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Quando ouço as vozes, o que descubro?

CAPÍTULO 3 O ECO É UM NOVO GRITO

3.3 Quando ouço as vozes, o que descubro?

Esta parte da reflexão é feita a partir de uma experiência no mercado digital, com um cliente que tinha por objetivo o impulsionamento de projetos variados para infoprodutores/empreendedores. Meu objetivo é mostrar, a partir da prática, a riqueza de informações que podem ser obtidas utilizando a internet e suas ferramentas para obtenção de dados.

O cliente aqui era um infoprodutor com experiência no mercado digital que, após alguns anos na área, resolveu lançar seu infoproduto - uma espécie de incubadora para infoprodutores digitais. Em um primeiro contato com o cliente para briefing, foi repassado que o havia o objetivo de fomentar uma comunidade de empreendedores, com a ideia de democratizar e desmistificar o processo de criação de negócios, além de criar uma jornada do herói a partir de um valor comum, que era a revolução do cenário empreendedor. O projeto apresentava, desde

o primeiro instante, um apelo expressivo para a questão da comunidade. Fiquei responsável pela pesquisa inicial, com o objetivo de nortear o tom da comunicação do cliente com o público para os futuros lançamentos de infoprodutos.

Em contato com este material, iniciei uma pesquisa-base analisando o mercado de empreendedorismo, empreendedorismo social, o cenário do marketing digital, programas de mentorias, bem como analisei as referências em concorrências diretas, indiretas e fantasma. Nelas, como tive acesso às redes sociais, também desenhei um wordmap, com palavras e comentários que eram recorrentes nas fanpages em três mídias sociais (YouTube, Instagram e Facebook) e os sites.

Além disso, o próprio cliente criou um grupo de mentoria no WhatsApp, com cerca de trinta empreendedores que dialogavam entre si todos os dias, me dando acesso para maiores investigações. Para este grupo, o cliente orientava a construção de infoprodutos por meio de monitorias presenciais e online.

Neste primeiro momento, identifiquei que entre as pesquisas que envolviam empreendedorismo, havia uma forte tendência por uma lógica de valor simbólico. Ao que indicava as pesquisas desenvolvidas pela PUC-RS e GeraçãoE em 2018, o empreendedor é um profissional não formal, que segue o chamado da criação autônoma, rompendo com os padrões sociais de estabilidade profissional. Muitas vezes impulsionados pela realização de um sonho e pela liberdade criar. É esse sentimento que impulsiona essas pessoas a uma necessidade de pertencer, de obter validação pelo trabalho que está sendo desenvolvido, porque na maioria dos casos não é apenas empreendimento por necessidade, mas parte de uma lógica de que a ideia tem potencial de transformação social. Esse dado me norteou para o empreendedorismo social, que tem por objetivo a integração do coletivo, a produção de bens e serviços por meio de soluções inovadoras para os problemas do coletivo.

Com o objetivo de fomentar uma comunidade de empreendedores, percebi que havia uma convergência dos dados para entender, conceitualmente, a questão da comunidade. As questões que giravam em torno da comunicação eram várias, mas o objetivo era descobrir que gatilhos impulsionam a necessidade deste coletivo. A partir do entendimento da responsabilidade social, a comunicação começou a apontar para a relação do empreendedorismo social a um senso de coletividade, uma responsabilidade por uma memória coletiva, por valores e signos compartilhados. Informação essa que foi confirmada com a análise dos projetos de infoprodutos que estavam contemplados na mentoria interna, onde 90% dos projetos se referiam a transformações sociais, mesmo que agindo em áreas distintas.

Por meio das ideias de Oliveira (2010), percebi que o perfil do empreendedor social envolvia a responsabilidade, o olhar macro para as questões sociais e do uso da própria competência para pensar soluções para o coletivo. Além do reforço de valores como ética, lealdade, transparência, senso de justiça e luta pela igualdade social.

Em paralelo, o cliente (que desenvolvia o papel de mentoria com o grupo interno de empreendedores) percebia um apelo do coletivo em relação a sua mentoria, com feedbacks constantes sobre o potencial de transformação do conhecimento compartilhado. Para este indicativo, obtive no artigo Redes informais de mentoria no ambiente de incubadoras de base tecnológica: o apoio ao desenvolvimento da carreira empreendedora, dos autores Régis, Dias e Melo (2006), a distinção entre as funções de carreira e psicossociais do processo de mentoria, referenciados a partir do estudo de Kathy E. Kram, pesquisadora da Universidade de Boston, que indica os aspectos psicossociais que influenciam a busca por um mentor. Neste artigo, percebi o indicativo para um comportamento de um indivíduo que busca a definição do seu papel em sociedade, por aconselhamentos de uma figura de autoridade e uma laço de amizade forte - traços já vistos em relação à questão da comunidade no processo do empreendedorismo. Desse modo, indiquei as pesquisas para o entendimento do conceito de comunidade, além do estudo do conceito de comunidade online e o conceito de pertencimento. No livro Mídias, imprensa e novas tecnologias, organizado por Beatriz Dornelles, há um artigo da pesquisadora Raquel Recuero, em que a autora aborda os conceitos de gemeinschaft e gesselschaft. colocados pelo sociólogo alemão Ferdinand Tönnies, que se referem a ideia de comunidade como família, de motivação afetiva, orgânica, e a ideia de sociedade, enquanto fruto calculista da modernidade, um instrumento de normas.

