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Após essa apresentação das teorias, são os pressupostos teóricos da TCT que orientam a concepção de termo adotada nesta tese. Para a contextualização dos princípios que nos afetam apresentamos a seguir alguns postulados e interpretações da teoria a respeito de léxico comum e terminologia, bem como os fatores pragmáticos que permitem diferenciar léxico comum da terminologia. Justificamos esses princípios em razão de nosso objetivo maior:

identificar os mecanismos sintático-semânticos de engendramento das unidades terminológicas nos manuais técnicos estudados.

Anterior à publicação de La terminologia. Teoria, metodologia, aplicações (CABRÉ, 2003), A pesquisadora, em 1999, apresenta, no artigo Uma nueva teoria de la terminologia: de la donimación a la comunicación, uma retrospectiva dos trabalhos de Wüster, a crítica à limitação da TGT e oito princípios da TCT, dois quais extraímos as máximas:

A TCT não concebe a terminologia como uma matéria autônoma, mas mantendo seu caráter intrinsecamente interdisciplinar, e defendendo a generalização, intenta explicar-la dentro de uma teoria da linguagem [...];

Concebe as unidades terminológicas como unidades poliédricas [...];

Deve dar conta de como um conceito pode ser parte da estrutura conceitual de diferentes disciplinas conservando, trocando ou matizando suas características [...];

Tem que oferecer critérios para descrever as unidades denominativas monossêmicas ou polivalentes e definir os limites desta variação.

Tem que admitir a sinonímia como um fenômeno real dentro da comunicação especializada natural e oferecer critérios para esclarecer o distinto valor das unidades, se é o caso.

Terá que ter em conta que as unidades terminológicas se dão de modo natural no discurso e, em conseqüência, têm uma projeção sintática além dos limites denominativos e variam em função do discurso.

Tem que contemplar a variação mesma do discurso e estabelecer as variáveis pertinentes que descrevem esta variação dentro da comunicação em geral e da especializada em particular. (CABRÉ, 1999, p. 122 – 124).

O aporte teórico-metodológico da TCT e a intensa produção investigativa têm fortalecido os estudos em terminologia. Os termos são as “unidades de base da terminologia” (CABRÉ, 2003, p.169) e não se diferenciam das palavras a não ser por critérios pragmáticos e

comunicativos. Cabré (2003, p. 221) define pragmática13 como “uma das disciplinas que se situam no campo da lingüística aplicada, se ocupa da descrição do uso da linguagem (não de seu conhecimento).”. Para diferenciar o léxico comum da terminologia, a autora propõe cinco fatores pragmáticos:

a) a função básica a que se propõem as unidades

b) a temática de que tratam as unidades

c) os usuários

d) as situações comunicativas

e) os tipos de discurso (ibid.)

Para ilustrar esses fatores, a autora cria um quadro-síntese comparativo entre o léxico comum e a terminologia, que transcrevemos a seguir.

13 O termo pragmática, relacionado a diversas correntes lingüísticas pode ter sua noção esvaziada. Marcuschi (2008) bem observa que o termo, vindo da filosofia da linguagem (Wigenstein e Austin), não atinge a lingüística como um todo. Do “dizer é fazer” aos estudos lingüísticos centrados na língua como forma de ação, a pragmática oferece novos paradigmas de análise da língua. (MARCUSCHI, 2008, p. 39). Já no verbete <pragmática> do Dicionário de análise do discurso, Charaudeau & Maingueneau (2004), o termo como substantivo designa uma subdisciplina da lingüística; como adjetivo, pragmática remete ao conceito proposto por Morris, à clássica tripartição dos componentes da língua, em que o pragmático está para “as relações dos signos com seus usuários, tanto pelo uso como pelos seus efeitos.” Para Marcuschi (2008), “a pragmática é todo o estudo da língua relacionado a fatores contextuais e discursivos, tendo como foco de análise os usos e não as formas.” (ibid.) Em acréscimo a essa referência, destacamos os estudos dos filósofos da linguagem da escola de Oxford, em especial, os de Austin que tratam dos atos

de fala, ou, em uma frase clássica: o que se faz quando de fala. No contexto dos manuais, podemos introduzir a

questão: o que se faz quando se fala (quando se faz uso de manuais técnicos)? A resposta é um tanto óbvia: faz-se uso de terminologia própria da área, uma vez que, conforme Krieger (KRIEGER, MACIEL, 2001, p. 34) “A terminologia, compreendida como componente lexical das comunicações especializadas, integra a história da humanidade, constituindo-se em expressão dos saberes técnicos e científicos.” Entretanto, a questão que nos motiva é: como essa terminologia se constitui e assume nos manuais técnicos o traço do “fazer”, em que “dizer é fazer”?

LÉXICO COMUM TERMINOLOGIA

FUNÇÃO BÁSICA FUNÇÃO BÁSICA

conativa, emotiva, fática e outras Referencial

TEMÁTICA TEMÁTICA

genérica específica

USUÁRIOS USUÁRIOS

gerais especializados

SITUAÇÃO COMUNICATIVA SITUAÇÃO COMUNICATIVA

-formalizada +formalizada

DISCURSO DISCURSO

geral profissional e científico

Quadro 1 – Fatores pragmáticos que permitem diferenciar o léxico comum da terminologia Fonte: Cabré, 2003, p. 222

A fim de sermos fiéis aos princípios da teoria, destacamos abaixo o que é relevante a esta tese. A partir do quadro 2, Cabré comenta as características da terminologia (termo de especialidade), atribuindo traços distintivos, a saber:

a terminologia

- serve para denominar a realidade;

- exerce a função fundamentalmente referencial;

- denomina uma ciência, uma técnica, uma atividade restrita. Na terminologia,

- seus usuários são os especialistas de um determinado campo de especialidade;

- as situações de uso são de natureza formal. (ibid., p. 223)

Cabré, ao apresentar a terceira característica da terminologia – denominar uma ciência, uma técnica, uma atividade escrita – afirma que “uma unidade adquire a condição de termo só se se situa na estrutura de um campo de especialidade” (ibid.). Ora, essa declaração ou observação, ao nosso entender, fortalece a estrutura lingüística, aqui, interpretada como o texto de especialidade, no conjunto de sua organização interna, com suas características sintático-semânticas e com o limite de sua extensão. Interpretamos que “adquirir a condição de termo” contém o pressuposto de que não há, por si só, uma distinção entre termos e palavras do léxico geral. Ora, se estamos interpretando coerentemente os princípios da TCT,

ousamos dizer que “adquirir a condição de termo” é passar pelo processo de ativação terminológica, ou seja, para uma unidade adquirir a condição de termo, conforme postula Cabré, necessita de um ambiente de um texto especializado. Ponderamos, entretanto, que deve haver, além dos critérios pragmáticos e comunicativos, determinadas condições lingüístico- textuais que propiciem a ativação de unidades léxicas ao estatuto de termo, ou seja, não são as condições gerais do texto de especialidade, circunscritas a condições pragmáticas, as únicas responsáveis pela ativação de unidades léxicas em unidades terminológicas. Em vista disso, passamos a inscrever este trabalho numa perspectiva de estudos texto.