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2 FUNDAMENTOS E MÉTODOS

2.1 Acompanhamento e caracterização experimental da reatividade em fase gasosa

2.1.2 Princípios da espectrometria de massas por FT-ICR

Os fundamentos básicos e aplicações de espectrômetros de massas por transformada de Fourier (FT-ICR) são bem conhecidos e uma descrição minuciosa pode ser encontrada na literatura.[11]

Um sistema FT-ICR consiste, essencialmente, de uma cela mantida dentro de um campo magnético homogêneo e dentro da qual ocorrem todos os processos de manipulação, reação e detecção dos íons. Existem diversos modelos de cela disponíveis,[12]–[14] cada uma com suas características próprias, mas todas elas podem ser modeladas e entendidas em termos da cela cúbica utilizada no espectrômetro FT-ICR do IQ-USP.

A cela cúbica de um FT-ICR, mantida sob condições de ultra-alto vácuo, consiste de 6 placas metálicas que formam 3 pares de eletrodos, denominadas de placas de aprisionamento, excitação e detecção, dispostos espacialmente conforme indicado na Figura 1.

Essa cela se localiza em uma região de campo magnético homogêneo ( 1 T), com as linhas de campo orientadas na direção do eixo z da Figura 1. Este arranjo permite que um conjunto de íons, formados durante um período curto e de maneira intermitente, possa ser aprisionado e detectado.

A interação entre o campo magnético e as componentes de velocidade dos íons no plano perpendicular ao campo induz trajetórias circulares no plano xy nos íons presentes na cela, os quais exibem o movimento conhecido como ciclotrônico, que dá origem ao nome da técnica.

RF

A

exc.

exc.

detec.

detec.

trap

FFT

Hz

ms

x

y

z

Figura 1. Disposição espacial das placas em uma típica cela cúbica de um FT-ICR. Um campo magnético é

aplicado na direção do eixo z. RF representa o campo de radiofrequência utilizado para excitar o movimento ciclotrônico dos íons, e A a detecção de corrente variando no tempo. Após submeter o sinal transiente desta corrente a uma transformada de Fourier (FFT) obtêm-se o espectro de frequências que é inversamente proporcional à relação m/z. Os furos nas placas de excitação (exc.) são utilizados para irradiação dos íons com lasers, enquanto o furo na placa de aprisionamento em cinza (trap) é utilizado como entrada para os elétrons gerados pelo filamento representado por na figura. A contração "detec." é utilizadas para as placas de detecção.

A eq.1 descreve a interação responsável pelo movimento ciclotrônico, na qual a força eletromagnética é dada por:

,

(eq. 1)

onde representa a carga do íon, e as componentes de velocidade no plano perpendicular ao campo magnético .

Dado que a força a qual os íons estão submetidos pode ser equacionada pela relação ⁄ , onde é a massa do íon e seu raio de giro, e a velocidade dos íons pode ser relacionada a frequência ciclotrônica pela relação , podemos obter a relação

.

(eq. 2)

A eq.2 mostra que a frequência do movimento ciclotrônico descrita pelos íons depende inversamente da relação massa carga (m/q) do íon. Desta forma, se detectarmos a frequência ciclotrônica com que estes íons descrevem suas órbitas no interior da cela, poderemos

determinar a relação massa carga (m/q)1 e, consequentemente, o espectro de massas destas espécies.

Entretanto, o campo magnético não tem influência sobre o movimento dos íons ao longo do eixo z, o que é determinado pela componente da velocidade inicial ao longo deste eixo. Assim, a capacidade de armazenar os íons na cela de um espectrômetro FT-ICR depende do movimento no sentido do eixo z ser restrito pela aplicação de um potencial, nas placas de aprisionamento, da mesma polaridade que a carga dos íons, ou seja, um potencial positivo para cátions e negativo para ânions. Isso faz com que o movimento dos íons nesse eixo fique restrito ao interior da cela. A combinação do movimento ciclotrônico com o potencial aplicado nas placas de aprisionamento resulta no confinamento dos íons dentro da cela cúbica, fundamental para o funcionamento da técnica.

