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A Teoria Semiolingüística (CHARAUDEAU, 2001) trata das competências discursivas de comunicação e propõe a retomada17 de aspectos da pragmática, da enunciação e da sociolingüística dentro de uma teoria do sujeito, para postular que “a construção do sentido, mediante qualquer ato de linguagem, procede de um sujeito que se dirige a outro sujeito dentro de uma situação de intercâmbio específica, que sobredetermina parcialmente a eleição dos recursos de linguagem que possa usar”. 18 (ibid., p. 13). A partir desse postulado, com destaque para os termos sujeito19, situação de intercâmbio, recursos de linguagem, Charaudeau propõe um modelo analítico das competências do sujeito, com três níveis e três tipos de competência: nível situacional e competência situacional; nível discursivo e competência discursiva; nível semiolingüístico e competência semiolingüística. Esses três níveis e competências serão explicitados à medida que a análise for apresentada.

17 Charaudeau, ao propor a retomada da pragmática, da enunciação e da sociolingüística, busca responder como articular o interno lingüístico com o externo do social e, concomitantemente questiona se há necessidade de distinguir

situação de comunicação e situação de enunciação.

18 A tradução do texto é de nossa responsabilidade. Texto original: La construcción del sentido, mediante cualquier acto de lenguaje, procede de um sujeto que se dirige a outro sujeto, dentro de uma situación de intercâmbio específica, que sobredetermina parcialmente la elección de los recursos de lenguaje que pueda usar. (Charaudeau, 2001, p.13). 19 Escalremos a noção de sujeito. Para Charaudeau, as estratégias do enunciativo estão relacionadas às atitudes enunciativas que o sujeito constrói a partir da situação de comunicação, da imagem que tem de si e que deseja transmitir e da que deseja atribuir ao outro. O sujeito elabora um Eu e um Tu da enunciação. Nesse nível, destaca o autor, o sujeito faz uso do jogo da modalização do discurso e dos papéis enunciativos, definidos e classificados por Charaudeau como papéis de ordem: elocutivo, em que o sujeito situa o propósito comunicativo em relação a si mesmo; delocutivo, em que o sujeito situa o propósito enquanto tal, como se não fosse responsável por ele; alocutivo, em que o sujeito impõe ao outro o propósito comunicativo.

Destacamos de antemão que, entre as propostas teóricas para a análise do corpus – manuais técnicos -, elegemos as orientações de Chataudeau (2001) por considerá-las adequadas aos propósitos desta tese: tratar das relações entre tipologia textual e ativação da terminologia.

A escolha dessa proposta teórica como recurso metodológico para a análise dos textos do corpus exige que comentemos algumas implicações em relação a textos de manuais técnicos. De início, destacamos que manuais técnicos têm como objetivo atender a necessidades comunicativas de seus usuários sobre os procedimentos de uso, entre eles, os mais recorrentes referem-se à instalação, à manutenção e à resolução de problemas, constituindo-se, em razão disso, dentro de uma situação de intercâmbio específica da comunicação técnica. Identificamos essa especificidade da comunicação técnica em razão dos seguintes itens:

(a) pela natureza temática que envolve um saber especializado;

(b) pelas características do léxico empregado nos textos – trata-se de textos com conceitos próprios do conhecimento técnico evidenciados em termos específicos de uma determinada área;

(c) pelo cenário comunicativo de que participam esses termos, que é caracterizado por um dever-fazer entre os protagonistas da comunicação, evidenciando a regularidade do caráter deôntico da linguagem.

Em princípio, presumimos que a especificidade identificada nos itens (a), (b) e (c) deverá sobredeterminar os recursos de linguagem a serem usados em situações de intercâmbio que reúnem as peculiaridades da comunicação técnicas em manuais.

Nessa mesma direção, retomamos o que Alain Rey apresenta no artigo A terminologia entre a experiência da realidade e o comando dos signos (2007). Ao demarcar, entre quatro áreas, uma que trata do objeto técnico, estabelece que as terminologias estão “estruturadas de acordo com a função (por exemplo, ferramentas, máquinas e instrumentos) ou uma seqüência de atividades práticas objetivando alcançar certos resultados” (REY, 2007, p. 336). As observações de Rey são indispensáveis para ponderarmos que, na comunicação técnica ou de especialidade, a situação de intercâmbio específica e a área das terminologias estão em conjunção, isto é, a situação de intercâmbio sobredetermina os recursos de linguagem, e a área do conhecimento, identificada pela terminologia, distingue o nível da especificidade da situação de intercâmbio.

