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1. O CENTRO HISTÓRICO DE OLINDA

2.4 O Problema da Pesquisa

A inclusão de um bem na Lista do Patrimônio Mundial exige que o Estado-Membro garanta sua tutela e salvaguarda através de um sistema administrativo e legal. As Diretrizes Operacionais do Patrimônio Mundial (UNESCO, 2008, parágrafo 89) definem que para bens do patrimônio cultural devem ser observados seus aspectos significantes e controlados os impactos dos processos de deterioração e deve estar incluída proporção significante de atributos para transportar a totalidade dos valores transmitidos pelo bem. Se nos bens culturais estão materializados os significados relevantes para a coletividade, há o reconhecimento da sua significância cultural que se deriva não só das suas características físico-espaciais, mas também do seu ambiente e das relações entre eles através da história cultural do lugar.

A Carta de Burra define que a política de gestão de um lugar deve estar baseada na compreensão da sua significância cultural e a política de desenvolvimento deve considerar, entre outros fatores, aqueles que afetam seu futuro, a exemplo das necessidades dos proprietários. Grupos e indivíduos que têm associação com o lugar, bem como aqueles envolvidos com sua gestão, devem ter oportunidades de contribuir e participar na compreensão da sua significância cultural e na sua conservação e gestão (ICOMOS Austrália, 1999). A importância do incentivo à participação social nos procedimentos de gestão da conservação de um sítio foi exposta por Gusmão (2004: 112) que os definiu como atividades inter-relacionadas e interativas que se traduzem em rotinas operacionais cotidianas praticadas pelos agentes sociais envolvidos.

O ICOMOS ressalta como fundamental a participação da conservação nas políticas modernas do patrimônio, entendimento que se consolidou em razão de cidades históricas terem adquirido status incomparável na cultura e na vida modernas, definido pela qualidade do seu ambiente arquitetônico e físico, pela persistência do seu sentido do lugar e por abrigar concentração de acontecimentos culturais que formam a identidade do seu povo. E chama a atenção para a necessidade de definição de ferramentas que assegurem a proteção dos valores em longo prazo, uma vez que o papel econômico e social da cidade histórica muda com o tempo, sendo seus usos e funções cada vez menos decididos por seus habitantes.

Na gestão da conservação do Centro Histórico de Olinda evidencia-se participação inexpressiva da sociedade civil organizada no processo decisório da conservação e desconhecimento da significância cultural do sítio pela comunidade. A tomada de decisão da conservação não é norteada pelos valores atribuídos pelos grupos sociais envolvidos com o sítio e se fundamenta no entendimento restrito de técnicos, especialistas e gestores públicos das instituições atuantes, representação parcial dos significados e valores que são atribuídos aos bens culturais. Se a conservação objetiva preservar o conjunto de significados e valores socialmente atribuídos que constituem a significância cultural de um bem (ZANCHETTI et al, 2008), e estando a tomada de decisão da conservação sob permanente influência da cultura77

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Para Frances Berenson (in BROWN, 1984, apud JOKILEHTO, 2006) a noção de cultura corresponde ao “modo de vida material, intelectual, emocional e espiritual de um povo” que compõe a herança cultural tradicionalmente repassada de geração em geração. No “sentido antropológico”, a cultura é a soma das crenças, valores, conhecimentos, usos, enfim, toda manifestação da vida cotidiana de um grupo social, e não implica em qualquer julgamento de valor (VIÑAS, 2005: 39). Rangel entende a cultura como uma avaliação pelo homem de seu próprio mundo através das obras do pensamento e da arte. No conceito antropológico, a autora define cultura como o elemento identificador das sociedades humanas e engloba (CLAVIR, 2002), todos os valores passam a ter importância nas decisões

(ZANCHETTI, 2009: 8). A atribuição de valor consiste num processo subjetivo e relativizado e o que é considerado importante para determinados agentes sociais pode não ser para outros. Estando a significância cultural de um lugar associada a uma multiplicidade de significados e valores, cuja organização e priorização são decorrentes de visões culturais diferentes, as ações de conservação não deverão ser definidas pela sobreposição de um valor em detrimento de outro, mas através de uma avaliação relativa dos tipos de valores atribuídos pelos agentes sociais.

Hidaka (2000: 16) expõe que continuidade e transformação são inerentes ao processo de apreensão dos valores. Em cada contexto cultural, mudanças físicas e espaciais podem diminuir ou somar aos significados e valores existentes e é através da continuidade da transmissão desses significados e valores que essas mudanças podem ser avaliadas. Intervenções arquitetônicas promovidas no conjunto arquitetônico civil patrimonial do CHO têm alterado atributos físico-espaciais relevantes que expressam significados e valores de longa duração e podem estar contribuindo com perdas na significância cultural de todo o sítio. A gestão carece de abordagens contemporâneas que contribuam para a conservação sustentável do sítio e para manutenção da significância cultural e, para isso concorre a inexistência de uma Declaração de Significância Cultural que norteie o processo decisório da conservação e a avaliação das intervenções arquitetônicas em imóveis civis patrimoniais.

