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Protótipo da Declaração de Significância Cultural do Centro Histórico de Olinda

5. RESULTADOS DA PESQUISA

5.3 Protótipo da Declaração de Significância Cultural do Centro Histórico de Olinda

O texto apresentado a seguir corresponde ao protótipo da Declaração de Significância Cultural, cuja configuração é constituída por parágrafos que abordam os temas abordados pelos grupos sociais entrevistados.

· Considerado o primeiro Plano Diretor do Brasil, a Carta Foral (1537) definiu condições de uso e ocupação no sítio e associou significados e valores socioculturais, urbanísticos e paisagísticos à sua conformação urbana histórica. O respeito a esse legado histórico- cultural implica incorporar limites às transformações urbanas promovidas no sítio como forma de evitar a perda dos atributos, significados e valores de longa duração. Nas últimas décadas, a execução das transformações urbanas no sítio não teve como norte os significados da toponímia94 do sítio. Subjacentes aos princípios projetuais das intervenções executadas está a ênfase a valores da contemporaneidade, os quais caracterizam espaços públicos do CHO de atributos reproduzidos em outras lugares.

· Conflitos se estabelecem entre agentes sociais do sítio quando o assunto diz respeito a intervenções em espaços públicos. Há aqueles que consideram que intervenções promovidas concorreram para a redução de significados e valores urbanísticos e paisagísticos do sítio, a exemplo da obra realizada no Fortim, em que foram revestidas grandes áreas de solo natural e que alteraram a percepção do lugar. Contudo, também há o entendimento de que a pavimentação de grandes áreas públicas contribui para uma nova percepção espacial e funcional do sítio. Quanto à intervenção urbana promovida no Largo do Cruzeiro de São Francisco é considerada pela maioria dos grupos sociais do sítio como tendo alterado sua configuração histórica e interferido na dinâmica cotidiana local, causando a perda de significados e valores históricos, paisagísticos e urbanísticos. Uma minoria, contudo, considera que a intervenção agregou valores históricos e urbanísticos através da exposição de atributos históricos como o caminho remanescente do século XVII que dava acesso ao Convento de São Francisco. A intervenção arquitetônica do Hotel Sete Colinas é considerada como tendo ressaltado significados e valores históricos e urbanísticos de longa duração e agregado valores sociais, de uso e

94 Toponímia- Estudo histórico da origem dos topônimos. Topônimo - Nome próprio de lugar (Dicionário Aurélio

econômicos contribuindo, assim, para o incremento da significância cultural e conservação sustentável do sítio. Moradores questionam a liberdade com que são alterados os espaços públicos do sítio frente a um rigor normativo que está associado às intervenções arquitetônicas promovidas em imóveis civis patrimoniais de uso habitacional. E justificam seu questionamento mencionando a demolição de uma intervenção paisagística, cujo projeto foi elaborado por Burle Marx nos anos 1950 e que havia agregado valores urbanísticos do presente ao Alto da Sé e ao sítio.

· O caminho de acesso ao Mosteiro de Nossa Senhora do Monte e os grandes sítios dos monumentos religiosos do CHO são considerados referências históricas importantes da configuração urbana secular, aos quais estão associados valores históricos, urbanísticos, culturais e sociais. Na área do Bonsucesso, transformações urbanas desvinculadas da toponímia local são avaliadas como danos por ter causado a perda de valores históricos e urbanísticos de longa duração e devem ser empreendidos esforços no sentido de resgatá- los através da implementação de projetos de requalificação e interpretativos. Ações propostas no Plano de Conservação devem buscar controlar transformações urbanas que concorram para a continuidade ao processo de perda de atributos físico-espaciais referenciais e de significados e valores e prever formas de manejo e uso sustentável da cobertura vegetal dos grandes sítios conventuais.

