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Ubatuba, São Paulo, Brasil

3. Processo de reconhecimento do Quilombo da Fazenda

O reconhecimento oficial do território quilombola do Sertão da Fazenda teve seu início na década de 1990, com a formalização, junto à Fundação Palmares, por meio da Portaria nº 2, de 17 de janeiro de 2006 (Livro 005, registro 463, folha 71, publicado no Diário Oficial da União no dia 20 de janeiro de 2006). Em agosto de 2006, a Associação da Comunidade de Remanescentes de Quilombo da Fazenda (ACRQF) solicita à Fundação ITESP a elaboração do “laudo antro‐ pológico”, exigência legal para obtenção dos tulos de propriedade cole va das terras ocupadas pela comunidade.

O referido laudo, elaborado a par r de um Relatório Técnico‐cien fico (RTC) que atestou a ancestralidade de moradores an gos do Sertão da Fazenda e adjacências, contribuiu para a delimitação do território reivindicado para a tulação. A pesquisa histórica e etnográfica e o levantamento genealógico atestaram que a ocupação atual resulta de fluxos migratórios que par ram de áreas con guas à Fazenda (Ubatumirim e Campinho/Paraty‐RJ) e do município de Cunha, nos úl mos 60 anos, além das uniões com pessoas na vas que remontam a uma ocupação de pelo menos 120 anos.⁴

O relatório RTC da Fundação ITESP cons tui referência, pois a Cons tuição Federal, em seu ar go 68: Ato das Disposições Cons tucionais Transitórias, dispõe que: “[...] aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade defini va, devendo o Estado emi r‐lhes os tulos respec vos” (ITESP, 2007, p. 6).

No estado de São Paulo, a regulamentação desse ar go foi elaborada a par r de sucessivos instrumentos legais, a exemplo do Decreto Estadual Nº 42.839/1998, cujo texto legal é claro com relação à definição do “auto‐

reconhecimento”, tanto da iden dade “quilombola”, quanto do território a ser demarcado:

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Segundo informações da FIOCRUZ, por meio do “Mapa de Conflitos envolvendo Injustiça

Ambiental e Saúde no Brasil” (www.conflitoambiental.icict.fiocruz.br), o processo de titulação vem

se arrastando pela burocracia dos órgãos responsáveis, criando um clima de constrangimento e obrigando o Ministério Público Federal (MPF) a intervir para que o órgão estadual, a Fundação Florestal (FF), faça a sua parte com eficiência e impessoalidade, dentro da legalidade exigida. O processo de titulação do Quilombo da Fazenda passa por dois órgãos estaduais: a Fundação Florestal e a Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo José Gomes da Silva.

a) Ar go 2º ‐ Os Remanescentes das Comunidades de Quilombo, assim definidos conforme conceituação antropológica, obedecido ao disposto do ar go 15 do Decreto 41.774 de 13 de maio de 1997, serão iden ficados a par r de critérios de auto iden ficação e dados histórico‐sociais, escritos e/ou orais, por meio de Relatório Técnico‐Cien fico, elaborado no âmbito da Fundação Ins tuto de Terras do Estado de São Paulo José Gomes da Silva – ITESP.

b) Ar go 3º ‐ Dos mesmos Relatórios Técnicos Cien ficos constarão os limites totais das áreas ocupadas, conforme territorialidade indicada pelos Remanescentes de Comunidades de Quilombos, que levarão em conside‐ ração os espaços de moradia, exploração econômica, social, cultural e des nados aos cultos religiosos e ao lazer, garan ndo‐se as terras necessárias à sua repro‐ dução sica e sócio‐cultural.

Como resultado final da negociação entre a Associação da Comunidade dos Remanescentes do Quilombo da Fazenda (ACRQF), a Fundação Florestal e a Fundação ITESP, em julho de 2010 excluíram os trechos de Praia do perímetro do “Quilombo da Fazenda”, o que reduziu de 3.000 ha para 795,23 ha, condicionado esse acordo à gestão compar lhada de alguns equipamentos e serviços entre a Associação e o Núcleo Picinguaba, e o uso de algumas residências por moradores da comunidade e funcionários do Parque.

O RTC traz as seguintes conclusões ora reproduzidas, e que cons tuem elementos essenciais à presente análise:

 Os moradores da Fazenda Picinguaba são remanes‐ centes de quilombo, conforme os critérios oficiais de reconhecimento adotados pelo Governo do Estado de São Paulo e devem gozar dos direitos que este reconhecimento lhes assegura;

 O reconhecimento como quilombo é incompa vel com a existência de um Parque Estadual em seu território;

 Urge a regularização fundiária do território quilom‐ bola para assegurar o direito da comunidade ao livre acesso aos recursos naturais de que sempre dispu‐ seram, respeitando‐se a legislação ambiental.

 Urge que o Estado reverta o quadro histórico de conflitos com a população local, abandonando a postura restri va ao modo tradicional, garan ndo 113 A GEOGRAFIA FÍSICA COMO INSTRUMENTO DE JUSTIÇA AMBIENTAL

os direitos básicos dos moradores e auxiliando em inicia vas de caráter socioeconômico que permi‐ tam a con nuidade dos quilombolas em suas terras;

 O território reivindicado está de acordo com a ocupação histórica, mas supera o tamanho neces‐ sário à reprodução sica e cultural da comunidade quilombola;

 Em áreas pouco ocupadas e onde a incidência de agregados é maior, caso da faixa que inclui a praia da Fazenda, a Ponta Baixa e o sertão do Cubata, a associação dos remanescentes de quilombo deve ter a liberdade de negociar entre a tulação e um plano de gestão compar lhada com o Parque que reverta em bene cios para a comunidade (ITESP, 2007, p. 60).

O RTC traz, ainda, recomendações no que se refere à implantação do território quilombola e do próprio Parque nesse setor. As recomendações reforçam os compromissos ins tucionais firmados, no que se refere ao reconhecimento dos direitos territoriais do Quilombo da Fazenda⁵.

1. Compor uma comissão com representantes da Secretaria da Jus ça. SMA, Ministério Público, Associa‐ ção da Comunidade Remanescente de Quilombo da Fazenda, membros do movimento negro e de outras en dades que se fizerem necessárias para desenvolver, em conjunto com a comunidade, uma parceria admi‐ nistra va com o Parque na área que inclui a praia da Fazenda;

2. Elaborar um plano de gestão compar lhada na praia da Fazenda que inclua efe vamente a comunidade na administração e planejamento das a vidades turís cas e educa vas do Parque e observe os seguintes requi‐ sitos: liberação da a vidade pesqueira e da comerciali‐ zação de produtos artesanais; liberação da lanchonete e do estacionamento do Centro de Visitantes do Núcleo Picinguaba para a associação dos remanescentes de quilombo da Fazenda (ITESP, 2007, p. 60).

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A partir do Decreto Estadual Nº 51.453/2006, com a constituição do Sistema Estadual de Florestas - SIEFLOR e incorporação do PESM à gestão da Fundação Florestal houve mudanças no posicionamento do órgão frente aos conflitos e medidas de resolução entre Parque e comunidades residentes. Nos últimos anos ocorreram mudanças dos responsáveis pela gestão do Núcleo Picinguaba que afetaram a continuidade da implantação dos programas de manejo, bem como a negociação acerca do reconhecimento territorial do Quilombo da Fazenda.