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PARTE 2 – ESPETÁCULOS TEATRAIS E SUA RELAÇÃO COM O ESPAÇO DA

2.2 Grupo Tá Na Rua

2.2.1 Processos de Criação

Os espetáculos do grupo Tá Na Rua surgem de criações coletivas, em que os integrantes do grupo propõem temas, discutem e opinam sobre problemas atuais ou antigos da sociedade brasileira, buscando assuntos pertinentes ao momento atual ou momentos que mereçam ser relembrados.

Aos poucos, quem quiser, leva material pertinente como jornais, músicas, livros, etc. Este material passa a ser teatralizado, improvisado e vai se desenvolvendo. Geralmente este processo se dá na sede do grupo, na

Lapa, Rio de Janeiro. Depois, é experimentado nos espaços abertos das ruas e praças (Licko Turle).

O grupo leva seus espetáculos para a rua para testar de forma prática os espaços que serão utilizados na apresentação e para verificar também a recepção do público. O grupo afirma que ao ensaiar no espaço da cidade, as situações que presenciam cotidianamente neste espaço – vendedores ambulantes, meninos de rua, etc – acabam alterando a percepção dos atores e enriquecendo o espetáculo. Isso se dá pela recusa à apresentação de um estrutura dramatúrgica rígida e definida que rege a recepção do espetáculo.

Quando começamos a ir para a rua, praticamente não havia teatro de rua no Brasil. Nosso referencial eram camelôs e artistas de rua; eram aqueles que vendiam mágicas, vendiam remédios para calos e mil outras bugigangas. Nós os observávamos enquanto faziam teatro para vender suas mercadorias: como seguravam a roda, como esquentavam o espaço de atuação, como brincavam com o público – um público que em momento nenhum eles ignoravam, pois sabiam que ele só permaneceria para assistir a suas demonstrações, se soubessem conquistá-lo (HADDAD, op. cit., p. 221).

Turle também comenta que, apesar dos espetáculos do Tá Na Rua serem voltados para o ambiente urbano, a criação dos espetáculos não está orientada pela busca de um público específico, já que neste espaço “tudo é público, sem classe,

sem distinção. Isto é inerente ao espaço público das ruas, das cidades”.

O pesquisador diz ainda que o espaço sempre foi o principal objeto de pesquisa do grupo: “Olhar para ele, perceber suas possibilidades, suas ranhuras é

fundamental para um bom trabalho nas ruas”. Também Amir Haddad diz que o

trabalho do grupo no início foi em direção à destruição da linguagem estruturada do teatro convencional e foi originando uma forma de se expressar de forma livre e identificada como uma linguagem popular, direcionando-os cada vez mais para as ruas.

A confirmação de nossas descobertas, porém, só se deu realmente no momento que fomos para a rua; foi só então que começamos a entender, na prática, que estávamos conquistando outra linguagem. Foi só então que o trabalho realmente começou a se modificar; que as indagações a respeito do palco italiano, da dramaturgia, sobre as maneiras de trabalhar o ator, tudo isso que ficava mais ou menos vago ou teórico, começou a ter concretude (Ibidem, p. 220).

Haddad explica que o grupo direcionou seu trabalho para a rua para dar continuidade às experimentações sobre espaço. Sobre isso, também o integrante Licko Turle comenta que como o espaço da rua nunca foi exatamente preparado para apresentações artísticas, acabou permitindo e se adequando a diversas formas de utilização, e que o necessário para isso era conhecê-lo e estudá-lo em todas as suas formas.

Para ambientar a apresentação com o local de apresentação, o grupo procura fazer uma espécie de “reconhecimento do local [...] através de uma ou duas

horas de exercícios livres com música no espaço antes de apresentar o tema central que se propôs a discutir” (Licko Turle). Na Imagem 9 pode-se observar um ensaio

anterior à apresentação do grupo Tá Na Rua durante o II Festival de Teatro de Rua de Porto Alegre (RS). O grupo chega com algumas horas de antecedência ao local de apresentação para reconhecer e teatralizar o espaço. Durante o aquecimento, os atores dançam, cantam e se relacionam com os passantes. Essa etapa também serve como aquecimento para uma pare do público, de forma a revitalizar seu olhar para o local que abrigará o espetáculo.

