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CAPÍTULO 3 O ECO É UM NOVO GRITO

3.2 A Problemática do Big Data

O fenômeno do Big Data talvez seja uma das transformações mais expressivas quando falamos da internet enquanto nova tecnologia. O espaço em rede é caracterizado pela produção permanente de informações sobre a navegação e os usuários, dados esses que são captados por pesquisadores e empresas ao longo do mundo.

A segunda proposição deste capítulo tem por objetivo refletir acerca da utilização do Big Data, partindo de uma análise crítica acerca das responsabilidade e possibilidades no uso das informações que giram na rede de computadores. A este tópico, trago a reflexão encontrada no artigo Six provocation for Big Data, produzido pela pesquisadora da Microsoft Research, Danah Boyd e Kate Crawford, também pesquisadora da Microsoft Research e professora na Universidade de New South Wales, que trata da responsabilização em relação à privacidade no contexto do Big Data, onde o conceito de responsabilização deve ser aplicado mesmo quando não existem as expectativas convencionais (BOYD, CRAWFORD, 2011).

A isso, as autoras debatem a noção de que “tudo na internet é público ou está público” (BOYD, CRAWFORD, 2011), colocando em questão até onde os dados podem ser utilizados. A problemática identificada sobre a questão do Big Data está no uso dessas informações, visto que uma sociedade e as suas estruturas estabelecem o uso da tecnologia, como aborda Castells

Lawrence Lessig (1999) argumenta que os sistemas são regulados por quatro forças: mercado, lei, normas sociais e arquitetura - ou, no caso da tecnologia, código. Quando se trata de Big Data, essas quatro forças estão em ação e, freqüentemente, em desacordo. O mercado vê o Big Data como pura oportunidade: os profissionais de marketing o usam para direcionar a publicidade, os provedores de seguros desejam otimizar suas ofertas e os banqueiros de Wall Street o usam para ter melhores leituras sobre o temperamento do mercado” (BOYD, CRAWFORD, P. 02, 2011).

O dilema que se apresenta com a questão do Big Data é, ainda, aquele encontrado sobre a alienação das pessoas pela rede de computadores. Como explicitado antes neste trabalho, apontar para o entendimento de uma sociedade que está desconectada da realidade é partir para uma análise rasa, onde a própria realidade é desconsiderada de sua força. O que evidenciam as autoras é que existem questões de apropriação do mercado, pela legislação ou pelas normas sociais que não parecem ser incomuns da sua reprodução na esfera do real.

A tendência na utilização de dados não parece ser recente, mas está permeada na esfera do social, onde sistemas como o capital se apropriam das informações humanas para gerar riqueza, pesquisadores utilizam dessas informações para gerar conhecimento, instituições se apropriam dos dados para estabelecer ordem - ou, em algumas análises, promover a manutenção dos sistemas de poder.

O que fica evidente neste debate, se observarmos de maneira multidimensional, é a questão sobre o manuseio dos dados (aqui lidos não somente no meio digital, mas também na realidade física). Boyd e Crawford, citando Burkholder (1992), apontam que “Big Data não se refere apenas a conjuntos de dados muito grandes e as ferramentas e procedimentos usados para manipulá-los e analisá-los, mas também para uma virada computacional no pensamento e na pesquisa” (BOYD; CRAWFORD, 2011, p. 2).

Virada de pensamento que se refere ao entendimento complexo do uso de dados, percebendo as suas subjetividades em diferentes espaços. É preciso entender a complexidade do Big Data enquanto fenômeno humano, para que talvez seja possível refletir sobre as práticas humanas que podem desencadear o uso irregular dos dados obtidos. Prática esta que não está dada apenas no Big Data, mas que acompanha a sociedade e suas normas.

É indispensável pensar regulamentação para a internet enquanto tecnologia de informação, mirando nas forças responsáveis em manusear grandes quantidades de dados, como é o caso de grandes empresas e instituições governamentais. Como coloca Boyd e Crawford (2011), a grande fatia de dados no Big Data ainda estão contidas entre grandes empresários, que utilizam esses dados para o consumo, repassam por valores altos, ou simplesmente mantém essas informações reclusas. É preciso, antes de falar do Big Data, refletir

sobre as problemáticas que cercam este cenário. Se as empresas continuam a obter as maiores quantidades de informação sobre as pessoas, enquanto os pesquisadores que são mais fortemente capacitados tem apenas uma face desses dados, esta seria uma problemática da internet ou da sociedade?