Na ótica contemporânea, a gestão da conservação de sítios históricos objetiva reduzir perdas socioculturais e vestígios da história e prolongar a vida útil de bens culturais sem perda de seus significados e valores. Objetiva também promover uma condição de equidade do conjunto de valores entre gerações, os quais devem nortear o processo de licenciamento das intervenções arquitetônicas que são promovidas nesses sítios. Jokilehto e Feilden (1993:18 - 115) salientam que a gestão de um sítio do Patrimônio Mundial prevê normas e análise detalhada da sua significância cultural, assegurando que os valores que devem ser preservados no sítio são compreendidos pelos gestores. A análise e estudo referentes ao uso e ocupação com vistas à manutenção e aporte da comunidade são pontos que também devem ser considerados, segundo os autores.

linguagem, crenças, religião, o saber e o saber fazer. A identidade cultural das pessoas do lugar é formada pelos valores que lhes são comuns, sendo a cultura definida por esses valores compartilhados.

Stovel (2002: 175) expõe que no contexto do patrimônio mundial os esforços de conservação devem ser focados na manutenção do Valor Universal Excepcional, reconhecido segundo critérios selecionados à época da inscrição do sítio. Segundo Stovel, a escolha de critérios prevê um guia para as razões principais usadas na identificação do mérito do sítio e indica valores significativos a serem apreciados, respeitados e conservados. O autor ressalta que, considerando a importância da definição e compreensão adequada dos valores para a conservação do sítio em longo prazo o monitoramento do estado desses valores deve ser a pedra angular de qualquer programa de monitoramento do estado de conservação. Como valores são intangíveis, o autor observa que se deve ter cuidado na identificação e monitoramento dos atributos físico-espaciais específicos que apoiam e carregam esses valores.

Monitoramento e controle são instrumentos da gestão patrimonial fundamentais para a conservação integrada de um lugar que contribuem para a melhoria da atuação das entidades públicas de conservação do patrimônio cultural. Stovel (2002: 175) define monitoramento como uma atividade que envolve medição e avaliação de mudanças. Pontual (2002:114) destaca que a tarefa de monitoramento e controle corresponde a uma das fases do planejamento da conservação do patrimônio cultural (Modelo CECI) e se constitui em uma atividade parte da gestão e administração das cidades ou sítios históricos e do planejamento do futuro. Segundo a autora, a tarefa significa observar condições ambientais, mensurar tendências, impactos e riscos que ameaçam a estrutura física de áreas decorrentes de intervenções ou de ocorrências imprevistas e naturais, bem como propor e orientar ações corretivas.

Furtado (2002:163) ressalta que monitoramento é uma das atividades que constituem a etapa de controle e que são as mais negligenciadas no processo de planejamento. A autora define monitoramento como uma observação mais descritiva do processo de implementação da ação, como uma verificação e relato da ocorrência. Para ela, monitorar significa observar se alguma coisa está acontecendo e como está se desenvolvendo, progredindo. Para Stovel (2002: 175) o "monitoramento aplicado a bens patrimoniais individuais envolve a medição de qualidades e condições nas quais os responsáveis pelo seu gerenciamento podem focar seus esforços” e é entendido como uma atividade que é parte integral e contínua do ciclo de gerenciamento de um bem. O autor estabelece que o monitoramento de bens patrimoniais individuais pode envolver a avaliação do estado de conservação de um bem e do próprio

sítio, avaliação que em geral inclui significado patrimonial, valores, mensagens; a autenticidade/integridade em relação aos significados, valores e mensagens definidos e o estado dos atributos-chave mediante os quais o significado é expresso. E destaca que a apreciação de sítios patrimoniais onde vivem pessoas também deve envolver a avaliação de diversos componentes da qualidade de vida. Stovel (pág. 177 - 178) lembra que há uma tendência de se avaliar o estado de conservação pelos atributos físico-espaciais, mas, do ponto de vista patrimonial, o monitoramento deve ser efetuado no contexto do significado geral do sítio para se entender como mudanças físicas diminuiriam ou aumentariam os valores patrimoniais específicos pelos quais o sítio é reconhecido. O significado geral do sítio é registrado no documento intitulado Declaração de Significância, elaborada pelos sujeitos envolvidos com sua conservação, na qual é descrita a relação entre valores e atributos tangíveis, através dos quais os significados se expressam. O monitoramento permite auxiliar o ajuste de ações ou estratégias para melhor atender aos objetivos definidos nas ações de conservação.

Lira (2009: 28 - 46) ressalta que o monitoramento corresponde a uma das lacunas centrais no planejamento da conservação, mesmo sendo uma atividade preventiva que permite maior controle sobre mudanças e tendências de transformação. Ela salienta que um fator agravante está relacionado com a ausência de motivação específica para a promoção das atividades de fiscalização de intervenções arquitetônicas em bens patrimoniais, uma vez que, não havendo uma denúncia ou a realização visível de obras, um bem pode passar um período indefinido sem ser objeto de qualquer acompanhamento. Em decorrência disso, muitos bens acabam por perder os atributos físico-espaciais e os valores que os fizeram ser reconhecidos como patrimônio.

O monitoramento da conservação do CHO prevê o controle do uso e ocupação dos imóveis civis patrimoniais que está pautado na obrigatoriedade dos cidadãos de respeitar os limites impostos nas normas estabelecidas, as quais objetivam garantir o equilíbrio urbano e a qualidade de vida no sítio. E para que as atividades de monitoramento garantam a manutenção dos atributos e valores singulares do conjunto arquitetônico patrimonial no presente e no futuro devem estar embasadas na Declaração de Significância Cultural do sítio.