segundo, prevê que a regularização do vício está associada à sua gravidade, cuja avaliação cabe ao próprio magistrado.

Dessa forma, a jurisprudência dos tribunais superiores estabelecerá quais os casos em que o § 3º do art. 1.029 poderá ser aplicado. Entretanto, considerando-se a jurisprudência defensiva já enraizada no âmbito de tais tribunais, é difícil supor que a previsão legal seja amplamente aplicada e possa, de fato, superar os entraves formalistas criados pelos tribunais para não conhecer os recursos.

Freddie Didier (DIDIER; CUNHA, 2016) entende que o supracitado parágrafo será amplamente aplicado pelos tribunais, podendo ter aplicabilidade em defeitos como ausência de pré-questionamento, ilegitimidade recursal, falta de interesse recursal e representação processual.

Segundo o enunciado 21979 do Fórum Permanente de Processualistas Civis

78 Art. 1.029. O recurso extraordinário e o recurso especial, nos casos previstos na Constituição Federal, serão interpostos perante o presidente ou o vice-presidente do tribunal recorrido, em petições distintas que conterão: [...]

§ 3º O Supremo Tribunal Federal ou o Superior Tribunal de Justiça poderá desconsiderar vício formal de recurso tempestivo ou determinar sua correção, desde que não o repute grave.

79 Enunciado 219: (art. 1.029, § 3º) O relator ou o órgão colegiado poderá desconsiderar o vício formal de recurso tempestivo ou determinar sua correção, desde que não o repute grave. (Grupo: Recursos Extraordinários)

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(FPPC), o supracitado parágrafo pode ser aplicado tanto pelo relator como pelo órgão colegiado que aferir a admissibilidade do recurso.

Após a intimação da parte, se esta se mantiver inerte, o recurso será inadmitido, em conformidade com o enunciado 22080 do FPPC.

Assim, apesar da discricionariedade atribuída aos tribunais superiores em sua aplicação, o § 3º do art. 1.029 representa um grande avanço trazido pelo CPC/2015, sendo uma forma de superar, pelo menos parcialmente, a jurisprudência defensiva.

4.2 Incidente de julgamento de recursos excepcionais repetitivos

Conforme explanado no primeiro capítulo, uma das causas da jurisprudência defensiva é a grande quantidade de recursos nos tribunais superiores, o que ensejou a criação de requisitos de admissibilidade ou interpretação formalista dos requisitos já existentes, na tentativa de reduzir o número de processos a serem julgados pelos tribunais.

Uma solução trazida pelo CPC/2015 consiste na previsão do incidente de julgamento de recursos excepcionais repetitivos. De acordo com o art. 1.03681, caput, o incidente é cabível quando houver diversos recursos extraordinários e/ou especiais versando sobre idêntica questão de direito. Segundo Daniel Amorim (NEVES, 2016), a aplicação do supracitado artigo é obrigatória, pois o legislador utilizou a palavra “sempre”, o que enseja a inexistência de discricionariedade do tribunal sobre a possibilidade de realização do incidente, desde que presentes os requisitos legais.

80 Enunciado 220: (art. 1.029, § 3º) O Supremo Tribunal Federal ou o Superior Tribunal de Justiça inadmitirá o recurso extraordinário ou o recurso especial quando o recorrente não sanar o vício formal de cuja falta foi intimado para corrigir. (Grupo: Recursos Extraordinários)

81 Art. 1.036. Sempre que houver multiplicidade de recursos extraordinários ou especiais com fundamento em idêntica questão de direito, haverá afetação para julgamento de acordo com as disposições desta Subseção, observado o disposto no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal e no do Superior Tribunal de Justiça. § 1º O presidente ou o vice-presidente de tribunal de justiça ou de tribunal regional federal selecionará 2 (dois) ou mais recursos representativos da controvérsia, que serão encaminhados ao Supremo Tribunal Federal ou ao Superior Tribunal de Justiça para fins de afetação, determinando a suspensão do trâmite de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitem no Estado ou na região, conforme o caso.

§ 2º O interessado pode requerer, ao presidente ou ao vice-presidente, que exclua da decisão de sobrestamento e inadmita o recurso especial ou o recurso extraordinário que tenha sido interposto intempestivamente, tendo o recorrente o prazo de 5 (cinco) dias para manifestar-se sobre esse requerimento.

