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Probabilidades multivaloradas

No documento Lógica, probabilidade e consequência (páginas 82-109)

Esta se¸c˜ao apresenta uma proposta de semˆantica probabil´ıstica para um sistema n˜ao- cl´assico desenvolvida por V. Marra em (Mar10). V. Marra especula que, se por um lado, ´e poss´ıvel associar probabilidades a eventos cl´assicos, aqueles que s˜ao formalizados por senten¸cas da l´ogica cl´assica, por analogia tamb´em poderia ser poss´ıvel associar probabi- lidades a eventos n˜ao cl´assicos, que seriam eventos formalizados por senten¸cas de uma l´ogica n˜ao-cl´assica.

Entendendo que o trabalho de um matem´atico ´e perceber analogias, `as vezes frut´ıferas e, `as vezes n˜ao, V. Marra prop˜oe o estudo de probabilidades de eventos formalizados pela l´ogica infinito-valorada de G¨odel. Exploraremos nos pr´oximos par´agrafos este novo ramo de pesquisa incentivado por V. Marra.

A l´ogica de G¨odel ´e definida sobre a extens˜ao da linguagem L com mais dois s´ımbolos: >, o verum, e ⊥, o falsum, que, respectivamente, representam uma senten¸ca sempre verdadeira e uma senten¸ca sempre falsa. Chamamos esta extens˜ao da linguagem de L>⊥. A semˆantica para a l´ogica de G¨odel ´e dada por valora¸c˜oes w : L>⊥ → [0, 1], satisfa- zendo:

• w(⊥) = 0;

• w(ϕ ∧ ψ) = min{w(ϕ), w(ψ)}; • w(ϕ ∨ ψ) = max{w(ϕ), w(ψ)};

• w(ϕ → ψ) = 1, se w(ϕ) ≤ w(ψ) e w(ϕ → ψ) = w(ψ), caso contr´ario; • w(¬ϕ) = 1, se w(ϕ) = 0 e w(¬ϕ) = 0, se w(ϕ) > 0.

A consequˆencia semˆantica para esta l´ogica ´e definida precisamente como no caso cl´assico: para ϕ, ψ ∈ L>⊥, temos ϕ `G ψ se, para toda valora¸c˜ao w, se w(ϕ) = 1,

ent˜ao w(ψ) = 1.

Vejamos, agora, a discuss˜ao que V. Marra faz sobre alguns tipos de eventos forma- lizados por esta l´ogica, eventos g¨odelianos, sobre os quais ´e proposta a associa¸c˜ao de probabilidades.

Ao evento dado pela senten¸ca em linguagem natural “Chove” ´e simples atribuir um valor de verdade: h´a uma medida da quantidade de chuva chamada taxa de precipita¸c˜ao, dada em mil´ımetros por dia - mmdia - de forma que a senten¸ca “Chove” ser´a falsa quando esta medida for de 0mmdia e verdadeira quando a precipita¸c˜ao for diferente disso.

J´a `a senten¸ca, tamb´em em linguagem natural, “Chove muito” ´e mais dif´ıcil precisar quando ´e verdadeira. Nem h´a um consenso sobre isso, mas podemos concordar que ela ser´a verdadeira quando a medida de precipita¸c˜ao for, ao menos, de 300mmdia e ser´a falsa somente quando a precipita¸c˜ao for de 0mmdia.

Al´em disso, se a taxa de precipita¸c˜ao ´e maior que 0mmdia e menor que 300mmdia, podemos entender que a senten¸ca “Chove muito” n˜ao ser´a verdadeira, mas ter´a uma grada¸c˜ao de verdade, um valor de verdade no intervalo aberto (0, 1).

V. Marra alega que a l´ogica de G¨odel modela os seguintes eventos g¨odelianos: • A: “Chove muito”;

• ¬A: “N˜ao chove”; • ¬¬A: “Chove”.

D˜ao suporte a esta alega¸c˜ao as senten¸cas verdadeiras: • `G ¬¬A ∨ ¬A;

Al´em disso, se chove muito, certamente ´e verdade que chove e temos `G A → ¬¬A.

