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A Terminologia, junto com a lexicologia e a lexicografia, integra o campo que se convencionou denominar Ciências do Léxico. Entre esses três domínios de saber e de práticas

lingüísticas, a Terminologia11 é o mais jovem. Apesar dessa juventude, de acordo com Rondeau (1984):

A terminologia não é um fenômeno recente. Com efeito, tão longe quanto se remonte na história do homem, desde que se manifesta a linguagem, nos encontramos em presença de línguas de especialidade, é assim que se encontra a terminologia dos filósofos gregos, a língua de negócios dos comerciantes cretas, os vocábulos especializados da arte militar, etc. (RONDEAU, 1984, p.1)

Na realidade, o novo é a Terminologia enquanto campo de conhecimento que possui uma dupla face: teoria e aplicação. Em ambos os casos, a Terminologia tem como objeto primeiro de estudos o termo técnico-científico, também denominado unidade lexical especializada, tendo em vista que o léxico é o componente básico, caracterizador e essencial de toda comunicação profissional ainda que não seja o único. O fato de a terminologia ser um componente lingüístico essencial de toda e qualquer comunicação profissional traz em seu bojo dois aspectos relacionados à sua funcionalidade que são merecedores de destaque:

a) estabelecer e veicular conceitos próprios dos domínios do conhecimento científico, técnico, tecnológico, jurídico entre outros;

b) contribuir para a precisão conceitual.

No primeiro caso, vale observar que, conforme Benveniste (1989):

A constituição de uma terminologia própria marca, em toda ciência, o advento ou o desenvolvimento de uma conceitualização nova, assinalando, assim, um momento decisivo de sua história. Poder-se-ia mesmo dizer que a história particular de uma ciência se resume na de seus termos específicos. Uma ciência só começa a existir ou consegue se impor na medida em que faz existir e em que impõe seus conceitos, através de sua denominação. (BENVENISTE, 1989, p.252)

A afirmação de Benveniste reitera que, realmente, termos técnico-científicos ou vocabulários especializados são formas de expressão de grande significado nas comunicações que versam sobre as ciências, as técnicas e as tecnologias. Há muito, os cientistas cunharam termos específicos para expressar os conceitos de suas áreas de conhecimento e para

11 Há uma distinção necessária de se registrar entre Terminologia (com T maiúsculo) e terminologia (com t minúsculo). A primeira designa a disciplina ou o campo de estudos; a segunda, um conjunto de termos, como por exemplo, a terminologia do Direito, ou a terminologia da gastronomia francesa.

denominar os produtos de suas descobertas. Do mesmo modo, o desenvolvimento dos campos técnicos e tecnológicos exigiu a utilização de terminologias próprias.

Ora, ao ser destacada a funcionalidade da terminologia, ou seja, seu papel na transmissão e divulgação do conhecimento no campo das ciências e das técnicas, entende-se que ela não é um componente acessório; ao contrário, é de tal forma essencial, que não há comunicação profissional sem termos técnico-científicos:

Para os especialistas, a terminologia é o reflexo formal da organização conceitual de uma especialidade e um meio inevitável de expressão e comunicação profissional. (CABRÉ, 1993, p.37)

A terminologia, compreendida tal como apresenta Cabré (1993), tem um papel distintivo como componente lexical das comunicações especializadas, além de integrar a história da humanidade e constituir-se em expressão dos saberes técnicos e científicos.

Apesar de ser uma prática antiga, como bem expressa Rondeau, a história da terminologia é ainda recente, seja ela contada sob o prisma do manejo e controle social do(s) vocabulário(s) especializado(s), seja como objeto de teorias e descrições lingüísticas. Todos esses aspectos situam o interesse pela terminologia bem como seu desenvolvimento mais expressivo na segunda metade do século XX.