Imagem 9: Espaço utilizado pelo grupo no Largo Glênio Peres ao lado do Mercado Público Central de Porto Alegre durante o II Festival de Teatro de Rua de Porto

Em relação à escolha dos locais de apresentação e as possibilidades teatrais trabalhadas no espaço da cidade, Licko Turle explica que esta é feita pelo grupo mais em função da “diversidade de pessoas que a utilizam do que pelo que o

espaço possui”. Na questão espacial o grupo descarta a realização de um

espetáculo em espaços pequenos e praças cercadas. No intuito de abranger o maior número de pessoas eles utilizam espaços maiores e amplos.

Com certeza tudo o que houver no local não será ignorado pelos atores ou pelo espetáculo, barulhos, sons, pessoas, bêbados ou moradores de rua. Mas nós não escolhemos o local porque possuem ‘cenários’ ideais para o espetáculo ou para o tema, não. O conteúdo do tema será derramado no local, na cena e saberá ocupar todas as ranhuras do entorno (Licko Turle).

O motivo do grupo trabalhar na rua há mais de trinta anos é “manter a

discussão dos grandes temas do homem e a sociedade que este criou”. Turle alega

que os temas escolhidos para serem trabalhados na rua devem atingir direto o espectador: “As relações são horizontais e diretas com tudo e com todos: afeto,

humor, verdade, entrega”. Neste contexto, em conversa pessoal com Amir Haddad,

durante o II Festival de Teatro de Rua de Porto Alegre, o diretor explicou que o ato de dialogar com as pessoas na rua, escutar os seus pontos de vista sobre o trabalho do grupo e posteriormente mostrar um teatro acessível à esse público – que fale sua linguagem – é uma das grandes conquistas do Tá Na Rua. Sobre isso, Turle também afirma que na visão do grupo é na rua que se encontra o espetáculo: “O nosso

grande trabalho é reunir os seus sinais e dar-lhes sentido. O espetáculo está no ar, nas pessoas”.

Muitas vezes representamos nas ruas do Rio de Janeiro, e principalmente no Largo da Lapa. E muitas vezes nós, eu e meus atores do grupo Tá Na Rua, conseguimos tal harmonia em nossos jogos e representações e movimentos e poesia que, por um bom tempo, aquela população de rua que frequenta a praça abandona tudo o que estava fazendo – droga, cachaça, briga, sexo, assalto – e vem, atraída por nossas luzes e acrobacias, para participar conosco do acontecimento. Ao final, se junta a nós e nos ouvem comentar o trabalho. Dão palpites, participam durante o espetáculo. Alguns fazem coisas muito bonitas e comoventes […] (HADDAD, 2008 p. 34).

Por esse motivo, o pesquisador Licko Turle acredita que uma das maiores funções do teatro da atualidade deve ser a ocupação do espaço da cidade, pois, esta arte possui a função de comunicador social direto, sem intermédios midiáticos,

possibilitando assim que o conhecimento chegue de forma mais simples ao público.

Para o Tá Na Rua, o texto dramático tradicional (construído por meio de diálogos) aponta para uma dramaturgia adequada ao palco à italiana; logo, não serve para suscitar o processo dialético que o grupo propõe. Este precisou, portanto, sair em busca de uma outra possível dramaturgia. DND (Dar não dói) é a síntese dessa pesquisa – uma montagem cuja estrutura dramatúrgica permite que o espetáculo seja lançado em todas as direções, atuando de forma multidirecional e atingindo lugares não previstos – base da relação intrínseca entre o teatro e o espaço aberto da rua. Neste, tal confronto acontece com micro-ações se propagando em diferentes planos e intensidades. Pois ali tudo está em movimento, atingindo lugares inusitados que o teatro convencional não poderia atingir, devido aos seus limites espaciais e ideológicos (TURLE, op. cit., p.69).

Outro ponto bastante relevante na questão da criação para o espaço da rua, é a concepção de ambientação cênica que o Tá Na Rua faz questão de explicitar em seu discurso. Para o grupo, a rua é um espaço amplo que deve ser bem aproveitado em toda a sua potencialidade, pois este espaço não caberia nessas separações e denominações tão comuns em um teatro fechado. Na rua não há divisões do tipo ator - espectador. Esta é um espaço único e de interação, independente da cidade escolhida para as apresentações.