· Enquadram-se nos usos vocacionais do CHO o uso habitacional e usos artísticos e culturais, os quais estão associados a valores de uso, educativo e estético. Os agentes sociais entendem que a conservação integrada do sítio implica na permanência do seu caráter habitacional que o dota de vida cotidiana intensa e contribui fortemente para seu

espírito de lugar, bem como na coexistência harmônica com usos e atividades produtivas

que estão associados a valores de uso, sociais e econômicos. Os agentes sociais com maior tempo de permanência no sítio têm a opinião de que valores econômicos têm prevalência sobre valores socioculturais, devido ao grande número de estabelecimentos comerciais e de serviços implantados nas ruas históricas. Para eles, esse contexto está causando a saída de antigos moradores pela substituição gradativa do uso habitacional e questionam a inexistência de parâmetros normativos que limitem essa substituição e reduzam a perda de valores. Para usuários com pouco tempo no sítio, o CHO corresponde a uma área com vocação turística e cultural que deve oferecer infraestrutura compatível com sua importância.

· Os agentes sociais associam os valores de uso do sítio à atividade de contemplação, à religiosidade e à vocação a retiros espirituais, às atividades do turismo cultural e educativas, ao caráter boêmio e artístico do sítio, à vocação científica e sociocultural do Horto d’El Rey e dos quintais. A maioria dos valores de uso associados ao sítio no presente está relacionada com atributos não materiais, às vistas e paisagens preservadas, à atmosfera dos espaços religiosos, à imagem conservada do sítio que é de interesse dos moradores e das pessoas que o visitam, aos antigos modos de vida e práticas culturais, e esse contexto representa um desafio para o monitoramento das transformações e, em consequência, para o monitoramento dos valores que transportam. Isso reforça a relevância da atuação da comunidade para evitar a perda desses significados que estão associados ao ambiente culturalmente sustentável de que deseja usufruir.

· O uso do Horto d’El Rey como um parque público cultural é de interesse dos agentes sociais e poderá incrementar a significância cultural do sítio com valores de uso, sociais, culturais, urbanísticos e estéticos. O Horto d’El Rey é uma propriedade particular e vem sendo invadido por construções de loteamentos clandestinos que causam a derrubada da cobertura vegetal e alteram sua configuração urbana e das áreas do entorno. A ausência de ações efetivas de conservação e promoção da sustentabilidade do Horto d’El Rey é atribuída à incompreensão da gestão pública sobre sua representatividade e potencial interpretativo para a comunidade local e relevância para a conservação integrada do sítio e, para que não haja o agravamento da perda dos valores associados ao Horto, são propostas campanhas de informação junto à comunidade envolvida. Valores de uso e socioculturais também estão associados às antigas bicas do CHO que representam uma parte da sua memória social e o resgate da sua função tradicional é fundamental para sua reinserção ao cotidiano do sítio e para incremento da significância cultural.

· A gestão deve garantir a conservação integrada do sítio, preservando a dinâmica cotidiana que o qualifica e atendendo às necessidades dos agentes sociais. Conflitos que se estabelecem no sítio estão relacionados com alterações dos imóveis civis patrimoniais para adaptá-los a novos usos e atividades frente à permanência dos significados e valores referenciais do conjunto. A adoção de novos conceitos de vida e novos padrões sociais tem levado à busca de diferentes soluções que põem em risco a integridade estrutural e harmonia do conjunto. Há soluções de melhoria da ventilação e iluminação que devem ser buscadas para o conforto dos moradores e usuários e sua permanência no sítio,

contudo, a ampliação dos imóveis nas áreas dos quintais agrava problemas ambientais com o aumento de sobrecarga no solo e sua desestabilização através do abatimento das superfícies e deslizamento das encostas.