Esse desenvolvimento relaciona-se, em primeiro plano, com a grande proliferação dos termos técnicos e/ou científicos. Trata-se de um fenômeno resultante do acelerado avanço da ciência e da tecnologia, uma das mais marcantes características do final do milênio, conforme referido no capítulo anterior. Além disso, no atual mundo globalizado – nas esferas comercial, produtiva, financeira e tecnológica -, cresce o interesse pela utilização adequada das terminologias em razão de sua contribuição à eficiência dos processos comunicativos. Isso porque, como se sabe, as comunicações profissionais articulam-se ao modo de linguagens especializadas, as quais compreendem, em larga medida, seus termos técnicos. (KRIEGER, 1998)

Por sua vez, os tradutores técnicos, bem como outros usuários diretos e indiretos das linguagens de especialidade, sentem a necessidade de ampliar sua competência terminológica para atender à crescente demanda das traduções técnicas.

Independentemente de propósitos diferenciados e de interesses particulares por alguma das faces da terminologia, como o manejo político, a normatização, a tradução, a terminografia e a descrição, esse campo de conhecimento está hoje consolidado.

É um campo de conhecimento com identidade própria no universo das ciências do léxico. É necessário e merece ser dito que a terminologia alinha-se à lexicologia, à semântica e à própria lexicografia, mas com o objeto próprio que lhe coube privilegiar: o termo técnico e/ou científico. A consolidação da terminologia está, em muito, relacionada ao incremento das investigações terminológicas de base lingüístico-comunicacional, desenvolvidas primordialmente nos anos 1990. Tal incremento responde também pela importante revisão que os estudos terminológicos estão sofrendo, fundamentada numa concepção lingüística sobre a natureza e funcionamento dos termos. Destaca-se nesse sentido, a Teoria Comunicativa da Terminologia (TCT), desenvolvida por Maria Teresa Cabré e seu grupo de colaboradores, da Universidade de Pompeu Fabra, em Barcelona.

Em especial, estão sendo revisionadas as bases clássicas da disciplina, estabelecidas por Eugen Wüster nos anos 1960 e que deram origem à Teoria Geral da Terminologia (TGT)12. Em torno da teoria clássica, de cunho normativo, desenvolve-se a chamada Escola de Viena. Embora Wüster tenha concebido o caráter interdisciplinar da terminologia, incluindo a lingüística como um de seus pólos constituintes, o privilégio atribuído, sobretudo por seus seguidores, ao componente cognitivo dos termos é determinante para o fato de, por muito tempo, o léxico especializado não ter integrado o quadro dos objetos das pesquisas sobre os sistemas lingüísticos (CABRÉ et al., 1988).

Sob o ponto de vista teórico, os estudos terminológicos orientados por Eugen Wüster tinham como objetivo resolver necessidades precisas de comunicação e informação através da observação, descrição, explicação e aplicação de métodos rigorosos (WÜSTER, 1998). A TGT, privilegiando o léxico da língua em detrimento das regras de flexão morfológica ou sintática, enfatizando, em suas investigações, o aspecto sincrônico com vistas a um sistema de conceitos subjacentes à base da língua, postula um rigor na normatização de termos das áreas das ciências e na produção de dicionários especializados nas diversas áreas do saber. Na perspectiva da TGT, termos não pertencem ao sistema lingüístico, na concepção saussuriana (significante e significado), mas sim a um sistema de conceitos, cujas relações lógicas e ontológicas constituem a ampla rede de sistemas conceituais.

Em larga medida, tudo isso está relacionado à concepção de que os termos, articulados ao modo das nomenclaturas técnico-científicas, não são elementos naturais das linguagens naturais em razão da incidência de constituintes gregos e latinos na sua morfologia. Nessa ótica, os termos são compreendidos, em primeiro plano, como unidades de conhecimento e

não enquanto unidades lexicais, ou seja, não como componentes naturais dos sistemas lingüísticos, mas simples etiquetas articuladas em linguagem artificial com o intuito de fugir das ambigüidades do léxico comum. Em outras palavras, a teoria é de caráter onomasiológico, postula a existência do conceito em posição privilegiada às formas lingüísticas, restando à etiquetar os conceitos.