Por outro lado, ´e poss´ıvel que esteja chovendo, sem que esteja chovendo muito. E, tamb´em, temos

0G ¬¬A → A.

Observa-se, tamb´em, que n˜ao ´e necess´ario que seja o caso de chover muito ou, ent˜ao, de n˜ao chover. E, de fato, diferente da l´ogica cl´assica,

0G A ∨ ¬A.

Assim, V. Marra mostra que existe uma maneira de precisar o significado de “Chove”, “N˜ao chove” e “Chove muito” com a taxa de precipita¸c˜ao de forma a obedecer as leis da l´ogica de G¨odel.

Uma primeira tentativa de associar probabilidades `as senten¸cas g¨odelianas A, ¬A e ¬¬A ´e feita obedecendo os axiomas de Kolmogorov para o caso cl´assico, da Defini¸c˜ao 2.2.1. Determinamos, ent˜ao:

• P (A) = q; • P (¬A) = p1;

• P (¬¬A) = p2.

Esta associa¸c˜ao ´e v´alida se, e somente se: • q, p1, p2 ∈ [0, 1];

• q ≤ p2;

• p1+ p2 = 1.

Por´em, V. Marra observa que, se fizermos p02 = p2 − q, teremos que q, p1, p02 ∈ [0, 1] e

q + p1 + p02 = 1, ou seja, uma distribui¸c˜ao de probabilidade para trˆes senten¸cas cl´assicas:

• P (A0) = q;

• P (A1) = p1;

que podem formalizar os eventos cl´assicos: • A0: “Chove muito”;

• A1: “N˜ao chove”;

• A2: “Chove, mas n˜ao muito”.

Dessa forma, o evento “Chove” seria representado por A0 ∨ A2 e, assim, P (A0 ∨ A2) =

P (A0) + P (A2) = q + p02 = p2. A conclus˜ao inevit´avel ´e que as probabilidades multivalo-

radas n˜ao seriam de interesse, pois podemos voltar ao caso cl´assico. Todavia, V. Marra lembra que um evento do tipo “Chove, mas n˜ao muito” n˜ao pode ser representado na l´ogica de G¨odel. Os eventos g¨odelianos A, ¬A e ¬¬A simplesmente n˜ao tˆem a capacidade lingu´ıstica de expressar isso e, portanto, parece que a primeira tentativa falhou.

A nova proposta de V. Marra parte do fato de que segundo o crit´erio adotado, sempre que chove, “Chove muito” (A) ´e uma senten¸ca verdadeira para algum grau de verdade. Logo, se temos a associa¸c˜ao P (A) = 0, devemos ter tamb´em P (¬¬A) = 0 e o novo crit´erio para que q, p1 e p2 sejam probabilidades ´e dador por:

• q, p1, p2 ∈ [0, 1];

• q ≤ p2;

• p1+ p2 = 1;

• Se p = 0, ent˜ao p2 = 0.

V. Marra considera que a resposta a respeito da quest˜ao desta axiomatiza¸c˜ao ser apropriada para as senten¸cas da l´ogica de G¨odel ainda n˜ao foi dada, e abre caminho para uma outra conex˜ao entre probabilidade e valores de verdade.

4.3

Probabilidades paraconsistentes

Assim como no caso da se¸c˜ao anterior, a semˆantica probabil´ıstica para um sistema de l´ogica paraconsistente, proposta por J. Bueno-Soler e W. Carnielli em (BSC15), ´e de desenvolvimento recente. Veremos como definir probabilidades para o sistema Ci, uma L´ogica da Inconsistˆencia Formal (LIF)3 que, por sua vez, ´e uma classe de l´ogicas

paraconsistentes.

3As L´ogicas da Inconsistˆencia Formal s˜ao largamente conhecida pelo nome em inglˆes Logics of Formal

Uma l´ogica paraconsistente consiste de um sistema formal que n˜ao ´e trivializado em presen¸ca de contradi¸c˜oes. Em LPC, por exemplo, ´e v´alida a inferˆencia Pseudo Scotus, em que, para senten¸cas ϕ, ψ ∈ L quaisquer,

ϕ, ¬ϕ ` ψ.

