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O processo de criação não possui métodos rígidos ou universais entre profissionais, muito embora possam ser atestados alguns procedimentos comuns entre projetistas. Apesar de ser complexo e pouco externado pelo profissional, pode-se considerar o processo de projeto como um conjunto de atividades intelectuais básicas, organizadas em fases de características e resultados distintos (KOWALTOWSKI et al., 2006). O modo como o processo de projeto é descrito costuma ser baseado em uma das seguintes visões (JONES, 1992):

a) Criatividade – o projetista é uma “caixa preta”, capaz de produzir respostas que geralmente funcionam e nas quais ele confia. Porém, o processo como esses dados são produzidos não é explicado e se baseia nas habilidades do sistema nervoso, que age sem a intervenção do pensamento consciente. A visão criativa de projetar relaciona o projetista a um “mágico” (Figura 09-a).

b) Racionalidade – o projetista como “caixa de vidro”, tendo total conhecimento do que está fazendo e por que está fazendo. Opera sobre as informações que lhe são dadas e segue uma sequência planejada de passos de análise, síntese e avaliação até reconhecer a melhor solução dentre as possibilidades. A visão racional de projetar relaciona o projetista a um “computador humano” (Figura 09-b).

Figura 09 – Projetista como “mágico” (caixa preta) (a) e projetista como “computador humano” (caixa de vidro) (b)

Fonte: Adaptado de Jones (1992)

O desenvolvimento dos estudos em métodos de projeto foi formalizado com o movimento de 1960, quando vários eventos marcaram a emergência do tema como uma disciplina nova no campo da arquitetura. Muitas das pesquisas da época desenvolveram mapas de processos de projeto, que seguiam a lógica da “caixa de vidro”, em sequências de atividades distintas e identificáveis, ocorrendo uma ordem lógica e previsível. Eles retratavam o progresso das atividades do projetista, desde os estágios de definição do problema até os estágios de solução, possibilitando compreender melhor alguns modelos mentais de projeto, além de aprofundar pesquisas em cada um dos estágios do processo (ANDRADE, RUSCHEL e MOREIRA, 2011).

No que diz respeito ao projeto em Design, Bonsiepe (2012) também menciona os “metodólogos” da década de 60, que procuraram descobrir a estrutura do processo projetual, explicitando a lógica interna da sequência de passos que um projetista deveria seguir, desde a formulação do problema projetual até a elaboração de uma proposta. As reflexões acerca do processo projetual constituíam uma operação estruturalista que visava montar o esqueleto da atividade projetual, partindo da hipótese de que a atividade projetual das diversas disciplinas possuía uma estrutura comum, independente do conteúdo das tarefas. Assim, em nível teórico, não haveria diferença entre o projeto de uma etiqueta para garrafa de champanhe e o projeto de uma maca hospitalar.

Dentre esses modelos, Lawson (2011) destaca o quadro apresentado por Markus e Maver, a partir do qual o projetista passaria pela seguinte sequência de atividades: análise (estruturação do problema); síntese (geração de soluções); avaliação (crítica das soluções em relação aos objetivos identificados); e decisão. O mapeamento sugere um processo que partiria do geral para o particular, considerando seu início pelas “linhas gerais da proposta” até o “detalhamento do projeto” (Figura 10).

Figura 10 – Mapeamento do processo de projeto por Markus e Maver.

Fonte: Lawson, 2011

Porém, a partir do confronto desses modelos teóricos com experiências empíricas, Lawson (2011, p.55) concluiu que o processo de projeto como sequência de atividades, expresso nos mapeamentos vistos a princípio, seria uma “ideia pouco convincente”. Na tentativa final de mapear o processo de projeto, o autor coloca uma negociação entre problema e solução, um como reflexo do outro, onde as atividades de análise, síntese e avaliação certamente estariam envolvidas, mas sem indicação de ponto de partida e de chegada ou direção de fluxo entre atividades (Figura 11).