(a) manuais técnicos são constituídos de seqüências textuais cuja finalidade é a de alcançar resultados e tematizar um objeto técnico técnico ou tecnológico;

(b) os recursos de linguagem devem atender às forças do propósito comunicativo, ou seja, a de levar alguém a realizar algo; e

(c) devem evidenciar necessariamente a terminologia da área e as estruturas de texto que manifestam as características da prescrição.

Para atender, inicialmente às questões textuais, justificamos a escolha por essa abordagem teórica em razão da versatilidade operatória do modelo que se propõe a dar conta das relações de comunicação entre os sujeitos que participam de uma determinada interação comunicativa. Nesse ponto, apontamos algumas questões que envolveram a análise dos manuais:

(a) quem são os protagonistas do intercâmbio comunicativo nos manuais técnicos?

(b) qual a finalidade dos manuais técnicos? (c) qual a área técnica dos manuais técnicos? (d) o que tematizam?

(e) do que tratam?

(f) como estão organizados?

(g) como o protagonista ou protagonistas constrói /constroem o discurso dos manuais técnicos?

(h) que escolhas gramaticais, lexicais e textuais foram feitas?

Igualmente justificamos nossa escolha pelo modelo das competências comunicativas por entender que, ao tratarmos das relações textuais e discursivas em manuais técnicos, impõe-se a necessidade de explicitarmos os sujeitos envolvidos no intercâmbio da comunicação nos três níveis constitutivos do modelo: o situacional, o discursivo e o semiolingüístico. Além desses aspectos, consideramos igualmente relevante, na análise dos textos que constituem os manuais técnicos, contemplar a construção de sentido nos atos de fala que evidenciam as características da linguagem prescritiva, presente em manuais, cuja finalidade é a de conduzir alguém a realizar algo de um determinado modo. Conforme Charaudeau (2006), as características da prescrição estão relacionadas ao objetivo de um ato

de linguagem que consiste em “querer fazer fazer” 20 [grifo nosso], isto é, “levar o outro a agir de uma determinada maneira”. (CHARAUDEAU, 2006, p. 69). Desse modo, admitimos que, nos textos em estudo, os recursos de linguagem que podem ser usados em manuais técnicos estarão circunscritos às condições situacionais, discursivas e semiolingüísticas, e neste nível, o semiolingüístico, imprimimos o destaque para a terminologia da área de estudo e a orientação sintático-semântica para a construção do gênero textual manual técnico.

Explicitando os três níveis, temos que:

(a) a competência situacional diz respeito à aptidão do sujeito que se comunica para construir seu discurso em função da identidade dos protagonistas do intercâmbio comunicativo, da finalidade desse intercâmbio, do propósito e das suas circunstâncias materiais;

(b) a competência discursiva “determina a capacidade de manipulação (EU)/reconhecimento (TU) das estratégias de mise en scène”. (CHARAUDEAU, 2001, p. 15) as estratégias de mise en scène se desprendem do nível situacional, pois são atitudes enunciativas que o sujeito falante constrói em função dos elementos da situação, elaboradas a partir de um Eu e um Tu da enunciação. Esse nível comporta três ordens discursivas: a enunciativa, a enunciatória e a semântica;

(c) a competência semiolingüística diz respeito ao sujeito para manipular- reconhecer a forma dos signos, suas regras combinatórias e seu sentido, considerando o marco situacional e as condições do discurso. Charaudeau (2001, p.17) destaca que é nesse nível que se constrói o texto 21. Relaciona- se a esse nível a competência semiolingüística que compreende outros três níveis, cada um deles requerendo um saber-fazer em termos de composição do texto, construção gramatical e uso adequado das palavras.

O plano da competência semiolingüística, por ser responsável pela produção do texto, compreendendo construção gramatical e uso adequado de palavras, constituiu-se em espaço privilegiado para abrigar as relações entre tipologia textual e ativação da terminologia.

