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Conforme a literatura, os recursos humanos são basicamente intangíveis e se referem ao conhecimento, à confiança, à capacidade de inovar dos funcionários bem como à capacidade gerencial (BARNEY, 1991; GRANT, 1991; PIKE; ROOS: MARR, 2005) e podem se constituir em um dos fatores de vantagem competitiva sustentável de uma empresa (WRIGHT et al., 2001).

No Mocotó, a dotação inicial dos recursos humanos era apenas o Sr. Zé Almeida com a sua capacidade de trabalho, sua visão empreendedora e sua personalidade. Na época da divisão da sociedade entre os três irmãos, a única filial que tinha o diferencial de vender o caldo de Mocotó era a da Vila Medeiros - esta foi a única a prosperar. Foi a capacidade de trabalho do fundador da empresa, sua devoção em bem receber e tratar a todos com o mesmo respeito e simpatia que fez a empresa prosperar.

Com a expansão da empresa, o número de empregados foi crescendo e hoje são quase 60 funcionários registrados. As práticas de gestão de recursos da empresa são bastante diferentes das dos seus concorrentes e conquanto Wright et al. (2001) defendam que as práticas de gestão de recursos humanos podem ser facilmente copiadas, acredita-se que no caso do Mocotó essas práticas não podem ser facilmente transferidas, pois estão imbricadas na cultura organizacional da empresa. Por exemplo, o recrutamento de novos empregados se dá exclusivamente por meio de indicação dos antigos funcionários conforme atesta o gerente Ricardo:

“...boa parte das nossas contratações são feitas por indicações das próprias pessoas que trabalham aqui, porque, na verdade, começou como empresa familiar, então, antes de entrar aqui no Mocotó, a pessoa tinha que ter um certo convívio, porque realmente é um pequeno bar. Então, desde o começo sempre foi utilizado esse método. E hoje o pessoal que trabalha aqui consegue ter uma visão clara disso. Alguns casos eles até não indicam, eles dizem: [“_olha, tem um amigo meu que vai vir aqui falar com você, mas ele é meio assim, então, de repente...”]...”

Isto parece gerar um ambiente de confiança e ajuda mútua entre os empregados. Ademais, todo novo funcionário é contratado no mais baixo cargo da hierarquia, mesmo que ele já tenha experiência anterior e aos poucos pode ser promovido. Isto permite valorizar e promover os funcionários mais antigos além de desenvolvê-los e inseri-los na cultura organizacional. Esta parece ser uma prática adotada também pelos estrelados restaurantes franceses (BALAZS, 2001).

Outra prática, esta não usual na indústria de alimentação fora do lar, é a remuneração variável decorrente da divisão por igual da taxa de serviço cobrada entre todos os funcionários. Todos os funcionários recebem exatamente o mesmo valor da remuneração variável decorrente desta taxa, como afirma o gerente: - “eu ganho a mesma coisa que o commin... é exatamente o mesmo valor, não tem pontuação”. O restaurante também investe na capacitação dos funcionários pagando parte de cursos que estão relacionados à função exercida. Esta é uma prática pouco usual em empresas de alimentação fora do lar.

Outro recurso humano que gerou vantagem competitiva sustentável foi o chef de cozinha Rodrigo Oliveira. Este talvez seja o recurso humano mais importante atualmente do Mocotó e está relacionado diretamente a outros recursos como: cultura organizacional, rede de relacionamento, reputação, inovação e criatividade, e até mesmo os recursos físicos – equipamentos e ambiente.

No caso do Mocotó, a cultura organizacional, apesar de ter sido implementada pelo Sr. Zé Almeida, atualmente é influenciada diretamente pelas crenças do chef – as estratégias de remuneração e contratação que foram desenvolvidas conjuntamente com os funcionários. É a rede de relacionamento do chef Rodrigo que trás até o Mocotó chefs famosos, críticos gastronômicos e foodies. Boa parte da reputação da empresa foi construída com a entrada do chef na gestão do restaurante e até os recursos físicos – sejam as reformas ou os equipamentos – estão associados à figura do chef de cozinha Rodrigo Oliveira. Este é também o principal ator que conduz os processos de criatividade e inovação ligados à empresa.