Figura 11 – Representação gráfica do processo de projeto, segundo as considerações finais de Lawson.

Fonte: Lawson, 2011

Assim, o mapeamento contribui para esclarecer aspectos envolvidos no processo de projeto, porém não deve ser lido de forma literal, visto que todo diagrama visualmente compreensível simplifica demais um processo mental claramente muito complexo.

Em sua investigação sobre o “fazer da arquitetura”, Mahfuz (1995, p.12) direciona o foco para a natureza das relações existentes e possíveis entre partes e todos no âmbito da composição arquitetônica, partindo da premissa básica de que tais relações são de fundamental importância no processo de projeto, se não sua própria essência.

Ao explicar o início do processo de projeto, o autor coloca que, após finalizada a etapa preliminar de definição do problema e análise das condicionantes, ocorre a mudança de uma atitude analítica e objetiva, para uma atitude subjetiva, denominada como um “fator extra”, que auxilia na interpretação e personalização do programa. Esse fator, que depende da experiência e visão de mundo do projetista, é expresso como o conceito central ao qual todos os outros elementos do projeto estarão vinculados, tornando a obra arquitetônica um todo coerente, assim como uma palavra que possui significado e se diferencia de letras aleatoriamente justapostas. Uma imagem conceitual seria o princípio básico a partir do qual esse todo é organizado, e permitiria ao arquiteto lidar com as complexidades do problema, decompondo sua estrutura em partes conceituais. Partes conceituais não tem forma e consistem em noções gerais dos aspectos de um problema que o arquiteto considera como principais.

Lawson (2011, p.179) apresenta abordagem semelhante quando coloca que o processo de projeto se inicia por um tipo de problema sobre o qual o projetista trabalha em busca de soluções. Devido à variedade de possibilidades, o projetista seleciona algumas questões centrais ou decisivas do problema para concentrar sua atenção, sendo comum de um bom projeto ter apenas algumas ou uma só ideia dominante, em torno das quais organizam-se as considerações secundárias. Segundo o autor, essa ideia central é chamada com mais frequência de “conceito” ou “partido” (conceito materializado).

Por outro lado, Mahfuz (1995, p.21) diferencia “partido” como o estágio intermediário que realiza a passagem do conceito para o plano material, ou seja, a concepção básica de um projeto em termos de organização planimétrica e volumétrica, sintetizando os aspectos mais importantes de um problema. O desenvolvimento do partido até o projeto final envolve graus de definição cada vez maiores e, a princípio, possibilita uma multiplicidade de conexões entre as partes e a ideia principal, ou seja, diferentes todos construídos como resultado final.

No Design de produto, Löbach (2001, p.141) coloca que o trabalho do projetista consiste em encontrar uma solução do problema, concretizada em um projeto, incorporando as características que possam satisfazer as necessidades humanas de forma duradoura. O autor destaca o processo de projeto como extremamente complexo, mas procura dividi-lo didaticamente em 4 fases: 1. Fase da Preparação (análise do problema, com coleta e análise de informações); 2. Fase da Geração (escolha dos métodos para solucionar problemas, com produção de ideias e geração de alternativas); 3. Fase

da Avaliação (exame das alternativas, com processo de seleção e processo de avaliação); 4. Fase de Realização (realização de solução, com novas avaliações).

De modo semelhante, Bonsiepe (2012, p. 92) compara o processo projetual e o processo de investigação científica, onde a formulação da hipótese corresponde ao briefing, que contém a descrição dos requisitos da proposta. Baseando-se nesses requisitos, chega-se ao anteprojeto como uma resposta-tentativa, cuja validade é demonstrada posteriormente com a construção e teste de um protótipo experimental. Esse protótipo deverá passar por diversas etapas de aperfeiçoamento por processos de ensaio e erro, ou submetido à avaliação de um grupo representativo de futuros consumidores ou usuários, retroalimentando a proposta inicial.