Em outro cenário, se as empresas obtêm a maior fatia de dados sobre o comportamento em rede, não se faz necessário a regulamentação destas organizações para explicar publicamente? “Quando os pesquisadores abordam um conjunto de dados, eles precisam entender - e explicar publicamente - não apenas os limites do conjunto de dados, mas também os limites de quais perguntas eles podem fazer um conjunto de dados e quais interpretações são apropriadas” (BOYD; CRAWFORD, 2011, p.7).

Por fim, reflito sobre a possibilidade de retroceder neste ponto. O Big Data deixará de existir? Historicamente observamos as tecnologias sumirem por caírem em desuso, por não atenderem mais às necessidades humanas. O traço de uma tecnologia que permite a reprodutibilidade incessante de dados - que podem ser utilizados positivamente - parece seguir para a sua expansão e não sua extinção. Ao que indica, como já é visto entre as sociedades ocidentais, o Big Data é a representação de um eco que vem sendo cultivado ao longo de séculos. Do mesmo modo que entendemos a internet como uma reprodução da realidade, o Big Data também o é, e talvez seja mais efetivo refletir sobre as suas possibilidades e necessidades de melhoria, interrogando criticamente esse fenômeno, do que se ater a ideia de que forças misteriosas querem dominar a consciência.

3.2.1 As possibilidades do Big Data

No fluxo em rede todos os dias surgem novas ferramentas de captação de dados. Como indica Boyd e Crawford (2011), os recursos como personalização permitem cada vez mais o acesso ágil a informações relevantes. Ferramentas de automatização são responsáveis por rastrear modos de acesso, dados demográficos e informações qualitativas dadas a partir de como os usuários estão navegando. Dentro desses dados, profissionais de design thinking estão criando layouts pautados exclusivamente na experiência do usuário, enquanto redatores estão se especializando nos comportamentos em diferentes plataformas para criar textos de conversão. Profissionais de tráfego utilizam desses dados para segmentar comunicação e entregar conteúdo relevante, os social media levantam conteúdo baseado no comportamento, enquanto programadores fazem melhorias constantes a partir do feedback imediato da usabilidade.

Um ecossistema de possibilidades se configura a partir do Big Data no cenário da comunicação digital, evidenciando a necessidade de olhar para este fenômeno de maneira mais subjetiva. “O Big Data é mais eficaz quando os pesquisadores levam em conta os complexos processos metodológicos subjacentes à análise dos dados” (BOYD; CRAWFORD, 2011, p.7). Desse modo é possível analisar os dados obtidos por uma perspectiva mais complexa e que contempla a experiência do usuário para além da objetividade do código. Uma oportunidade de identificar informações mais profundas, sobretudo sobre público, no que Kotler (2017) indica como tendência do marketing digital, responsável por estreitar os laços entre marcas e pessoas.

Reivindicações de objetividade sugerem uma adesão à esfera dos objetos, às coisas como elas existem em si mesmas. A subjetividade, por outro lado, é vista com desconfiança, colorida como em vários formas de condicionamento individual e social. O método científico tenta remover do domínio subjetivo através da aplicação de um processo desapaixonado onde hipóteses são propostas e testadas, resultando eventualmente em melhorias conhecimento. No entanto, reivindicações de objetividade são necessariamente feitas por sujeitos e são com base em observações e escolhas subjetivas (BOYD; CRAWFORD, 2011, p. 5).

Sobre esta afirmação, Boyd e Crawford apontam para o valor que existe na análise dos dados, seja em grande ou pequena escala. Para as autoras, a análise de dados em grande volume é fundamental, mas não exclui a força de uma análise menor. Sobre este aspecto, as pesquisadoras evidenciam a diferença entre uma pesquisa quantitativa e qualitativa, apontando para as possibilidades de pesquisa qualitativa, em menor escala, para analisar subjetivamente as variáveis de comportamento de um usuário, indicando para um universo de informações relevantes que podem ser utilizadas em pesquisas etnográficas e, no recorte deste trabalho, para a o pensamento criativo.

O argumento aqui não é sobre reinventar os métodos de pesquisa, mas evidenciar o valor que as novas ferramentas de captação de dados podem ter neste processo. Com o grande volume de informações, é possível obter por meio dos mesmos métodos de pesquisa e com mais agilidade, uma gama de informações preciosas para o planejamento de comunicação de uma marca no digital - e até fora dele. O fato é que marcas podem pautar sua comunicação a partir de feedbacks contínuos, criando narrativas variadas e autocomplementares, voltadas para um público que se torna cada vez mais complexo à medida que é conhecido.