J´a em um sistema paraconsistente esta inferˆencia n˜ao ´e v´alida. N. C. A. da Costa foi um dos pioneiros no estudo dos sistemas paraconsistentes. Em seu Sistemas Formais Incon- sistentes (dC93a), N. C. A. da Costa define uma hierarquia de l´ogicas paraconsistentes, os chamados sistemas Cn, 1 ≤ n < ω. Mais tarde, com a organiza¸c˜ao de alguns sistemas

paraconsistentes na classe das LIFs, pode ser visto que a hierarquia de N. C. A. da Costa ´e formada por sistemas desta classe. Mas, a proposta apresentada a seguir n˜ao ´e base- ada nos sistemas de N. C. A. da Costa e, sim, no sistema Ci, introduzido nos pr´oximos par´agrafos.

As LIFs s˜ao sistemas de l´ogica propostos inicialmente por W. Carnielli que formalizam na dimens˜ao da linguagem-objeto a no¸c˜ao de consistˆencia4. Assim, adicionando a L o operador un´ario de consistˆencia ◦, a nova linguagem chama-se L◦ e uma f´ormula do tipo ◦ϕ ´e lida por “ϕ ´e consistente”.

Em uma LIF, a inferˆencia Pseudo Scotus n˜ao ´e v´alida em geral, mas uma forma mais fraca passa a ser v´alida para senten¸cas consistentes, de modo que a l´ogica cl´assica pode ser recuperada na presen¸ca da consistˆencia. Esta forma mais fraca de Pseudo Scotus, tamb´em conhecida pelo nome de Princ´ıpio da Explos˜ao, ´e chamada de Princ´ıpio da Explos˜ao Gentil e, para senten¸cas ϕ, ψ ∈ L◦ quaisquer, ´e dada por

◦ϕ, ϕ, ¬ϕ ` ψ.

Portanto, uma LIF pode ser definida como um sistema paraconsistente gentilmente explosivo com linguagem L◦5. Ou seja, um sistema l´ogico em que n˜ao vale a inferˆencia Pseudo Scotus, mas ´e v´alido o Princ´ıpio da Explos˜ao Gentil. Formalmente, existem sen- ten¸cas ϕ, ψ ∈ L◦ tais que

ϕ, ¬ϕ 0 ψ, e, para quaisquer senten¸cas ϕ, ψ ∈ L◦,

◦ϕ, ϕ, ¬ϕ ` ψ.

4Otimas referˆ´ encias para estes sistemas s˜ao (CCM03) e (Mar05).

5As LIFs podem ser definidas de uma maneira mais geral sobre a linguagem L de forma a, para uma

senten¸ca ϕ ∈ L, ◦ϕ denotar uma abrevia¸c˜ao para um conjunto de f´ormulas. Ca´ımos na defini¸c˜ao dada no texto no caso deste conjunto ser unit´ario, caso em que o s´ımbolo ◦ possa ser considerado como um operador da linguagem, que ´e o caso do nosso sistema de interesse Ci.

O sistema Ci ´e o sistema de linguagem L◦ axiomatizado por um c´alculo de Hilbert com a regra Modus Ponens dado pelos seguintes esquemas:

Ax1. ϕ → (ψ → ϕ); Ax2. (ϕ → ψ) → ((ϕ → (ψ → γ)) → (ϕ → γ)); Ax3. ϕ → (ψ → (ϕ ∧ ψ)); Ax4. (ϕ ∧ ψ) → ϕ; Ax5. (ϕ ∧ ψ) → ψ; Ax6. ϕ → (ϕ ∨ ψ); Ax7. ψ → (ϕ ∨ ψ); Ax8. (ϕ → γ) → ((ψ → γ) → ((ϕ ∨ ψ) → γ)); Ax9. ϕ ∨ (ϕ → ψ); Ax10. ϕ ∨ ¬ϕ; Ax11. ¬¬ϕ → ϕ; bc1. ◦ϕ → (ϕ → (¬ϕ → ψ)); ci. ¬ ◦ ϕ → (ϕ ∧ ¬ϕ); ccn. ◦¬n◦ ϕ, para n ≥ 06. ´

E interessante que em uma LIF, como em Ci, por exemplo, n˜ao ´e necess´ario que o operador ◦ seja a abrevia¸c˜ao de uma senten¸ca, podendo ser tomado como primitivo. Isto possibilita a investiga¸c˜ao do conceito de consistˆencia pois, em alguns sistemas, este n˜ao ´e um conceito equivalente ao de n˜ao-contradi¸c˜ao7 (CCM03).