A identificação da relação massa carga destes íons através de sua frequência ciclotrônica requer uma análise mais detalhada do que ocorre no interior da cela. Dado que temos uma série de íons em movimento circular aprisionados na cela, todas as vezes que esses íons se aproximam da placa superior ou inferior, um acúmulo de elétrons é gerado na mesma, para íons positivos, ou um acúmulo de carga positiva é induzida na placa, para íons negativos. Em princípio, o registro desta corrente induzida em função do tempo nesse par de placas, chamadas de placas de detecção, permite extrair a frequência ciclotrônica dos íons no interior da cela (Figura 1).

Entretanto, a corrente induzida nas placas nestas condições experimentais é nula, já que há uma distribuição uniforme dos íons no plano xy e, portanto, o acúmulo de cargas nas placas de detecção é constante no tempo. Esta situação pode ser modificada pela introdução, nas placas denominadas de excitação, de uma radiofrequência (RF) de amplitude e intervalo controlado e sintonizada no intervalo de frequências ressonante com as frequências

ciclotrônicas dos íons presentes no interior da cela (Figura 1). O campo elétrico alternante dessa RF ressonante acelera os íons no plano xy e, consequentemente, os íons descrevem orbitas com raios de giro progressivamente maiores, se aproximando das placas de detecção. Um segundo aspecto importante neste processo é o fato da radiofrequência ressonante provocar também o movimento coerente dos íons excitados, de tal maneira que todos os íons se movimentem com a mesma fase. Assim, este movimento coerente (em fase) dos íons é capaz, agora, de gerar uma corrente alternante nas placas de detecção. O mesmo princípio pode ser usado para remover íons específicos, com uma determinada relação massa/carga, do interior da cela. Neste caso a RF ressonante é aplicada durante um período de tempo suficiente (alguns milissegundos) de modo a excitar os íons para orbitas maiores até que estes colidam com uma das placas e sejam neutralizados. Esta operação é conhecida como ejeção de íons.

Uma característica importante da espectrometria de FT-ICR é a habilidade de coletar o espectro de massas total de uma amostra, ou mistura de amostras, numa única etapa. Isto se torna possível se a excitação dos íons for promovida por um pulso de radiofrequência (duração típica ~ 1,2 ms) do tipo “chirp”. Um pulso de RF tipo “chirp” corresponde a uma gama de frequências que variam com o tempo. Se a gama de frequências contida no “chirp” abrange todas as frequências ciclotrônicas correspondentes a íons em uma determinada faixa de relação massa carga, o efeito do “chirp” é de excitar à órbitas circulares maiores, todos os íons presentes na cela, simultaneamente e de maneira coerente (mesma fase). O sinal induzido nas placas de detecção nestas condições corresponde a uma corrente cuja variação temporal é ditada pela soma de todas as frequências ciclotrônicas dos íons excitados. A corrente coletada após a excitação pelo “chirp” decai no tempo devido a perda progressiva de coerência do movimento dos íons. Isso se deve, entre outros fatores, a colisões, a não-homogeneidade dos campos elétricos e magnético, e a repulsão coulômbica entre os íons. Assim, a corrente

coletada gera um sinal transiente cuja duração (de 10 ms a 100 ms) depende da perda de coerência do movimento dos íons dentro da cela. Este sinal transiente, quando submetido à transformada de Fourier, fornece a frequência e a abundancia relativa (medida pela magnitude do sinal transformado) de todos os íons no interior da cela de forma simultânea (Figura 1)

De posse das frequências, uma simples calibração[15] pode ser utilizada para fornecer o espectro de massas final, como indicado pela eq. 2.

Dessa forma, dentro da cela de um FT-ICR podemos ejetar uma série de íons, isolar somente um íon de interesse, aprisioná-lo por um tempo na presença do substrato, período que será o tempo de reação, e detectar simultaneamente a composição de produtos iônicos na cela.