Ainda neste artigo, Raquel Recuero (2001) aponta para a ideia da comunidade virtual, onde o indivíduo escolhe qual comunidade fazer parte, tendo como motivação o interesse em compartilhar ideias e promover discussões públicas - interesse esse que é responsável por despertar o sentimento de pertencimento. Para a autora, no interior das comunidades é preciso existir elementos como solidariedade, emoção, conflito, imaginação e memória coletiva.

Foi neste momento que tive acesso a um historiador, disponibilizado pelo cliente para que fosse possível aprofundar conceitualmente as pesquisas obtidas. Começamos, a partir daí a utilizar as interações no grupo do WhatsApp, além da análise dos diálogos em lives e interações nas mídias sociais digitais. Inicialmente, foi identificada a necessidade de padronização de linguagens, signos e valores para o fomento de uma comunidade interna, orientação essa obtida a partir do conceito de comunidade nacional. Por meio desta análise, foi

possível entender que o senso de pertencimento é evocado a partir da ideia de segurança física, afetiva e, sobretudo, moral e ética.

No grupo do WhatsApp, percebemos que os dados eram reafirmados pelo comportamento dos empreendedores. Todos os membros do coletivo afirmavam com frequência o compromisso com a transformação que seus projetos traziam, além de pontuar o valor do grupo para esta transformação. O que estava por trás da união física do projeto, eram valores mais subjetivos e presentes no imaginário coletivo. A ideia de criar um projeto inovador e com potencial de transformação, era também mantida a partir de um contexto de códigos morais, do senso de justiça e a luta por uma aparente igualdade. Neste momento ficou evidente a necessidade de uma causa comum, o que me fez recorrer às autoras Mark e Pearson (2001), que abordam o uso do arquétipo e o conceito de imaginário coletivo. Através delas, fui em busca do arquétipo do Herói, que já vinha se anunciando, para figurar essa ideia de jornada por uma causa transformadora.

Este recorte é importante para entender a profundidade de dados que podem ser obtidos a partir de um pensamento complexo que contempla o imaginário e memória, aliando isso ao Big Data. Esses dados foram obtidos na fase inicial do projeto, ainda na sua incubação, sem utilizar de todas as ferramentas de automação disponíveis. A partir daí, é possível ainda obter informações por meio de webinários, formulários de automação, ferramentas como google analytics, que podem revelar dados quantitativos ou qualitativos sobre o público.

As informações obtidas por meio de pesquisas e análise de comportamento nessa fase inicial, nos indicou para uma abordagem mais sensível e menos comum no empreendedorismo. Enquanto projetos vendem a ideia de resiliência e alta performance, as pesquisas feitas indicaram para lugares mais sensíveis no público. Empreendedorismo também é sobre indivíduos que se arriscam e que buscam novas trajetórias, pessoas que muitas vezes foram criadas sob um imaginário de condutas sociais específicas, onde recorrer ao mercado informal é uma ideia de risco. Em um país em que a maioria das pessoas recorre a concursos públicos, falar sobre empreendedorismo é também falar sobre navegar em uma zona obscura e potencialmente solitária - fator esse que ficou evidente nas pesquisas deste projeto, quando veio a tona o desejo de pertencimento do grupo mentorado.

O imaginário se apresenta aqui imbricado entre as nuances dos dados obtidos, sempre analisado a partir de uma perspectiva complexa. Para além dos dados indicados inicialmente, voltados para empreendedores entre 25 e 45 anos, que empreendem por oportunidade e tem desejo de aprender mais sobre o empreendedorismo, há também uma gama de características sensíveis que estão contidas no repertório imaginado, relacionadas às questões emocionais, ao

desejo de pertencer a um grupo, de ser validado enquanto idealizador e de ter valores morais reafirmados pelo coletivo. O que parte da ideia de empreender por dinheiro, revela na realidade um desejo profundo de validação, de pertencimento, de transformação e de realização de sonhos, além da possibilidade de construir narrativas diversas para contemplar essas necessidades - que também são diversas. Essas características sensíveis e imaginárias, que não estão contidas no numa perspectiva retilínea, parecem emergir como potencializadoras de uma comunicação mais sensível, pautada na experiência e direcionada para os anseios do público.

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