Antes de prosseguir, definimos ainda uma part´ıcula bottom em Ci como uma senten¸ca δ ∈ L◦ tal que, para qualquer senten¸ca ψ,

δ `Ci ψ.

Considerando suficiente esta pequena introdu¸c˜ao sobre LIFs e sobre Ci, vamos apre- sentar a semˆantica probabil´ıstica para Ci, conforme J. Bueno-Soler e W. Carnielli prop˜oem em (BSC15).

6Definimos, para ϕ ∈ L, ¬0ϕ = ϕ e ¬n+1ϕ = ¬¬nϕ, para n ≥ 1. 7O sistema C

1 de N. C. A. da Costa, diferente de Ci, ´e um caso em que consistˆencia ´e equivalente a

Defini¸c˜ao 4.3.1. Sejam as senten¸cas ϕ, ψ ∈ L◦. Uma fun¸c˜ao de probabilidade para Ci ´e uma fun¸c˜ao P : L◦ → R que satisfaz os axiomas:

• 0 ≤ P (ϕ) ≤ 1;

• Se `Ci ϕ, ent˜ao P (ϕ) = 1;

• Se ϕ ´e uma part´ıcula bottom, ent˜ao P (ϕ) = 0; • Se ψ `Ci ϕ, ent˜ao P (ψ) ≤ P (ϕ);

• P (ϕ ∨ ψ) + P (ϕ ∧ ψ) = P (ϕ) + P (ψ).

A seguir, veremos alguns primeiros resultados sobre esta semˆantica probabil´ıstica para Ci que, por serem semelhantes ao que temos para a semˆantica probabil´ıstica para LPC, corroboram com a justificativa para esta investiga¸c˜ao. Mas, antes, vejamos mais algumas defini¸c˜oes. Dizemos que duas senten¸cas ϕ, ψ ∈ L◦ s˜ao logicamente incompat´ıveis se, para qualquer senten¸ca γ ∈ L◦,

ϕ, ψ `Ci γ.

Podemos, tamb´em, definir uma nega¸c˜ao cl´assica ∼ em Ci a partir da abrevia¸c˜ao, para ϕ ∈ L◦, ∼ ϕ = ϕ → δ, em que δ ∈ L◦ ´e uma part´ıcula bottom de Ci. Agora, podemos enunciar os seguintes resultados.

Teorema 4.3.1. Sejam ϕ, ψ ∈ L◦ e P uma fun¸c˜ao de probabilidade para Ci. Ent˜ao: 1. P (◦ϕ ∧ ϕ ∧ ¬ϕ) = 0; 2. Se ϕ e ψ s˜ao logicamente incompat´ıveis, P (ϕ ∨ ψ) = P (ϕ) + P (ψ); 3. P (◦ϕ) = 2 − [P (ϕ) + P (¬ϕ)]; 4. P (ϕ ∧ ¬ϕ) = P (ϕ) + P (¬ϕ) − 1; 5. P (∼ ϕ) = 1 − P (ϕ); 6. P (¬ ◦ ϕ) = 1 − P (◦ϕ).

A seguir, ´e definida uma rela¸c˜ao de consequˆencia l´ogica probabil´ıstica para Ci e enun- ciada a corre¸c˜ao e completude deste sistema em rela¸c˜ao a esta rela¸c˜ao.

Defini¸c˜ao 4.3.2. Sejam as senten¸cas ϕ1, . . . , ϕn, ψ ∈ L◦. A rela¸c˜ao de consequˆencia

probabil´ıstica, denotada por

´e definida da seguinte maneira: para toda fun¸c˜ao P de probabilidades para Ci, tal que P (ϕ1) = · · · = P (ϕn) = 1, temos que P (ψ) = 1.

Teorema 4.3.2 (Corre¸c˜ao e Completude). Sejam Γ ⊂ L◦ e ψ ∈ L◦. Ent˜ao, Γ `Ci ψ se, e somente se, Γ |=P ψ.