20 Patrick Charaudeau, na obra Discursos da Mídia, esclarece que há quatro tipos de objetivos ou visadas relacionadas à finalidade de um ato de linguagem. Os quatro tipos de visadas podem combinar-se entre si e são operatórias, a saber: “a prescritiva, que consiste em ‘fazer fazer’ (...); a informativa, que consiste em querer ‘fazer saber’ (...); a incitativa que consiste em querer ‘fazer crer’ (...); a visada do phatos, que consiste em ‘fazer sentir’.

21 Para Patrick Charaudeau, texto é o resultado de um ato de linguagem produzido por um dado sujeito dentro de uma situação de intercâmbio social dada e possuindo uma forma peculiar.

Trata-se, assim, de identificar mecanismos relacionados ao processo de construção que demanda, segundo Charaudeau:

(a) um saber-fazer relativo à elaboração do texto no mais amplo domínio e reconhecimento de critério relacionados à sua organização interna, à seqüência entre as partes, ao domínio do sistema anafórico e das interações; (b) um saber-fazer relativo à construção gramatical: vozes verbais, conectores,

modalização, etc.;

(c) um saber-fazer de “uso adequado das palavras e o léxico segundo o valor social que transmitem.” (ibid.)

Vale salientar que, apesar do reconhecimento dessas competências, a teoria semiolingüística limita-se a ver no léxico apenas o seu valor social. De fato, o uso do léxico é um critério muito amplo para um saber-fazer relativo ao uso das palavras. Argumentamos que léxico não está relacionado unicamente ao valor social, mas também ao valor científico e técnico. Logo, poderíamos ampliar a questão de uma competência semiolingüística para o saber-fazer uso de terminologias. Justifica-se, assim, também, a necessidade de um aporte teórico que oriente a investigação dos mecanismos lingüísticos que propiciam a ativação do léxico terminológico. Isso implica uma descrição de aspectos sintático-semânticos das estruturas frasais que compreendem unidades terminológicas. Trata-se de estruturas que denominamos fraseamento, conforme será especificado.

Nesse capítulo de fundamentação teórica, procuramos destacar as escolhas que elegemos como orientadoras deste trabalho sob os ângulos dos estudos terminológicos e de texto. Com isso, reiteramos o princípio das relações termo e texto, bem como o fato de que o termo é, para além de seu valor social, um componente lingüístico essencial de toda e qualquer comunicação profissional. Essas escolhas conduzirão a abordagem dos manuais para o exame da terminologia. Não obstante, cumpre ainda referir que alguns estudos de caráter sintático e semântico proposto especialmente por Berg (2005) e Moura Neves (2000) também corroboram o quadro teórico-metodológico desta tese, conforme adiante especificado.

4 CONSTITUIÇÃO DO CORPUS

Organizamos este capítulo com o propósito de contextualizar o campo de investigação, explicar a constituição do corpus e apresentar o objeto que tematiza o estudo. Vale esclarecer que nosso interesse em trabalhar com manuais técnicos levou-nos a buscar empresas que desenvolvessem produtos tecnológicos e documentassem-nos em manuais. Embora soubéssemos das possibilidades de trabalhar com um corpus de um banco de dados, procuramos o Pólo de Informática - Unidade de Desenvolvimento Tecnológico - da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unitec-Unisinos). O Pólo está vinculado aos cursos de Informática e abriga dois estágios: a incubadora empresarial e o condomínio de empresas. Atualmente há 10 empresas no parque tecnológico, 11 na Incubação e 01 no Condomínio22.

A partir da identificação da empresa, pesquisaríamos os manuais cujo propósito comunicativo configurasse orientações de uso, seja instalação, seja operação, de um produto tecnológico. Com esses critérios, estabelecemos as seguintes etapas de percurso:

(a) delimitação do campo de pesquisa; (b) coleta do manuais;

(c) seleção dos manuais quanto à reputação das fontes;

(d) organização dos manuais em arquivos para submissão à análise em instrumentos de tratamento de dados;

(e) identificação do número de palavras. A seguir, apresentamos as estapas realizadas.