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1.5. Prototipia: por uma gramática de categorias não-discretas

1.5.1. Problemas da noção de protótipo

Eco (1998, p.171) questiona a definição da centralidade de uma categoria com base na noção de protótipo, que, segundo ele, seria confundido com o item que reúne o maior número de traços da classe, quando, em verdade deveria ser o item com os traços mais genéricos da classe. Discute, então, que

(...) o protótipo não é nem o membro de uma categoria nem uma estrutura mental precisa, quanto mais o resultado de uma experiência que tem em vista recolher e quantificar juízos sobre o grau de prototipicidade. O que significa grau de prototipicidade? Teríamos uma identificação de prototipicidade quando o maior número de atribuições que este possui em comum com os outros membros da categoria é destinado ao membro de uma categoria. (1998, p.171)

Essas considerações são muito interessantes, porque põem em xeque o modo de configuração do protótipo. Em seguida, argumenta que “em qualquer ordenação categorial, o gênero superordenado deve ter menos traços que a espécie subordinada, e a espécie menos ocorrências individuais que permite reconhecer.” (1998, p.171) Eis o motivo de ele ter questionado a escolha de ‘automóvel’ como protótipo da categoria de ‘veículo’, porque reúne vinte e cinco traços tidos como característicos, ao passo que ‘elevador’ apresenta apenas dois traços, tidos como fundamentais: mover-se e transportar pessoas. Pela definição última, o protótipo de veículo não deveria ser ‘automóvel’, mas ‘elevador’. Como decorrência de sua argumentação, declara que “o protótipo possui extensão mínima e intensão máxima.” (1998, p.171) Se é assim, o protótipo, conquanto reúna a maior quantidade possível de traços, intensão máxima, ele ainda assim seria o representante de uma classe. O protótipo guarda especificidades múltiplas, mas é reconhecido como o representante principal de uma dada classe. Essa definição é de extrema valia para a tessitura de nossa argumentação sobre as proformas.

Eco (1998, p.171) pondera ainda que a noção de protótipo pode ser mais elucidativa para pesquisas antropológicas do que para descrever o funcionamento da cognição. Principalmente se as considerações de prototipicidade forem fruto de pesquisas empíricas, que refletem fatores de ordem etnológica:

Parece-me que a noção de protótipo tenha um valor para esclarecer quais são as

‘margens’ de uma categoria de base [grifo nosso]: se decidimos que os traços salientes da

categoria superordenada dos pássaros são bico, plumas, asas, duas patas e a capacidade de voar, é natural que haja embaraço para definir plenamento como pássaro a galinha, que não voa, mas que, no máximo, bate as asas (e não a excluímos, porque admitimos que os outros pássaros também não deixem de ser pássaros mesmo quando não voam). Mais discutível parece a identificação do protótipo de forma positiva, porque acredito que dependa de experiências ambientais e que os juízos de prototipicidade tenham mais valor para uma

pesquisa de antropologia cultural que para determinar mecanismos cognitivos em geral. (ECO, 1998, p.171)

Fundamental, no entanto, para nosso trabalho, é a consideração inicial de que a noção de protótipo serve para esclarecer o comportamento de itens marginais, ou seja, que não se ajustam de modo canônico em um dado quadro taxonômico, mas que podem ser reconhecidos simplesmente como membros ou itens exemplares ou centrais de uma dada classe. Assim, não vamos propor um traço unificador de forma a compor uma noção de superordenado de macroclasses gramaticais. Nesse sentido, a noção de protótipo que abraçamos é a mencionada na crítica de Eco (1998) ao protótipo de veículo, porque os traços mais gerais representariam prototipicamente uma classe. Porém, ao mesmo tempo, essas macroclasses, para a tradição, ainda que apresentem elementos com traços múltiplos, foram agrupadas sob o rótulo de pronome, em diferentes modelos gramaticais, o que demonstra que a noção de protótipo como o item de menor extensão e maior intensão é aplicável.

A fim de delimitar melhor o alcance dessas denominações e conceitos, urge firmar algumas decisões teóricas. Em primeiro lugar, a noção de protótipo como o item que apresenta os traços mais gerais de uma dada classe, para nós, será útil para definir as proformas em geral. Em segundo lugar, a noção de protótipo como item que reúne o maior número de traços de uma dada classe, noção oposta à primeira, é aplicável à inclusão na classe pronominal de formas de comportamento díspar. Essa ausência de segmentação apropriada se deu em razão da não apresentação de uma categoria que permitisse distribuir melhor as formas e as funções proformais pronominais.

Será, portanto, mais interessante restringir a designação de protótipo apenas para a segunda conceituação. Essa segunda noção, frise-se, explica também o título desta tese. A primeira noção será designada como superordenado. Em sendo assim, esquematicamente:

Contraste conceitual de proformas e pronomes Noção de protótipo e de

superordenado

Proformas Pronomes

1. Como item exemplar por reunir os traços mais gerais – noção de

superordenado

Aplicável para agrupar de modo mais coerente, com base no traço da

proformalidade, as proformas correlatas das macroclasses

----

2. Como item representativo por reunir (a maior quantidade de)

traços tidos como típicos da ----

Aplicável para justificar a inclusão sob o rótulo de pronome de proformas de

categoria – noção de protótipo

Quadro 1

Esse quadro será reconsiderado no quarto capítulo, aquando da discussão mais específica sobre a natureza das proformas.

Parece-nos, em suma, que convém, conforme já enunciamos, diferenciar protótipo de superordenado. O primeiro termo refere um membro de uma categoria que, conquanto não abrigue os traços mais genéricos, é identificado como o melhor representante de uma dada classe ou categoria. O segundo termo refere não necessariamente um dos membros de uma dada classe, mas um modelo ou um exemplo modelar por contemplar ou manifestar os traços mais genéricos, porque constantes em todos os membros (ou em sua maioria) de uma dada classe. Em sendo assim, a classe das proformas pronominais deve ser entendida como um protótipo das proformas em geral. Mas, as proformas, como duplo da língua, deve ser entendida como um superordenado das macroclasses manifestantes de proformalidade. Isso porque os pronomes não apresentam todos os traços mínimos da proformalidade. Ao contrário, apresentam uma gama complexa de traços com a proformalidade de fundo. Já as proformas se identificam exatamente porque, de modo típico, em sentido aristotélico, manifesta o traço mais geral: a proformalidade.

O termo protótipo pode abrigar duas noções fundamentais, em última análise, a saber: 1) o de melhor representante de uma categoria; 2) e o de representante que apresenta os traços típicos dos membros da categoria. Para nós, as proformas eleitas vão sobrepor as duas noções, ou seja, elas vão ser os melhores representantes de sua macroclasse ou subclasse de uma dada macroclasse exatamente porque conservam os traços mais típicos de cada classe ou subclasse (traços que, mais à frente, denominamos traços otimizados). Aclara-se, com a observação acima, a significação pretendida para o termo protótipo com relação às proformas de toda ordem.

1.6. Gramaticalização: seu estatuto teórico e sua validade operacional, metodológica

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