J. Bueno-Soler e W. Carnielli especulam, ainda, que talvez as aplica¸c˜oes mais interes- santes das probabilidades paraconsistentes se d˜ao no campo da epistemologia Bayesiana por conta de uma vers˜ao paraconsistente da regra de condicionaliza¸c˜ao de Bayes, j´a suge- rida em (Car09). Define-se a probabilidade condicional paraconsistente da mesma forma que a cl´assica, para ϕ, ψ ∈ L◦:

P (ϕ|ψ) = P (ϕ ∧ ψ) P (ψ) .

Assim, a regra paraconsistente de condicionaliza¸c˜ao de Bayes ´e:

P (ϕ|ψ) = P (ψ|ϕ)P (ϕ)

P (ψ|ϕ)P (ϕ) + P (ψ|¬ϕ)P (¬ϕ) − P (ψ|ϕ ∧ ¬ϕ)P (ϕ ∧ ¬ϕ).

Como exemplo de aplica¸c˜ao desta regra, J. Bueno-Soler e W. Carnielli vislumbram o seguinte cen´ario de um teste de doping para uma droga ilegal com informa¸c˜oes inconsis- tentes:

• O teste resulta positivo em 98% dos casos em que o indiv´ıduo faz uso frequente da droga;

• O teste resulta negativo em 90% dos casos em que o indiv´ıduo nunca usou ou n˜ao faz uso frequente da droga;

• ´E sabido que 10% de todos os atletas fazem uso frequente da droga;

• ´E sabido que 95% de todos os atletas nunca usaram ou n˜ao fazem uso frequente da droga;

• ´E sabido que, independente do atleta testado, o teste resulta positivo com probabi- lidade de 0, 12.

Convencionamos as seguintes abrevia¸c˜oes para os eventos: • D: “O teste resultou positivo para um indiv´ıduo”; • C: “O teste resultou negativo para um indiv´ıduo”;

• A: “O atleta testado faz uso frequente da droga”;

• ¬A: “O atleta testado nunca usou ou n˜ao faz uso frequente da droga”. Dessa forma, temos os seguintes valores de probabilidade:

• P (D|A) = 0, 98; • P (C|¬A) = 0, 9; • P (D) = 0, 12;

• P (A) = 0, 1; • P (¬A) = 0, 95.

Note que as informa¸c˜oes inconsistentes s˜ao sobre os eventos A e ¬A. Agora, supondo que um atleta tenha sido testado com resultado positivo, a quest˜ao que se coloca ´e sobre qual a probabilidade deste atleta realmente fazer uso da droga, ou seja, o valor de P (A|D). Com a regra paraconsistente de condicionaliza¸c˜ao, este valor ´e P (A|D) = 0, 31, muito menor do que o valor de P (A|D) = 0, 82 dado pela regra cl´assica de condicionaliza¸c˜ao de Bayes

P (ϕ|ψ) = P (ψ|ϕ)P (ϕ) P (ψ) .

J. Bueno-Soler e W. Carnielli fazem outras compara¸c˜oes entre as regras de condi- cionaliza¸c˜ao cl´assica e paraconsistente e entendem que os exemplos sugerem uma regra paraconsistente mais sens´ıvel que a regra cl´assica.

Sobre esta proposta de probabilidades paraconsistentes, devemos ressaltar ainda al- guns t´opicos. J. Bueno-Soler e W. Carnielli, no esp´ırito de sua discuss˜ao sobre as tradi¸c˜oes de associar valores de probabilidades a conjuntos ou senten¸cas, como j´a mencionamos nos Cap´ıtulos 1 e 2, prop˜oem uma estrutura chamada espa¸co paraconsistente de probabilida- des, um tanto mais complexa que a estrutura de Kolmogorov e que a generaliza. Esta abordagem ´e baseada na ´algebra paraconsistente de conjuntos investigada por W. Carnielli e L. P. de Alcantara em (CdA84), de forma a oferecer uma conex˜ao entre probabilidades paraconsistentes sobre senten¸cas e sobre conjuntos.

