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Módulo III Atividades práticas

2.5 Procedimentos para a análise dos dados

Na etapa inicial, (1) instância do olhar do pesquisador para o problema de pesquisa, procurei seguir procedimento análogo ao de Ginzburg (2006), mas considerando particularidades do contexto e do problema de pesquisa desta investigação, tendo em vista que aquele estuda o fato histórico e, nesta pesquisa, o interesse está no fato discursivo, nos gestos de linguagem do escrevente na escrita. Para tanto, por meio da figura 04, a seguir, busco delinear o percurso seguido na investigação, associando o paradigma indiciário e a noção de excedente de visão.

Figura 4 – Percurso de pesquisa associando paradigma indiciário e excedente de visão

Definidas as instâncias do olhar, como pesquisadora, para os enunciados, vistos como elos de uma cadeia de comunicação discursiva (BAKHTIN, 2011), delineei a hipótese de partida e elegi a noção de excedente de visão como ponto de apoio teórico e metodológico. A exemplo do historiador que se pergunta como analisar um evento sem ter possibilidade de acesso a fontes diretas, perguntei-me, como linguista, ex-professora da educação básica e professora formadora de professor para o ensino de escrita: Como olhar para a história dos letramentos dos sujeitos da pesquisa? Como analisar a escrita de professores em formação inicial que olham para o que já viveram, para o que estão vivendo e para o que projetam viver? Como esses escreventes concebem a escrita, o ensino de escrita e a tecnologia e ensino?

Como o princípio da exotopia (excedente de visão) pode ser usado como um modo de olhar do pesquisador no processo de análise e do professor no ensino de escrita?

Levando-se em consideração o que diz Amorim (2010) sobre o conceito de exotopia – o qual “designa uma relação de tensão entre pelo menos dois lugares: o do sujeito que vive e

olha de onde vive, e daquele que, estando fora da experiência do primeiro, tenta mostrar o que vê do olhar do outro” (2010, p. 101, grifos meus) –, tenciono aproximar pelo menos

dois olhares: o de pesquisadora e professora formadora de professor para o ensino de escrita, um olhar de quem se volta para a escrita de professores em formação inicial, ao olhar que os professores em formação inicial têm da escrita, considerando-se o ensino de escrita, tecnologia e ensino (de escrita), sua condição, ao mesmo tempo, de egressos do Ensino Médio, licenciandos em Letras e futuros professores (o professor que projetam ser).

No que se refere à (2) instância do olhar do pesquisador para a identificação, seleção

e análise de pistas relevantes, num primeiro momento procedi a leituras dos gêneros do

discurso constitutivos do corpus, incluindo os textos que subsidiaram o Curso de Extensão, buscando identificar indícios e elaborar hipóteses sobre os gestos de linguagem do escrevente. Sempre que se fez necessário, busquei definir a relevância de índices em outras fontes (internas e externas), visando à confrontação e à interpretação de hipóteses.

A exemplo dos gestos de pesquisa de Ginzburg, em O Queijo e os vermes, ao longo da análise, hipóteses provisórias, 42 porém relacionadas à hipótese de partida e seus

desdobramentos, foram apontadas com o objetivo de compreender e explicar os gestos de linguagem do escrevente que se apresentam de forma singular nas produções escritas (PE).

Os procedimentos para a organização e análise dos dados envolveram duas etapas:

1ª etapa: olhar para a escrita do professor em formação inicial em diferentes gêneros do discurso para identificar índices

Nesta etapa, a organização do conjunto do material, formado de fóruns e wikis, para melhor identificação de índices, se deu da seguinte maneira:

 por agrupamento (reagrupamento, sempre que se mostrou necessário) de PE, segundo:

42 Em O Queijo e os Vermes, Ginzburg procura explicar um dado singular por meio de hipóteses as quais classifico

como explicativas e necessárias num dado momento uma vez que o historiador não se distancia de sua hipótese de partida, mas busca, por meio das explicativas, identificar e confrontar novos dados e pistas a fim de confirmá-la.

a) período do Curso de Letras - Licenciatura, considerando-se que havia ingressantes e “veteranos” no Curso de Extensão;

b) destinatários (imediato, presumido, sobredestinatário) no processo de interlocução;

c) posições enunciativas assumidas (professor em formação inicial, professor que projeta ser, egresso do ensino médio).

 por identificação de índices (vestígios) de diferentes gêneros do discurso (doravante GD) nas PE;

 por renomeação das PE, conforme identificação de vestígios mais prevalentes de GD reconhecidos em quatro categorias: GD fórum, GD fórum acadêmico, GD dissertação de vestibular e GD artigo científico;

 por organização das PE segundo data cronológica de publicação no Fórum ou na plataforma wiki.

2ª etapa: olhar para os índices nos diferentes gêneros do discurso

Nesta etapa, os conceitos teóricos foram continuamente retomados. Na análise, na definição da relevância do índice e na interpretação das hipóteses, foram mobilizados os conceitos de gênero do discurso (endereçamento, estilo, construção composicional e conteúdo temático), de relações intergenéricas, instabilidade do gênero e interveniência de esferas discursivas.

Buscando fatos linguístico-discursivos como critério complementar para a análise, utilizei-me basicamente dos seguintes aspectos: a) escolha de itens lexicais; b) organização sintática da sentença; c) uso de verbos e pronomes; d) paragrafação; e) ruínas de gêneros do discurso em outro gênero do discurso; f) categorias de tempo e espaço e g) organização espaço- visual da escrita pelo escrevente.

