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Recursos Organizacionais Intangíveis

4.4 Análise cruzada dos casos

4.4.2 Processo de desenvolvimento e/ou aquisição dos recursos

O objetivo principal deste trabalho foi o de analisar o processo de desenvolvimento/aquisição dos recursos estratégicos de restaurantes gastronômicos na América Latina.

Independente da heterogeneidade, todas as empresas têm início com uma dotação de recursos e capacidades (MARITAN; PETERAF, 2011) que evolui ao longo do tempo podendo gerar posteriormente significativa diferença de desempenho (ZOTT, 2003). Assentado nesta dotação inicial, e inserida em diferentes contextos internos e externos, a empresa vai construindo a sua base de recursos estratégicos adquirindo-os no mercado de fatores estratégicos (BARNEY, 1986) ou os desenvolvendo internamente (DIERICKX; COOL, 1989).

O primeiro recurso estratégico analisado é o recurso humano e se referem ao conhecimento, à confiança, à capacidade de inovar dos funcionários bem como à capacidade gerencial (BARNEY, 1991; GRANT, 1991; PIKE; ROOS: MARR, 2005).

Neste item, pode-se afirmar que o chef de cozinha é o recurso estratégico mais importante dos restaurantes gastronômicos e está relacionada às estratégias dos restaurantes franceses estrelados no guia Michelin (BALAZS, 2002). Estes ganharam notoriedade, status e reconhecimento social (HORNG; LEE, 2009) a partir da nouvelle cuisine (RAO; MONIN; DURAND, 2003, SVEJENOVA; MAZZA; PLANELLAS, 2007).

Nos três casos estudados, os chefs tiveram uma formação acadêmica em gastronomia antes de iniciarem o trabalho nas empresas e hoje são proprietários (Alberto Landgraf, Rodrigo Oliveira e Gaston Acurio) e empregados (Diego Muñoz). No Mocotó, o recurso humano chef foi desenvolvido internamente mesmo antes da entrada de Rodrigo na faculdade de gastronomia, uma vez que desde a sua juventude ele já trabalhava na empresa e após a conclusão do curso o Mocotó foi a única empresa em que ele trabalhou. Já Alberto Landgraf, após a conclusão do seu curso, trabalhou em diversas empresas na Europa e no Brasil antes de abrir o seu próprio restaurante, o Epice. Porém, não se pode afirmar que este tenha sido um recurso adquirido no mercado. Apesar de já ter experiência anterior, foi no Epice que ele pôde efetivamente implementar o seu conceito como chef de cozinha e desenvolveu suas habilidades gerenciais. O caso do Astrid y Gaston é interessante, pois há o recurso chef de cozinha que foi desenvolvido internamente, que é Gastón Acurio; e o recurso chef de cozinha que foi adquirido no mercado de fatores estratégicos (BARNEY, 1986) na segunda fase do restaurante. Pode-se inferir que o recurso estratégico chef de cozinha foi adquirido com o objetivo de complementar os recursos já existentes – reputação, rede de relacionamento,

cultura organizacional – e também desenvolver internamente outros recursos como a capacidade de criar e inovar, ratificando a proposição de Maritan e Peteraf (2011).

Nos três casos analisados, o recurso estratégico chef de cozinha está relacionados ao desenvolvimento e/ou aquisição de todos os outros recursos: cultura organizacional, rede de relacionamento, reputação, inovação e criatividade; recursos financeiros; e até mesmo os recursos físicos – equipamentos e ambiente, conforme retrata a figura 31. Este achado corrobora Adegbesan (2009) que argumenta serem os gestores responsáveis por criar valor para a empresa e se diferenciar dos concorrentes por meio da combinação e complementariedade de recursos.

A cultura organizacional - conjunto de valores que determinados membros compartilham dentro de uma organização e que possibilita a esta, ser diferente das demais (ROBBINS, 2005) - das três empresas estudadas está assentada principalmente nos valores dos chefs de cozinha. A hospitalidade do Mocotó, a disciplina quase militar e a dedicação ao trabalho, são valores cultivados respectivamente por Rodrigo Oliveira, Alberto Landgraf e Diego Muñoz, e permitem a estas empresas se diferenciarem. Até mesmo quando da mudança do chef, no caso do Astrid y Gaston, houve uma mudança de cultura organizacional e muitos dos antigos funcionários não permaneceram no restaurante.

Os recursos relacionais e reputacionais estão também pautados na figura dos chefs de cozinha destas empresas graças à notoriedade que estes têm na sociedade atual. E no caso específico do Astrid y Gaston, a reputação e a rede de relacionamentos estão associadas tanto a Gastón Acurio quanto a Diego Muñoz. Os chefs são também os principais atores que conduzem os processos de criação e inovação e, portanto, desenvolvem os recursos tecnológicos tangíveis e intangíveis. Os chefs também têm um papel ativo tanto no desenvolvimento (reformas do Mocotó, desenvolvimento dos equipamentos) quanto na aquisição dos recursos físicos (equipamentos). E por fim, como são também proprietários, cabe aos chefs administrar os recursos financeiros.

