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PRINCIPAIS MODIFICAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI N° 13.491/17

3 LEI N° 1.491 DE 1 DE OUTUBRO DE 2017

3.2 PRINCIPAIS MODIFICAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI N° 13.491/17

Para a identificação das alterações mais relevantes, deve-se, inicialmente, aprofundar os conhecimentos acerca dos temas já estudados, além, é claro, de estabelecer um comparativo entre a redação do Código Penal Militar, antes e depois da Lei n° 13.491/17, de modo a pontuar quais dispositivos foram alterados ou acrescentados.

3.2.1 Ampliação do rol de crimes militares

Conforme já foi visto no capítulo anterior, a nova lei criou uma nova modalidade de crimes militares impróprios, os chamados crimes militares por extensão, denominação cunhada por Roth (2017).

Destarte, a importância da ideia adotada pelo legislador quando da criação de um sistema indireto para a adequação do crime militar, nas palavras de Assis (2018):

[...] o legislador originário do Código Penal Militar adotou, para a caracterização do crime militar um modelo de tipificação indireta: em primeiro lugar se verificava se o fato a ser analisado estava ou não previsto no CPM, para depois subsumi-lo à [sic] uma das hipóteses do seu art. 9º.

Embora a nova lei tenha trazido para o contexto militar toda a legislação penal (Código Penal Comum e Legislação Extravagante), isso não basta para que de fato ocorra o Crime Militar, sendo necessário que o fato criminoso se amolde em algumas das alíneas do inciso II do artigo 9° do CPM, como adiante se verá em cada uma destas alíneas:

Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz: [...]

II – os crimes previstos neste Código e os previstos na legislação penal, quando praticados: (Redação dada pela Lei nº 13.491, de 2017)

a) por militar em situação de atividade ou assemelhado, contra militar na mesma situação ou assemelhado;

b) por militar em situação de atividade ou assemelhado, em lugar sujeito à administração militar, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil;

c) por militar em serviço ou atuando em razão da função, em comissão de natureza militar, ou em formatura, ainda que fora do lugar sujeito à administração militar contra militar da reserva, ou reformado, ou civil

d) por militar durante o período de manobras ou exercício, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil;

e) por militar em situação de atividade, ou assemelhado, contra o patrimônio sob a administração militar, ou a ordem administrativa militar; (BRASIL, 1969).

Retornando aos pontos já elencados ao longo do presente trabalho monográfico, observa-se que, embora a CRFB/88 (art.124) adote o critério ratione legis para estabelecer a competência da Justiça Militar, o legislador infraconstitucional utilizou-se dos demais critérios no dispositivo legal em destaque, como forma de subsumir as condutas criminosas à legislação Penal Militar. Nesse prospecto, verifica-se que o critério ratione personae é encontrado na alínea “a”, enquanto que o critério ratione loci, ratione temporis e ratione materiae constam nas alíneas “b”, “d” e “e”.

Roth (2018), em comentários às alíneas previstas no inciso II, explica da seguinte forma:

De todas as hipóteses previstas no inciso II do art. 9º do CPM, a de maior incidência é aquela praticada pelo militar em serviço ou em razão da função, porquanto são as situações em que o militar pratica um fato típico penalmente no exercício de sua atribuição constitucional e legal, cuja apuração dos fatos deve ser realizada pela Polícia Judiciária Militar que tem atribuição constitucional para tanto (art. 144, § 4º, in fine) e o processo e julgamento será realizado perante a JMU (art. 124, CF), ou perante a JME (art. 125, § 4º, CF, grifos do autor).

No âmbito das Polícias Militares, esse inciso torna-se a principal fonte canalizadora de Inquéritos Policiais Militares (IPM), uma vez que os Militares Estaduais estão diuturnamente em contato com a população civil, atendendo as mais diversas ocorrências, desde uma simples informação a um cidadão até o confronto armado com bandidos de alta periculosidade. Situação totalmente adversa ocorre com os Militares Federais, que, em regra, possuem atribuições constitucionais voltadas à segurança externa e, como tal, não estão a todo tempo em contato com a população civil, muito embora esse panorama está se alterando com a constante utilização das Forças Armadas em operações de GLO.