Ainda que a análise dos gêneros do discurso que compõem o corpus seja retomada no Capítulo 04, cumpre ressaltar que a identificação e a definição de uma PE como gênero do discurso (fórum, fórum acadêmico, dissertação de vestibular e artigo científico) se deram por meio da noção de excedente de visão na produção do índice, buscando em cada PE ruínas de gênero(s) do discurso (vestígios de um gênero do discurso em outro gênero, tomados numa acepção positiva) (CORRÊA, 2006). Para tanto, também foram observados os seguintes critérios:

a) fórum: indicação do interlocutor no início ou no final da PE, saudação inicial e fechamento da PE, uso recorrente da 1.ª pessoa do singular com destaque para si, predominância da tipologia textual “narrar”, relatos de fatos vivenciados pelo escrevente na educação básica ou no ensino superior – o professor em formação inicial se põe como exemplo na discussão;

b) fórum acadêmico: indicação ou não do interlocutor no início ou no final da PE, ocorrência esporádica de saudação inicial e fechamento, uso menos frequente da 1.ª pessoa e uso mais frequente da 3.ª pessoa, menor recorrência da tipologia “narrar”, maior recorrência das tipologias “descrever” e “argumentar”, uso de citações (trechos das PE de outro participante ou dos textos teóricos discutidos no Curso ou em alguma disciplina do Curso de Letras, marcada com itálico ou aspas), referência a autores com a indicação de ano de publicação e página, inexistência de relatos pessoais; questões de ensino e de linguagem como objeto de discussão mais ou menos marcada pelo diálogo com a teoria ou com o discurso oficial sobre ensino; c) dissertação de vestibular: indicação ou não do interlocutor no início ou no final da

PE, ocorrência ou não de saudação ou fechamento da PE, uso da 3.ª pessoa (singular ou plural) e da 1.ª pessoa do plural, ocorrência de voz passiva e sentenças com o sujeito indeterminado pelo pronome se (trata-se de...), número de parágrafos igual ou superior a três, retomada da primeira sentença da PE na conclusão, uso de marcadores na conclusão (“portanto”, “por isso”) ou de trechos como “Conclui-se que”, “Em vista do exposto”, tom conclusivo no último parágrafo, inexistência de citação direta ou indireta e referência a autores;

d) artigo científico: indicação ou não do interlocutor no início ou no final da PE, ocorrência ou não de saudação ou fechamento da PE, uso da 3.ª pessoa (singular ou plural) e da 1.ª pessoa (singular ou plural) para abordar questões de ensino e de linguagem como objeto de discussão mais ou menos marcada pelo diálogo com a teoria ou com o discurso oficial sobre ensino, ocorrência de voz passiva e sentenças com o sujeito indeterminado pelo pronome se (trata-se de...), ocorrência de citações diretas e indiretas marcadas com aspas ou em itálico, referência a autores com a indicação de ano e página, ocorrência de resumo, paráfrase ou resenha dos textos do Curso de Extensão.

Para uma melhor compreensão do uso do excedente de visão como modo de olhar do pesquisador no processo de análise, no Quadro 05, exponho um exemplo de gestos de pesquisa possíveis43 do pesquisador nas duas primeiras instâncias do olhar.

Identificação de um Gênero do Discurso ou de ruínas de um Gênero do Discurso em outro

Posição exotópica do pesquisador

Posição exotópica do

escrevente Índices

Olhar, na produção escrita (PE), a construção composicional

prototípica, o estilo e o conteúdo temático do gênero do discurso (GD).

 Qual estrutura o meu texto deve ter?

 Em que lugar estou?  Como alguém que está no lugar em que estou deve escrever?

Disposição espacial do texto; paragrafação; tipologias textuais predominantes; itens lexicais típicos do GD; linguagem (formal ou informal); função fática; dêiticos, ocorrência de vocativo, saudação, citações e referências, pontuação, abreviações,

emoticons, onomatopeias, etc. Indicação de possíveis gestos de pesquisa no processo de análise e interpretação da(s)

hipótese(s)

 comparar diferentes PE, em diferentes momentos, de um mesmo escrevente e, em seguida, com PE de outros escreventes, identificando pontos de contato e de distanciamento (doravante PC e PD);

 traçar uma linha do tempo dispondo as PE de um escrevente em relação às dos outros, observando os PC e PD;

 identificar e confrontar em quais momentos um GD aparece isolado ou em sequência na linha do tempo;

 observar se, quando ocorre uma PE típica do GD fórum, por exemplo, o escrevente se dirige explicitamente a um destinatário ou implicitamente a outro;

 identificar itens lexicais mais frequentes ou dissonantes, observando em quais PE ocorrem e que efeitos de sentido produzem;

 identificar o GD, verificar o número de ocorrência em relação a outros gêneros.

Quadro 05 – Gestos de pesquisa do pesquisador em posição exotópica para as duas primeiras instâncias do olhar

43 Trato como gestos de pesquisa possíveis uma vez que orientam o olhar do pesquisador na busca de índices –

fatos linguísticos – na escrita, considerando, ainda, que a noção de excedente de visão nem sempre se apresenta explicitamente marcada no gênero do discurso.

Para finalizar, a (3) instância do olhar do pesquisador no processo de interpretação abrange os resultados e as conclusões da pesquisa. Nessa instância, retomei a noção de excedência de visão com a finalidade de identificar novos indícios, confrontando-os com as análises realizadas e com os resultados a partir delas gerados para, ao término (sempre provisório) desta investigação, responder se as hipóteses foram ou não respondidas.

No Capítulo 3, passo à discussão circunstanciada dos pressupostos teóricos que fundamentam esta tese.