· São contribuintes ao processo de valoração do sítio os eventos Arte em Toda Parte e

Mostra Internacional de Música de Olinda (MIMO) e FLIPORTO, além do Carnaval que

ainda guarda características culturais essenciais. Contudo, a dimensão do Carnaval é questionada por moradores do sítio que o consideram ameaça à sua conservação sustentável e que motiva intervenções arquitetônicas que suprimem atributos relevantes que transportam valores de longa duração do conjunto civil patrimonial. No presente, os valores culturais associados ao carnaval são atribuídos principalmente por agentes sociais com pouca permanência no sítio e outros que compõem grupos externos à comunidade local. O evento Arte em Toda Parte que promove a visitação a espaços de exposição e ateliês também tem motivado a alteração dos imóveis para dotá-los de espaços de exposição de maiores dimensões. Importante salientar que eventos turístico-culturais realizados no sítio também estão associados a valores econômicos, mas a gestão inadequada pode levar a um desenvolvimento indesejável ou à destruição dos bens, por não se considerar uma abordagem coletiva adequada da relação custo-benefício. O Plano de Conservação deve prever propostas para redução da perda de significados e valores associados ao conjunto subsidiadas em estudos sobre a capacidade de carga dos imóveis e diagnósticos sobre danos relacionados com o carnaval.

· Valores culturais também permanecem associados ao atributo representado pela relação particular do sítio com a vegetação e também à imagem conservada do sítio. Valores arquitetônicos estão associados aos atributos físico-espaciais tradicionais do conjunto arquitetônico civil patrimonial que conservam seu valor estético, artístico e funcional. O caráter coeso do conjunto arquitetônico civil patrimonial está associado aos valores culturais de longa duração do sítio.

· O CHO guarda relação visceral com valores espirituais desde o início da sua formação urbana, os quais contribuem fortemente para a constituição de seu espírito de lugar. A diversidade de credos e cultos se constitui numa riqueza cultural e para agentes sociais é de interesse a elaboração de um inventário de referências culturais do sítio. A elaboração de projetos de conservação dos imóveis que acolhem as entidades espirituais

representadas no sítio corresponde a uma iniciativa importante para a permanência dos valores espirituais, e essa compreensão foi incorporada pelo IPHAN que está elaborando o projeto arquitetônico e interpretativo para o Palácio de Iemanjá, localizado no Alto da Sé.

· A qualificação de cidade aninhada em uma massa de vegetação está associada a valores culturais mais relevantes do sítio e sua permanência implica empreender ações de conservação integrada da cobertura vegetal. A realização de um inventário ambiental poderá ser um suporte relevante às ações propostas no Plano de Conservação e à tomada de decisão com vistas à manutenção da vegetação ainda existente no interior das quadras, espaço que pode viabilizar o uso coletivo e agregar valores sociais do presente. A conservação da cobertura vegetal do sítio é de interesse prioritário para sua comunidade e a gestão deve buscar incorporar o monitoramento sistemático e o assessoramento técnico a proprietários e usuários dos imóveis, com vistas à solução precoce dos problemas encontrados.

· A diversidade de estilos arquitetônicos do conjunto patrimonial se constitui em verdadeiro testemunho no contínuo do tempo e, de certa forma, caracteriza o processo de evolução da arquitetura brasileira através de exemplares que estão presentes no sítio. O conjunto arquitetônico do CHO representa a apropriação do repertório formal português associado à cultura indígena, oriental e africana que foi adaptado a processos culturais localistas, e a ele estão associados valores arquitetônicos e culturais do sítio. Para agentes sociais, a intervenção que elimina registros temporais impressos no imóvel representa um dano à essa diversidade e à história do processo construtivo e estilístico. No caso do CHO, essa perda pode ser potencializada, uma vez que parte de seu conjunto arquitetônico patrimonial apresenta caráter eclético e modernizado. As legislações de proteção que norteiam a gestão do sítio não definem regras de intervenção arquitetônica segundo critérios de representatividade e exemplaridade dos imóveis civis patrimoniais e, em decorrência, podem estar criando condições favoráveis de opção pelos valores de uso e social, em detrimento dos valores de antiguidade, histórico, de identidade, arquitetônicos e técnico-científicos. Disso decorrem conflitos que se estabelecem entre antigos moradores e especialistas e moradores e usuários recentes do sítio. E é considerando os critérios de representatividade e exemplaridade que para alguns agentes sociais do sítio a intervenção de reforma com implantação de um elevador no edifício da

Caixa d’Água descaracterizou esse exemplar representativo da arquitetura moderna, ao qual estão associados os valores arquitetônico, cultural, científico e educativo. Outros agentes sociais, particularmente gestores do sítio, classificam a intervenção como dinamizadora das atividades do turismo cultural e, nesse caso, põem os valores de uso e econômico no topo da escala de valoração.