J. Bueno-Soler e W. Carnielli fazem men¸c˜ao `a possibilidade de uma abordagem para- consistente modal para probabilidades, semelhante ao que vimos na primeira se¸c˜ao deste cap´ıtulo, nas linhas de A. Heifetz e P. Mongin (HM98), dado que as modalidades paracon- sistentes j´a foram estudadas, por exemplo, em (BS10) e (BSC14). ´E tamb´em mencionada a possibilidade de uma estudo das rela¸c˜oes entre as probabilidades paraconsistentes a uma Teoria da Possibilidade Paraconsistente. A Teoria da Possibilidade ´e uma outra aborda- gem formal da incerteza em cen´arios de informa¸c˜ao incompleta (DP11) que, segundo J. Bueno-Soler e W. Carnielli, pode ser naturalmente fundamentada sobre LIFs.

Por fim, mas n˜ao menos interessante, J. Bueno-Soler e W. Carnielli lan¸cam a possibi- lidade de se interpretar probabilidades paraconsistentes como probabilidades subjetivas, como as probabilidades associadas a eventos por um agente racional. Desta forma, por exemplo, n˜ao ´e necess´ario que uma contradi¸c˜ao seja um evento imposs´ıvel aos olhos de um agente racional, embora contradi¸c˜oes consistentes tenham esta necessidade.

As probabilidades paraconsistentes se mostram como um novo e efervescente campo de pesquisa com v´arias dire¸c˜oes poss´ıveis de desenvolvimento, al´em do grande poten- cial de modelar quest˜oes filos´oficas como a epistemologia Bayesiana e as probabilidades subjetivas.

A principal tese que subjaz a todo este trabalho ´e a de que as incertezas sobre as in- forma¸c˜oes utilizadas nos racioc´ınios podem ser representadas por probabilidades, embora reconhe¸camos que existam outras abordagens t˜ao plaus´ıveis quanto esta. Portanto, reca- pitulamos de forma introdut´oria as mais tradicionais no¸c˜oes do conceito de probabilidade - cl´assica, frequentista, subjetiva, l´ogica e propensista - e, assim, evidenciamos ao menos alguns dos pontos de discordˆancia neste assunto. Dessa forma, longe de ser um tema conclu´ıdo, a filosofia da probabilidade tˆem a capacidade de gerar diversas discuss˜oes. As in´umeras referˆencias citadas no Cap´ıtulo 1 s˜ao pontos para prosseguir o estudo desta ´area. A maneira de atrelar probabilidades no entendimento do racioc´ınio foi mostrada na defini¸c˜ao de semˆantica probabil´ıstica, dada no Cap´ıtulo 2. Associar valores de probabili- dades a senten¸cas levanta a quest˜ao sobre qual tipo de rela¸c˜ao esta abordagem tem com o famoso sistema de Kolmogorov, em que probabilidades s˜ao associadas a conjuntos.

Uma forma de determinar esta rela¸c˜ao foi apresentada na Se¸c˜ao 2.3, mostrando que uma valora¸c˜ao probabil´ıstica sobre a linguagem L pode ser vista como um caso particular de uma medida de probabilidade sobre uma ´algebra de conjuntos. Outra quest˜ao ´e se, a partir de uma medida de probabilidade sobre uma ´algebra de conjuntos podemos capturar uma valora¸c˜ao probabil´ıstica. Hailperin mostra em (Hai96) uma possibilidade de se fazer isto no caso em que a ´algebra de conjuntos considerada ´e definida sobre um conjunto finito. Por´em, ainda falta estabelecer como esta opera¸c˜ao se relaciona com a opera¸c˜ao da Se¸c˜ao 2.3 e, ainda, como ficam os casos de medidas de probabilidade sobre conjuntos infinitos.