Porém, o autor ressalta que, apesar da metodologia projetual ter o seu lugar, é necessário resistir a simplificações esquemáticas, considerando os seguintes aspectos: 1. a complexidade do problema projetual; 2. a disponibilidade de recursos tecnológicos; 3. os objetivos político- econômico; 4. a natureza do problema projetual.

Moraes (2010, p. 17) também critica a metodologia até então aplicada para o desenvolvimento de produto na maioria dos cursos de design, e posteriormente praticada no percurso profissional. Segundo o autor, sua essência ainda se baseia nas referências do cenário estático do modelo moderno – um formato objetivo, linear e quase sequencial, baseado em fatores objetivos inerentes ao projeto, como: 1. delimitação do mercado e do consumidor; 2. briefing; 3. custo e preço do produto; 4. possíveis materiais a serem utilizados; 5. referências da ergonomia antropométrica; viabilidade da produção fabril; 6. estética.

O autor ressalta que, diante de um mundo contemporâneo, fluido e globalizado, são exigidos dos designers outros conhecimentos e abordagens antes não considerados – fatores psicológicos, semânticos, semiológicos, da interface e do sentimento humano. Nesse caso, reforça-se que a metodologia de projeto não pode ser vista como uma função precisa e linear, mas como uma constante intervenção de feedback em que, em diversos momentos, se retorna à fase anterior.

Nesse contexto, considerando que projetar é um fenômeno complexo demais para ser descrito apenas como um diagrama simples, Lawson (2011, p.267) não propõe uma metodologia de projeto como modelo final, mas uma lista com características do pensamento ao projetar e as várias habilidades necessárias para um bom projetista. O modelo é estruturado nas seguintes categorias:

a) Formular: ligada à compreensão e descrição dos problemas, inclui a capacidade de encontrar, expressar, entender e examinar problemas, identificando elementos para explicitá-los e se utilizando de diferentes pontos de vista para lidar com sua complexidade;

b) Representar: ligada à capacidade de exteriorizar seus pensamentos e as mudanças realizadas ao longo do processo através de uma representação, caracterizando o projeto como “conversa” (SCHÖN, 2000).

c) Movimentar-se: ligada à capacidade de dar passos em determinada direção para o desenvolvimento ou abandono de soluções. Há várias atividades sob essa categoria geral, mas em resumo pode-se dar um passo inédito nesse processo ou desenvolver a situação existente da solução.

d) Juntar problemas e soluções: ligada à capacidade de negociação entre o ponto de vista do problema e o ponto de vista da solução para provocar a decisão entre o que é exigido e o que pode ser feito.

e) Avaliar: ligada à capacidade de regular as mudanças por meio de algum tipo de avaliação com base em um conjunto de critérios, entendidos de forma vaga ou precisa. Os projetistas precisam ser capazes de fazer avaliações objetivas e subjetivas e formar juízos sobre os benefícios relativos de cada uma delas.

f) Refletir: ligada à capacidade de observar e pensar nos projetos de maneira ativa em um processo contínuo de acompanhamento e aprendizado, caracterizando os chamados “profissionais reflexivos”, colocados por Schön (2000). São diferenciados os processos de refletir em ação, quando o projetista reflete questões entre problema e solução, e refletir sobre a ação, que exige um momento de afastamento para refletir se o processo está indo bem ou deve ser levado a outra direção.

Ainda sobre as principais habilidades intelectuais exercidas no processo de projeto, Fabricio e Melhado (2011, p.58) incluem:

a) Capacidade de análise e de síntese: trata-se de obter e organizar várias informações aparentemente desconexas para formular um problema a ser resolvido, a partir das demandas iniciais;

b) Criatividade e raciocínio lógico: expressam a capacidade de propor soluções originais e coerentes para o problema proposto;

c) Representação e comunicação: implicam tanto uma forma de apresentar as soluções desenvolvidas para serem executadas ou apreciadas, como uma forma de apoio e extensão do desenvolvimento intelectual das soluções projetuais.

d) Conhecimento: fundamentado nas experiências e formações anteriores do projetista, mediando a criação e o desenvolvimento das soluções projetuais. Está relacionado a repertórios projetuais e construtivos associados a um determinado contexto.