· Os valores sociais do CHO no presente estão associados a práticas sociais cotidianas e a antigos hábitos que permanecem como a disposição de cadeiras nas calçadas por antigas famílias e à participação em manifestações culturais, além da consciência social da importância do patrimônio para os sujeitos que vivenciam o sítio. Essa categoria de valor está associada, ainda, ao sítio livre de veículos e à tranquilidade nas ruas e ladeiras; a paisagens e vistas que foram preservadas e à liberdade de visualização desses atributos singulares. Pode se afirmar que os valores sociais do CHO estão associados a componentes da qualidade de vida, como ouvir as badaladas dos sinos das igrejas e o canto gregoriano, assistir a procissões e à serenata pelas ladeiras, desfrutar do silêncio dos ambientes conventuais e que abrigam encontros e retiros espirituais 95. Também os valores sociais estão associados a atributos não materiais do sítio e sua permanência implica num monitoramento do significado geral do sítio para que mudanças físicas não diminuam os valores patrimoniais pelos quais o sítio foi e é reconhecido.

· Estudos científicos sobre o processo de acomodação do solo e a promoção de intervenções arquitetônicas no conjunto civil patrimonial para conter o deslizamento de encostas buscam manter valores de longa duração do sítio, a exemplo dos valores de antiguidade, históricos, de identidade, simbólicos, estéticos, arquitetônicos, urbanísticos e sociais. Além desses, buscam, também, assegurar a manutenção dos valores de uso e econômico que estão associados ao sítio, sem perder de vista a possibilidade de agregar outros valores contemporâneos. A gestão deve buscar fazer uso do monitoramento sistemático que auxiliará o ajuste das ações previstas no Plano de Conservação.

· Os agentes sociais intitulam de contravalores96

95

Retiro espiritual – Prática piedosa dos que se afastam das solicitações da vida cotidiana a fim de consagrar algum tempo à meditação, à oração, à reflexão e à conversão de vida (Dicionário Aurélio Eletrônico).

96

Contravalor – Valor trocado por outro (Dicionário Aurélio Eletrônico).

o que consideram como ameaças à conservação da significância cultural do CHO. Para eles, os contravalores são

representados por práticas socioculturais desvirtuadas da vocação do sítio: balbúrdia; o uso de logradouros públicos como bar e o grande número de veículos estacionados e em circulação pelas ruas estreitas. Essas práticas perturbam o cotidiano do sítio, causam a saída de antigos moradores e comprometem significados e valores na mesma medida de construções que descaracterizam o conjunto arquitetônico do sítio. O descrédito na gestão; a ausência de qualidade das obras públicas realizadas e de qualidade ambiental com deficiente infraestrutura e esgoto a céu aberto; a deficiente iluminação pública aliada à falta de segurança; o trânsito desordenado e a poluição sonora gerada por atividades que não respeitam o espírito do lugar são ameaças à permanência dos significados e valores do passado e à associação de significados e valores do presente que podem contribuir para a conservação sustentável do sítio. Intervenções arquitetônicas ocupam calçadas de Bairros como Guadalupe; comprometem a visibilidade nas áreas do entorno do Cruzeiro de São Francisco com muros elevados e associam valores que ensejam uma contracultura97. Conflitos se estabelecem entre valores de uso e sociais e valores urbanísticos e arquitetônicos de longa duração.

· O julgamento social considera como instrumentos fundamentais à gestão da conservação do CHO programas voltados à educação ambiental e patrimonial, um inventário ambiental para o sítio, o Plano de Conservação e o plano de circulação e de controle de acesso de veículos.

5.4 Critérios de avaliação das intervenções arquitetônicas no Setor