§ 3º Da decisão que indeferir o requerimento referido no § 2º caberá apenas agravo interno.

§ 4º A escolha feita pelo presidente ou vice-presidente do tribunal de justiça ou do tribunal regional federal não vinculará o relator no tribunal superior, que poderá selecionar outros recursos representativos da controvérsia. § 5º O relator em tribunal superior também poderá selecionar 2 (dois) ou mais recursos representativos da controvérsia para julgamento da questão de direito independentemente da iniciativa do presidente ou do vice- presidente do tribunal de origem.

§ 6º Somente podem ser selecionados recursos admissíveis que contenham abrangente argumentação e discussão a respeito da questão a ser decidida.

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A instauração será iniciada quando o presidente ou o vice-presidente do tribunal de origem observar a existência de vários recursos excepcionais fundamentados em idêntica questão de direito. Assim, o tribunal superior receberá dois ou mais recursos representativos da controvérsia, os quais devem possuir argumentação abrangente, possibilitando que o tribunal tenha uma visão ampla dos fundamentos utilizados pelos recursos para defender sua tese, nos termos dos §§ 1 e 6º do art. 1.036.

A decisão do tribunal de origem não vincula o tribunal superior, o qual poderá escolher outros recursos como representativos da controvérsia, conforme o § 4º do supracitado artigo.

Se o relator do tribunal superior entender cabível o incidente de julgamento de recursos excepcionais repetitivos, ele determinará a suspensão de todos os processos que versem sobre idêntica questão, identificando precisamente qual a questão a ser julgada, conforme o art. 1.03782.

Dessa forma, o referido incidente representa um grande passo na redução do número de processos a serem julgados pelos tribunais superiores. Com o julgamento de dois ou mais recursos representativos de uma questão de direito, o tribunal solucionará diversos processos idênticos, sem a necessidade de repetir seu entendimento diversas vezes em vários processos distintos.

Nesta senda, após o julgamento da demanda representativa, os tribunais de origem deverão aplicar o entendimento exposto pelo tribunal superior em todos os recursos sobrestados83. Registre-se que o entendimento será aplicado até nos processos de primeira e segunda instância, o que irá representar uma substancial redução no número de recursos excepcionais que chegarão aos tribunais superiores.

82 Art. 1.037. Selecionados os recursos, o relator, no tribunal superior, constatando a presença do pressuposto do caput do art. 1.036, proferirá decisão de afetação, na qual:

I - identificará com precisão a questão a ser submetida a julgamento;

II - determinará a suspensão do processamento de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a questão e tramitem no território nacional;

III - poderá requisitar aos presidentes ou aos vice-presidentes dos tribunais de justiça ou dos tribunais regionais federais a remessa de um recurso representativo da controvérsia.

83 Art. 1.040. Publicado o acórdão paradigma:

I - o presidente ou o vice-presidente do tribunal de origem negará seguimento aos recursos especiais ou extraordinários sobrestados na origem, se o acórdão recorrido coincidir com a orientação do tribunal superior; II - o órgão que proferiu o acórdão recorrido, na origem, reexaminará o processo de competência originária, a remessa necessária ou o recurso anteriormente julgado, se o acórdão recorrido contrariar a orientação do tribunal superior;

III - os processos suspensos em primeiro e segundo graus de jurisdição retomarão o curso para julgamento e aplicação da tese firmada pelo tribunal superior;

IV - se os recursos versarem sobre questão relativa a prestação de serviço público objeto de concessão, permissão ou autorização, o resultado do julgamento será comunicado ao órgão, ao ente ou à agência reguladora competente para fiscalização da efetiva aplicação, por parte dos entes sujeitos a regulação, da tese adotada.

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Espera-se que, com a adoção do supracitado incidente, os tribunais superiores, em especial o STJ, possam flexibilizar a jurisprudência defensiva, já que uma de suas principais causas – grande número de recursos – será solucionada, no mínimo, parcialmente, com a adoção do incidente de julgamento de recursos repetitivos.

4.3 Alterações pontuais feitas pelo CPC/2015 nos requisitos de admissibilidade do

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