Com tantos canais de acesso ao público, que agora deixa a esfera do abstrato e se apresenta em toda sua complexidade, a comunicação digital abre espaço para um diálogo muito mais íntimo, onde os aspectos imaginários enraizados podem ser identificados de maneira mais orgânica, potencializando a criação de uma comunicação que não tem por objetivo somente a influência, mas que considera todas as variáveis da experiência para a sua materialização.

Automatizações revelam dados específicos enquanto administradores de contas de mídias sociais dialogam diretamente com o público, obtendo informações relevantes para o relacionamento e o valor dessa comunicação. Partindo da ideia que é discutida anteriormente neste trabalho, em um cenário onde a tendência do mercado é o reconhecimento da individualidade em rede e as pessoas despertam cada vez mais para o valor da identidade, o manuseio de dados nesse sentido aponta para o reconhecimento do consumidor, mas não voltado para um consumidor padronizado criado pela hegemonia no imaginário do Ocidente, mas para toda a gama de indivíduos que ocupam o espaço da internet e que, por isso, também são consumidores em potencial. Tendência apontada por Kotler (2017), quando evidencia a reestruturação do poder econômico a partir da tendência de uma sociedade individualizada.

A este exemplo, é possível identificar estratégias que já são utilizadas por infoprodutores na captação de dados, tendo por objetivo calibrar o produto antes mesmo do seu lançamento. Como aponta Conrado Adolpho (2011), a tendência do marketing digital é o manejo das informações que, pelo seu baixo custo de produção, são utilizadas como trunfo no reconhecimento do que o público deseja. Em métodos reconhecidos pelos seus resultados, como é o caso da Fórmula de Lançamento, difundida no Brasil pelo Érico Rocha, canais no telegram, webinários, lives interativas, grupos de whatsapp e outras tantas formas de diálogo com o público, são utilizadas tendo por objetivo captar as objeções antes mesmo do lançamento definitivo de um produto digital.

Essas estratégias, conhecidas como “tiros de alerta”, “lançamento semente”, servem para a utilização do Big Data a favor de quem desenvolve a comunicação, é por meio delas que os profissionais digitais captam opiniões, identificam padrões de comportamento online, analisam formas de pensar e entregam um produto em informação que atende as necessidades já explicitadas.

No que analisa este trabalho, essas ferramentas servem para o reconhecimento da memória e, por consequência, do imaginário. É a partir dessa semente que infoprodutores e experts em marketing digital iniciam criações conceituais, pautadas no feedback muitas vezes em tempo real, como é o caso do webinário - um encontro em vídeo onde o público pode tirar qualquer dúvida com uma autoridade. É neste contato que é possível analisar, com mais rapidez

e mais profundamente, as necessidades mais íntimas de um determinado público e a suas carências, que impulsionam a criação não só da comunicação, mas do produto em si. Se posso identificar uma necessidade de consumo a partir do diálogo e o acesso às informações de público, inverto a produção e proponho a resolução de uma necessidade, antes mesmo de pensar um produto.

Apesar desse exemplo ser visto com mais frequência no mercado de infoprodutores, acredito que seja possível pensar comunicação e marketing para outras perspectivas também. Em um contexto onde o diálogo com o público acontece primeiro, imagine a gama de inovações que podem surgir pautadas nas experiências mais subjetivas dos usuários em rede. Por esse viés, o Big Data não surge como um fantasma na névoa, mas como uma possibilidade de pensar mercado de maneira orgânica, onde o consumidor está a frente das suas preferências e dita as tendências de mercado. Para além disso, é possível também imaginar a riqueza de narrativas que podem surgir, levando em consideração a criação de uma comunicação pautada em narrativas reais e diversas, que possam contemplar as diferentes experiências de consumo protagonizadas no recorte de raça, gênero, diversidade sexual e classe social.

Ao que parece, o Big Data se mostra não como um inimigo ou alienador, mas surge como um aliado no processo de reconhecimento do público para a construção de uma comunicação centrada na experiência - e por experiência, entende-se a contemplação do indivíduo em toda a sua subjetividade e necessidades de representação. É também uma possibilidade de reconhecer os gritos diversos e deixar novos ecos em propagação.

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