Mahfuz (1995) e Lawson (2011) também destacam a importância da experiência do projetista e da coleta de referências ou precedentes para o processo criativo.

Mahfuz (1995, p.45) coloca a premissa básica de que a atividade de criação exercida por arquitetos e designers se baseia em grande parte na interpretação e adaptação de precedentes, destacando a importância do uso de analogias – “modo de pensamento no qual um objeto ou grupo de objetos é comparado ou assimilado a outro”.

Lawson (2011, p.153) destaca os princípios condutores de um projetista como conjunto de suas ideias pessoais (bagagem intelectual), a partir das quais ele aborda cada problema de projeto. De um lado, os princípios condutores influenciam e determinam o contexto mental de cada processo de projeto, enquanto cada problema de projeto permite ao projetista aprender mais sobre os princípios condutores e exprimi-los com maior clareza.

Na busca de estabelecer bases teóricas do projeto arquitetônico auxiliado por computador (CAAD14), Mitchell (2008, p.14) define projetar como um processo de operações lógicas, com o objetivo de satisfazer a predicados de forma e função, declarados em uma linguagem crítica. Uma linguagem crítica é definida como aquela que permite a interpretação de um dado mundo projetual, a partir de conhecimentos relevantes acerca do mundo construtivo15considerado para a formulação das necessidades do problema de projeto. Ou seja, os predicados a que o projetista procurará satisfazer por meio de manipulações do mundo projetual.

O autor define mundo projetual como aquele utilizado para esboçar possibilidades para o mundo construtivo, criado por meio de instrumentos de desenho e mídias de representação, como por exemplo, blocos de madeira, linhas desenhadas sobre papel ou um sistema computacional. Toda vez que uma operação projetual ocorre (movimentação de um bloco de madeira ou inserção de uma nova linha, por exemplo), o mundo projetual sofre uma alteração de estado e traz novas possibilidades na busca de soluções.

Assim, o projeto é entendido como um jogo complexo em que a exploração das possibilidades formais em um determinado mundo e as inferências críticas feitas a partir de uma determinada base de informações ocorrem paralelamente, convergindo para um acordo entre elas. Segundo Mitchell (2008, p.94), pode-se dizer que há uma busca de um estado desejado do mundo projetual, e que se saberá quando ele for encontrado através da demonstração de que são satisfeitos os predicados declarados na linguagem crítica. Nesse caso, alguns processos de inferência exigidos no projeto se desenvolvem melhor por meio de representações gráficas, enquanto outros precisam ser assistidos por informações expressas verbalmente. Segundo o autor, os arquitetos precisariam não apenas “desenhar”, mas também “falar”.

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Sigla para “computer-aided architectural design”.

15 O autor define como mundo construtivo, ou mundo real, tudo o que precisa ser representado e levado em

A partir da análise dos autores, é possível observar que as visões iniciais do projetista como “caixa preta” ou “caixa de vidro” não respondem mais a um cenário contemporâneo, onde se reconhece que o processo de projeto é muito complexo para ser descrito como uma sequência linear e previsível de atividades, porém, é possível que o projetista desenvolva uma série de habilidades que lhe auxiliem na negociação entre o problema e uma boa solução projetual.

Dentro desse contexto, a abordagem paramétrica surge como uma alternativa que se diferencie tanto da visão obscura da “caixa-preta”, onde não há uma definição explícita dos procedimentos envolvidos durante o processo de projeto, quanto da visão determinística da “caixa de vidro”, que apresenta esses procedimentos de uma maneira estática e previsível, distante da complexidade e dinâmica envolvidas na realidade da prática projetual.