3.2.2 Crimes dolosos contra a vida de civil

Outro importante ponto a ser analisado, é a inclusão da nova redação dada pela lei n° 13.491/17 ao parágrafo 1°, antigo parágrafo único, e a inclusão do parágrafo 2° no artigo 9° do CPM, os quais em suma, dividem, de forma expressa, a competência quando do cometimento de crimes dolosos contra a vida de civis, dando tratamento diverso a Militares Federais e Militares Estaduais.

O antigo parágrafo único, com redação dada pela lei n° 12.432/2011, teve seu texto alterado, de modo a comportar a divisão acima mencionada, como se observa no texto antes da reforma, in verbis:

Parágrafo único. Os crimes de que trata este artigo quando dolosos contra a vida e cometidos contra civil serão da competência da justiça comum, salvo quando praticados no contexto de ação militar realizada na forma do art. 303 da Lei no 7.565,

Agora veja-se o texto dado pela Lei n° 13.491/17, que criou o § 1º: “Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos por militares contra civil, serão da competência do Tribunal do Júri”. (BRASIL, 1969).

Em rápida análise, a nova redação do § 1o mostra-se perfeitamente harmoniosa com

o § 4 do artigo 125 da CRFB/88, alterado pela Emenda Constitucional n° 45 de 2004, ao ponto que ambas contemplam e afirmam a competência do Tribunal do Júri quando o autor for Militar Estadual e o cometimento do crimes dolosos contra a vida tiver como sujeito passivo um civil. Contudo, a antiga redação do parágrafo único do Artigo 9°, embora trouxesse consonância com a CRFB/88, elencava uma ressalva quanto à competência do Tribunal do Júri, sendo esta relativa às ações militares realizadas na forma do artigo 303 da Lei nº 7.565/86, sendo citado, como exemplo clássico, o tiro de abate, como último recurso, contra aeronaves identificadas como hostis em espaço aéreo brasileiro.

Logo, em verificação ao novo § 2° do artigo 9°, pode-se observar que o legislador efetuou um alargamento das ressalvas contidas no antigo parágrafo único, antes adstrito à Lei n° 7.565/86 e agora podendo abarcar outras possibilidades, como se vê:

§ 2° Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos por militares das Forças Armadas contra civil, serão da competência da Justiça Militar da União, se praticados no contexto:

I – do cumprimento de atribuições que lhes forem estabelecidas pelo Presidente da República ou pelo Ministro de Estado da Defesa;

II – de ação que envolva a segurança de instituição militar ou de missão militar, mesmo que não beligerante; ou

III – de atividade de natureza militar, de operação de paz, de garantia da lei e da ordem ou de atribuição subsidiária, realizadas em conformidade com o disposto no art. 142 da Constituição Federal e na forma dos seguintes diplomas legais:

a) Lei no 7.565, de 19 de dezembro de 1986 - Código Brasileiro de Aeronáutica; b) Lei Complementar no 97, de 9 de junho de 1999;

c) Decreto-Lei no 1.002, de 21 de outubro de 1969 - Código de Processo Penal Militar; e

d) Lei no 4.737, de 15 de julho de 1965 - Código Eleitoral. (BRASIL. 2017). Nesse diapasão, o referido dispositivo traz uma grande e significativa modificação para a Justiça Militar da União, pois elenca uma série de hipóteses, sob as quais será competente para julgar os Militares das Forças Armadas (Marinha, Exército e Aeronáutica) quando do cometimento de crimes dolosos contra a vida de civis, ou seja, estabelece as exceções, pois a regra é que tais crimes sejam julgados pelo Tribunal do Júri.

O primeiro inciso, trata de uma previsão ampla, do cumprimento de atribuições específicas por determinação do Presidente da República ou do Ministro de Estado da Defesa, como na hipótese de atuação específica de militares do Exército na faixa de fronteira terrestre e de militares da Marinha no mar. O segundo inciso trata de circunstâncias que podem ocorrer no cotidiano dos serviços militares, como, por exemplo, a morte de um civil invasor por uma