Sem desconsiderar a inegável contribuição da Escola de Viena para o estabelecimento da identidade da área de terminologia e da definição do termo, como seu objeto maior, o debate, centrado na crítica aos fundamentos e métodos da escola clássica, representa uma significativa força motivadora do avanço teórico e aplicado da terminologia.

Cada vez mais estão sendo contestados os fundamentos da TGT que, com seus propósitos normativos, desconsideram o funcionamento da linguagem. Igualmente, a renovação do aparato teórico, metodológico e descritivo da terminologia está relacionada ao reconhecimento de que a adoção de modelos ideais de expressão científica e técnica é responsável pelo apagamento da efetiva realidade das terminologias. Por exemplo, o registro em glossários, dicionários técnicos ou em bancos de dados terminológicos, somente a forma escolhida como ideal, portanto a normatização de um termo técnico, consiste numa negação das práticas discursivas cotidianas que comportam sinonímia e variação. Questiona-se também a utilidade para o usuário de obras de referência de caráter normativo.

Dentre as renovações da abordagem terminológica, há, hoje, nas orientações, entre propostas e teorias, a saber:

a) a socioterminologia (GAUDIN, 1993);

b) a terminologia textual (BOURIGAULT e SLODZIAN, 1999); c) a terminologia sociocognitiva (TEMMERMAN, 2000);

d) a Teoria Comunicativa da Terminologia - TCT (CABRÉ, 2003).

Não é nosso objetivo detalhar cada uma das Terminologias, mas apresentar suas características para justificar nossa escolha teórica.

A socioterminologia está associada à escola de Rouen e interessa-se pela estrutura terminológica, considerando a variação lingüística como um fenômeno a ser descrito. O conceito se constrói no discurso e está sujeito a todas as modificações, em função das variáveis sociais e históricas. Destacamos a relevância da proposta como uma das vozes que questionaram os pressupostos da TGT.

A terminologia textual, proposta por Bourigault e Slodzian, postula que (1) o texto é o ponto de partida para a descrição textual a ser construída; e (2) o termo é o produto de um trabalho de análise, conduzido pelo lingüista terminólogo. Para consolidar a proposta, os

autores criam condições para a descrição das unidades lexicais e validação dos termos. Decidimos em não elege essa teoria como orientação teórica metodológica, por entender que a proposta esvazia o estatuto do termo já consolidado na TCT.

A terminologia sociocognitiva, cuja referência é Termmerman, coloca em evidência o conceito quanto à sua natureza, com possibilidades de variação. Daí a proposta de trabalhar com a denominação para os termos como unidades de compreensão, visto que destaca os fenômenos cognitivos para a produção das denominações. Essa abordagem não integrará a proposta desta tese, ainda que trabalhemos com as condições gerais cognitivas, componente intrínseco da linguagem.

A Teoria Comunicativa da Terminologia (TCT) (CABRÉ, 2003), de base lingüístico- comunicativo-comunicacional, com uma forte ascendência das relações mente/linguagem, trata do termo em seu espectro dos traços distintivos para estudo do significado. A concepção de termo como um objeto poliédrico permite, de certa forma, a associação de disciplinas diferentes para a realização da análise dos termos. Maria Teresa Cabré, referência da TCT, propõe a Teoria das Portas para dar conta do caráter poliédrico dos termos. Nessa teoria, os termos são descritos como unidades de forma e conteúdo (signos lingüísticos) que podem adquirir valor especializado dependendo do uso. Assim, a teoria agrega o princípio de integração de várias teorias para a análise dos diferentes aspectos de um termo e postula que a comunicação especializada não é distinta da comunicação geral, o conhecimento específico não é uniforme nem independente de situações de comunicação; destaca que os termos são unidades recursivas e dinâmicas podendo transitar entre léxico comum e o especializado. Na perspectiva da teoria, o tratamento dado aos termos deve ser multidimensional, uma vez que terminologia pertence a um domínio interdisciplinar em que interagem os aspectos cognitivos, lingüísticos, semióticos e comunicativos.