Figura 31: O recurso chef e sua relação com os demais recursos estratégicos

Fonte: Elaboração da autora (2014)

Sirmon et al (2011) e Sirmon, Hitt e Ireland (2007) afirmam que como as empresas gerenciam os seus recursos estratégicos é mais importante do que elencar estes recursos e enfocam o importante papel do gestor neste processo. Sirmon, Hitt e Ireland (2007) criaram um modelo de gerenciamento de recursos que consiste em estruturar, agrupar e alavancar os recursos existentes como uma função da gerencia, nos três casos estudados, uma função dos chefs de cozinha.

Além do chef de cozinha, há também outros recursos humanos importantes para o sucesso das empresas (WRIGHT; DUNFORD; SNELL, 2001). Cabe salientar que neste item houve tanto um desenvolvimento destes recursos como a aquisição – principalmente nas últimas fases dos restaurantes Mocotó e Astrid y Gaston. Pode-se afirmar que estas aquisições estão relacionadas à reputação tanto da empresa adquirente quanto do recurso adquirido. Especificamente no caso do Mocotó, foi a fama do restaurante que atraiu estudantes formados em gastronomia para estagiar e posteriormente trabalhar na empresa. No caso do Astrid y Gaston foi a reputação construída pelos recursos humanos - nominalmente Diego Muñoz, Julio Barluenga e Luis García - aliados à rede de relacionamento de Gastón Acurio, que permitiu que estes recursos fossem adquiridos reforçandoo assim a proposição de complementariedade dos recursos e o ciclo virtuoso entre adquirir e desenvolver (MARITAN; PETERAF, 2011). Ademais, Coff e Kryscynski (2011) argumentam que ter recursos humanos

de alta qualidade podem atrair outros empregados competentes e que a rede de relacionamento pessoal de alguns empregados pode também ser um modo de recrutar novos talentos. Estas afirmativas podem ser comprovadas no caso do Astrid y Gaston, visto que o atual sous chef do restaurante, o mexicano Emilio Macias, foi convidado para trabalhar na empresa pelo amigo Diego Muñoz. Da mesma forma, futuramente, o sommelier Julio Barluenga e o diretor de sala Luis García poderão atrair novos talentos para a empresa. Por fim, as empresas com recursos humanos mais qualificados estão mais bem posicionadas para criar outros recursos caracterizados pela: especificidade, complexidade social e ambiguidade casual, tornando-os muito difícil de imitar (COFF; KRYSCYNSKI, 2011).

A segunda categoria de recursos analisados são os chamados recursos organizacionais intangíveis - cultura organizacional, a imagem, os sistemas e a comunicação (BARNEY, 1991; GRANT; 1991: PIKE, ROOS, MARR, 2005). Nos três casos relatados, os dados apontam que a cultura organizacional é um importante recurso e que esta foi desenvolvida internamente corroborando Dierickx e Cool (1989) que afirmam ser a cultura organizacional um recurso específico de cada empresa e que, portanto, só pode ser desenvolvida internamente.

A terceira categoria de recursos são os recursos reputacionais que podem ser divididos em: reputação junto ao cliente - nome da marca, percepção de qualidade, durabilidade e confiabilidade do produto; a reputação junto ao fornecedor - interações e relações de eficiência, eficácia, suporte (BARNEY, 1991; GRANT; 1991: PIKE, ROOS, MARR, 2005); e, no caso específico do campo empírico desta tese, a reputação junto à mídia especializada, jornalistas e guias gastronômicos. E como defende Leschziner (2007), graças ao papel de protagonista e de artista da cozinha que os chefs têm, o seu nome torna-se capital e faz com que a reputação do chef seja ainda mais importante.

Para Roberts e Dowling (2002) a reputação consiste no conjunto de atributos organizacionais, desenvolvidos ao longo do tempo, que influencia a forma como os stakeholders percebem a empresa com boa conduta e está associada a um desempenho superior (THOMAZ; BRITO, 2010; CAIXETA et al.; 2011; CARDOSO et al., 2013). É interessante pontuar que Shapiro (1983) e Poiesz (1989) defendem o argumento que o recurso estratégico reputação tem valor apenas em um ambiente com informações imperfeitas, quando os atributos dos produtos e serviços não são perfeitamente pré-observáveis, e este é o caso dos restaurantes, pois produção e consumo ocorrem concomitantemente.

O conceito de reputação indica que este é um recurso desenvolvido ao longo do tempo corroborando Dierickx e Cool (1989) que consideram a reputação um recurso não-

comercializável no SFM e, portanto, desenvolvido internamente. É importante frisar também que no campo empírico da pesquisa revelou-se também ser importante a reputação do chef de cozinha, como já enfatizado. Pode-se inferir que no caso do restaurante Astrid y Gaston, a reputação do seu fundador Gastón Acurio é maior do que a da própria empresa.