Este recurso humano foi desenvolvido internamente. O chef Rodrigo Oliveira, começou a trabalhar no Mocotó com apenas 13 anos e foi lá que aprendeu sobre o dia a dia de um restaurante apesar de ter cursado gastronomia, ter viajado bastante e, mais recentemente, conhecido outros restaurantes.

Como já mencionado, o chef de cozinha ganhou status a partir da nouvelle cuisine e hoje o fascínio pelos chefs é um fenômeno global identificado por vários especialistas (FIESP; ITAL, 2010). Em pesquisa realizada nos restaurantes franceses estrelados, Balazs (2002) constata que os chefs de cozinha exercem dois papéis: o de líderes carismáticos – visionário, capaz de emocionar seus clientes, motivar seus colaboradores e criar um bom ambiente de trabalho; e o de arquiteto organizacional – que corresponde às funções gerenciais como relacionamento com fornecedores, controle de custos e comando das operações diárias. O chef Rodrigo parece exercer todos esses papeis conforme resumido no quadro 9.

Quadro 9: Papéis do chef Rodrigo Oliveira

Papel principal Papel secundário Como Rodrigo o exerce Líder Carismático Visionário • Reformas na estrutura física

• Inovação na elaboração e apresentação dos pratos

• Implantação de um novo modelo de negócio

Emocionar seus clientes • Hospitalidade - Recebe todos com o mesmo carinho

Motivar sua equipe • Políticas de remuneração diferenciada

• Oportunidade de opinar e contribuir para a gestão do restaurante

Criar bom ambiente de trabalho • Hospitalidade – tratar todos os funcionários bem

• Incentiva a colaboração – política de contratação

fornecedores equipamentos em parceria com fornecedores

• Montagem do espaço de pesquisa Engenho Mocotó • Fornecedores especializados • Relacionamento antigo (desde

os tempos do empório) com alguns fornecedores

Controle de custos • Uso de capital próprio para financiar reformas e aquisições • Uso de fichas técnicas

• As inovações são pensadas considerando também a operacionalização

Comando das Operações diárias • Presença constante no dia a dia do restaurante

Fonte: Elaborado pela autora, com base em Balazs (2002)

Na terceira e última fase do restaurante, os recursos humanos – Sr. Zé Almeida, Rodrigo e demais funcionários - que até então vinham sendo desenvolvidos internamente, graças à política de contratação do restaurante de selecionar as pessoas para os cargos mais baixos na hierarquia, passaram a serem também adquiridos no mercado.

Devido ao grande sucesso alcançado na mídia especializada, na terceira fase do restaurante, o Mocotó despertou o interesse dos estudantes formados em gastronomia que passaram a estagiar e, posteriormente, a serem contratados pela empresa, evidenciando que este recurso especificamente foi concomitante tanto adquirido quanto desenvolvido, conforme ressaltou o chef Rodrigo:

“e mais um terceiro mundo que nasceu do encontro desses dois mundos que você vai adorar. Os nossos meninos, vendo o desempenho e o que esses meninos traziam da faculdade, da universidade, começaram a cultivar a ideia de: {“Poxa, será que eu podia?”}... e vivendo ali, lado a lado com... {“... eu posso fazer. Por que é que a gente... eu posso fazer também”}. Alguns foram primeiro em busca de supletivo pra terminar só estudo básico e já tão agora estudando gastronomia.”

A análise dos dados permite afirmar que enquanto os recursos humanos nas duas primeiras fases da empresa foram desenvolvidos internamente, fruto de um processo de criação fundamentada nas escolhas estratégicas do corpo gerencial (RUMELT, 1997), na terceira fase do restaurante estes recursos foram também adquiridos no mercado de fatores estratégicos (BARNEY, 1986). É possível perceber também que houve um processo de complementaridade dos recursos humanos, enquanto os funcionários

antigos buscaram conhecimento teórico em cursos de formação, os estagiários adquiriram conhecimentos práticos do dia-a-dia em um restaurante.