sentinela que guarnecia o quartel. Por fim, o inciso terceiro, dentre outras, dispõem sobre o emprego de forças militares federais em operações de Garantia da Lei e da Ordem- GLO, ações que vêm sendo utilizadas pelo chefe do Executivo com certa constância. (FOUREAUX, 2017). Lima (2017), em vídeo aula de atualização, exemplifica e esclarece sobre as alíneas que integram o inciso III, § 2° do artigo 9°. Quanto à alínea “a”, tem-se, por exemplo, o tiro de abate, quando do ingresso de aeronaves hostis no espaço aéreo brasileiro; na alínea “b”, trata da Lei Complementar n° 97/99, citando, por exemplo, a morte de um civil em sede de Operação de Garantia da Lei e da Ordem quando da ocupação do complexo da Maré, Rio de Janeiro; a alínea “c” menciona o CPPM, por exemplo: o militar em atividade de Polícia Judiciária Militar, encarregado de um Inquérito Policial Militar que mate um civil; e, por fim, na alínea “d”, tem- se, como exemplo, o homicídio de um civil por um Militar Federal em operação de apoio às eleições.

Assis (2018, p. 83) tece algumas críticas ao estabelecimento do disposto em tela: Em relação ao novel § 2° do artigo 9°, do CPM que fixou a competência da Justiça Militar para os crimes dolosos contra a vida de civis praticados por militares das Forças Armadas, não há como não deixar de ser perceber indisfarçável discriminação com relação aos militares estaduais.

Ora, do ponto de vista ôntico [...] um homicídio doloso apresenta-se da mesma forma, em qualquer parte do mundo, independente inclusive do fato da vítima ser militar ou civil ou, do fato do agente ser militar federal ou estadual.

Importa salientar que, embora à primeira vista pareça ser desproporcional o tratamento dado aos Militares Federais e Estaduais, o legislador infraconstitucional ficou adstrito ao disposto na Constituição Federal de 1988, sendo que essa prevê, de forma expressa, o julgamento de militares estaduais pelo Tribunal do Júri, quando do cometimento de crimes dolosos contra a vida de civis (§ 4º do artigo 125 da CRFB/88), de outra sorte, a Constituição é silente no que tange aos militares federais (SEÇÃO VII da CRFB/88), não fixando em momento algum a competência para o julgamento de crimes dolosos contra a vida de civis.

Ainda sobre o tema, pendem as críticas daqueles que creem que o rol de possibilidades elencadas nos incisos e alíneas do § 2° do art. 9° são tão abrangentes que, praticamente, incorporam todas as situações que envolvem militares fora dos serviços usuais e de rotina, como relata Machado (2017) em publicação na rede mundial de computadores:

Frise-se que o suposto “rol taxativo de hipóteses” (excepcionais?), inaugurado pelo § 2º, do artigo 9º, do CPM, apresenta, na verdade, uma amplitude linguística [sic] que se presta a qualquer situação de (ab)uso. É plenamente possível, com base apenas nesse dispositivo, sem filtragem constitucional ou convencional, à semelhança do que já ocorre com a (des)cautelaridade processual da prisão preventiva do artigo 312 do CPP, toda sorte de violações aos direitos e garantias individuais. Isso porque a norma em comento indica a tutela dos mais variados interesses: de governo (inciso I), de vigência institucional militar mesmo fora de guerra declarada (inciso II) ou de segurança interna para a garantia da lei e da ordem (inciso III). A elasticidade dos significantes, definitivamente, não é por acaso.

Nesse mesmo sentido, Hoffmann e Barbosa (2017) comungam do mesmo entendimento de Machado, muito embora possa parecer tendencioso o posicionamento dos três delegados, justamente, pela função que ocupam.

O que o legislador fez foi verdadeira gambiarra legislativa ao mudar a competência da mesma categoria de delito quando praticado por militares federais contra civis, aproveitando-se do silêncio do artigo 124 da CF. Em vez de respeitar a lógica do sistema (julgamento pelo Tribunal do Júri de militares que praticam crimes dolosos contra a vida de civil), estabeleceu uma inexplicável diferenciação no tratamento dos militares agindo em idêntica situação.

Sem dúvidas, essa mudança de competência do Tribunal do Júri para a Justiça Militar da União é uma das mais polêmicas, ao ponto de já estarem tramitando junto ao Supremo Tribunal Federal duas Ações Declaratórias de Inconstitucionalidade, sendo elas: a ADI 5804/17 requerida pela ADEPOL (Associação dos Delegados de Polícia do Brasil) e a ADI 5901/17 de autoria do PSOL (Partido Socialismo e Liberdade) ambas em tramitação no STF, tendo como relator o Ministro Gilmar Mendes (ASSIS, 2017, p. 35).