Do ponto de vista l´ogico, o racioc´ınio ´e estudado por meio da defini¸c˜ao de rela¸c˜oes de consequˆencia. Neste trabalho foram definidas trˆes rela¸c˜oes de consequˆencia probabil´ıstica a partir da semˆantica probabil´ıstica para l´ogica cl´assica. Cada uma delas tem um objetivo e clarifica algum aspecto do racioc´ınio sob incerteza, da forma que analisamos. A primeira rela¸c˜ao de consequˆencia, da Defini¸c˜ao 2.4.2 e a rela¸c˜ao de Adams, da Defini¸c˜ao 2.6.1, s˜ao equivalentes `a rela¸c˜ao de consequˆencia l´ogica cl´assica de LPC. J´a a rela¸c˜ao de Hailperin, da Defini¸c˜ao 3.6.1, mais voltada `as aplica¸c˜oes, diferente das anteriores, n˜ao relaciona sen-

ten¸cas de uma linguagem, mas pares compostos por uma senten¸ca e um conjunto num´erico no intervalo [0, 1]. Entendemos que ainda ´e preciso estabelecer quais as caracter´ısticas que determinam o que estamos chamando de rela¸c˜ao de consequˆencia probabil´ıstica.

No aprofundamento do estudo das valora¸c˜oes probabil´ısticas, fizemos uso das teorias matem´aticas da ´algebra linear e da otimiza¸c˜ao linear. As t´ecnicas utilizadas, al´em de fundamentais para definir algumas instˆancias da rela¸c˜ao de Hailperin, abrem caminho para solu¸c˜ao de quest˜oes computacionais relativas `as valora¸c˜oes probabil´ısticas, como ´e o caso do problema da Satisfatibilidade Probabil´ıstica. H´a ainda outras quest˜oes computacionais que podem ser levantadas e estudadas, como a busca de crit´erios para escolher valora¸c˜oes probabil´ısticas particulares induzidas por uma distribui¸c˜ao de probabilidade.

No decorrer do estudo das valora¸c˜oes probabil´ısticas sentimos necessidade de dar jus- tificativa para algumas quest˜oes sobre `as quais n˜ao encontramos suporte na literatura. Estas quest˜oes foram: garantir a existˆencia de modelo para a teoria da Defini¸c˜ao 2.2.1, ou seja, existˆencia de uma valora¸c˜ao probabil´ıstica; garantir que uma distribui¸c˜ao de probabilidade para um conjunto finito de senten¸cas de L pode ser estendida para uma va- lora¸c˜ao probabil´ıstica (sobre todo L); garantir que qualquer atribui¸c˜ao de probabilidades para um conjunto finito de senten¸cas atˆomicas ´e satisfat´ıvel. Acreditamos ter justificado estas quest˜oes de maneira construtiva, uma das contribui¸c˜oes deste trabalho embora n˜ao reivindiquemos pioneirismo, com as demonstra¸c˜oes para os Teoremas 2.4.1, 3.4.1 e 3.4.2. Apresentamos, no Cap´ıtulo 4, abordagens que combinam probabilidades e l´ogicas n˜ao- cl´assicas. De um lado, mostramos as teorias que prop˜oe probabilidades como modalidades atrav´es de operadores na linguagem formal, de forma a capturar o conceito tradicional de probabilidade. De outra lado, avaliamos neste trabalho propostas de semˆanticas pro- babil´ısticas para l´ogicas n˜ao-cl´assicas que podem estender o conceito tradicional ou at´e capturar novos conceitos de probabilidade, como as probabilidades multivaloradas e as probabilidades paraconsistentes.

Junto com estas propostas a respeito das no¸c˜oes de probabilidade n˜ao-cl´assica apare- cem as quest˜oes filos´oficas de identificar a natureza conceitual de tais no¸c˜oes, aumentando o campo da filosofia da probabilidade. Al´em disto, podem ser buscadas aplica¸c˜oes e se- rem oferecidas novas perspectivas para outras ´areas, como probabilidades paraconsistentes parecem oferecer para a epistemologia Bayesiana.

Por se tratar de novo objeto matem´atico, os sistemas de probabilidades n˜ao-cl´assicas e as estruturas representadas por eles tamb´em abrem campos de investiga¸c˜ao t´ecnica l´ogica, matem´atica e computacional. O objetivo deste trabalho n˜ao ´e, obviamente, responder a este tipo de quest˜oes, mas esclarecer sua relevˆancia e sua raz˜ao de ser. Se o interesse

levantado por tais quest˜oes for tal que investiga¸c˜oes posteriores delas se ocupem, teremos cumprido nosso objetivo nesta disserta¸c˜ao.

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