A quarta categoria se refere aos recursos relacionais, ou redes de relacionamento sociais - acordos de parcerias com fornecedores, centros de pesquisa ou universidades, bem como as relações com órgãos de regulamentação (PIKE, ROOS, MARR, 2005).No caso dos restaurantes, Balazs (2002) acrescenta as relações entre chefs e clientes, pois os primeiros acreditam que os clientes devem ser tratados como pessoas muito importantes e para isso os chefs fazem esforço para conhecê-los e garantir a satisfação dos mesmos.

Para Nelson (1984) redes sociais são conjuntos de contatos que ligam vários atores, podendo estes contatos serem de diferentes tipos: formais ou informais; forte ou fraco; frequente ou raro; e altamente emocional ou puramente utilitário. Para Dyer e Singh (1998) os relacionamentos de negócios são recursos estratégicos da empresa porque: (a) fornecem acesso a recursos externos; (b) conectam a empresa aos seus principais clientes e fornecedores; e (c) conectam o ator ao resto da rede de negócios na qual está inserido (instituições financeiras, parceiros, rivais etc.).

Nos casos estudados, as redes de relacionamento foram desenvolvidas internamente ao longo do tempo (DIERICKX; COOL, 1989) principalmente com fornecedores, críticos gastronômicos e com outros chefs de cozinha nacionais e internacionais.

Com os fornecedores, este relacionamento teve o objetivo de desenvolver a cadeia produtiva e divulgar o trabalho destes, além de ter acesso a produtos de qualidade que suportassem as estratégias de negócios dessas empresas. Ademais, Leschziner (2007) defende a ideia de que o relacionamento entre chefs e fornecedores permite aos primeiros serem pioneiros no conhecimento e na introdução de novos ingredientes no mercado.

Já com os críticos gastronômicos, a rede de relacionamento tem o intuito de construir uma opinião favorável sobre o restaurante, pois como afirma Barbosa (2008) por ser um gênero jornalístico opinativo sobre o trabalho de um chef ou restaurante a crítica gastronômica pode influenciar a demanda e afetar o valor e a frequência a restaurantes. Por fim, os relacionamentos com colegas de profissão, permitem aos chefs serem pioneiros em importar novas ideias para o mercado gastronômico, havendo assim uma associação entre os recursos relacionais e os recursos de tecnológicos de inovação dos chefs de cozinha (STIERAND; LYNCH, 2008).

Neste tópico além da ambiguidade causal que dificulta a imitação dos recursos estratégicos (BARNEY, 1991), percebe-se também o uso de um recurso estratégico no processo de aquisição e/ou desenvolvimento de outros recursos (WERNERFELT, 2011).

Os recursos tecnológicos são classificados em tangíveis - sistemas operacionais, estoque de tecnologias como patentes, marcas registradas, direitos autorais e segredos comerciais (GRANT; 1991; HALL, 1992); e intangíveis - ideias, capacidade científica, capacidade de inovar (GRANT; 1991; HALL, 1992). Como não há como patentear receitas e, portanto, as inovações produzidas pelos chefs nos podem ser rapidamente copiadas ou imitadas, um processo contínuo de inovação é apontado como condição sine qua non para manter a vantagem competitiva (OTTENBACHER; HARRINGTON, 2007; HU, 2010).

Nos casos estudados, estes recursos estão associados basicamente à figura do chef de cozinha que é o responsável pelo processo de criação e inovação nestas empresas, apesar deste processo contar com a colaboração de outras pessoas, sejam elas funcionários ou colaboradores externos.

Há no processo de criação e inovação dos chefs uma dimensão mais concreta – novos produtos e serviços - e outra abstrata – novas maneiras de pensar a comida, ou seja, o que se come e como se come (STIERAND; LYNCH, 2008). Nos três casos estudados foi possível perceber ambas as dimensões. A dimensão mais concreta se manifestou no uso de ingredientes pouco valorizados na alta gastronomia, na apresentação estética dos pratos e na introdução de novos conceitos – como as sobremesas e sucos na segunda fase do Mocotó, a cozinha totalmente à vista do cliente na inauguração do Astrid y Gaston e a não cobrança da água servida no Epice. A dimensão abstrata se manifestou por meio de transformar a gastronomia em um instrumento de discurso socioambiental, de valorização das culinárias regionais (Nordestinas e peruanas especificamente) e na concepção de menus degustação como uma experiência holística que abrange diversas artes – música, artes plásticas, literatura e teatro.

Quanto ao processo de criação dos chefs pesquisados houve semelhanças e diferenças. As semelhanças se referem aos fatores que auxiliaram os chefs neste processo: recursos físicos como equipamentos, utensílios; recursos humanos como funcionários bem qualificados e treinados; e uma “mente aberta” (HORNG; LEE, 2009) contribuíram para o processo dos chefs. Outra semelhança reside também nas principais fontes de inspiração para este processo: visitas a outros chefs; leitura de livros de gastronomia; visitas à mercados, viagens, experiência anteriores de funcionários e clientes.