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3.2.2 Processos criminais

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Foram divulgadas poucas notícias sobre processos criminais durante o período em análise, principalmente em comparação com a quantidade de notícias sobre processos envolvendo políticos. Nos jornais analisados em julho (02 a 06), por exemplo, foram 49 matérias relacionadas a parla- mentares e apenas cinco referentes a processos criminais. No mês de agosto (07 a 11), foram 32 matérias sobre julgamentos de crimes contra 86 matérias sobre políticos e, em setembro (19 a 23) matérias.

A revista Época de 15 de outubro publicou uma matéria sobre crimes de trânsito, em que critica a impunidade de envolvidos nesse tipo de crime, como o promotor Walter Juarez Grossi, promotor de justiça que atropelou e matou três crianças. Suspeita-se que ele dirigia embriagado.

(...) O problema, de acordo com o advogado, é que no Brasil é raro alguém ser processado e punido por homicídio doloso – com intenção de matar – cometido ao volante. Mesmo quando há condenação por homicídio culposo, a pena de réus primários normalmente é convertida em pagamento de multa ou prestação de serviços à comunidade. “Esse tipo de crime não dá cadeia no Brasil”, diz o juiz Roberto Siegmann, diretor da Associação dos Magistrados Brasileiros. (Revista Época, 15 de outubro de 2007, págs. 96-97)

Isso não quer dizer que foram somente essas as matérias sobre crimes e violência publica- das nos jornais. O que acontece é que, muito embora a violência seja um tema recorrente na mídia, poucos andamentos e decisões em processos criminais foram divulgados. Normalmente, só se divul- ga o crime e os acontecimentos registrados logo depois, como investigações policiais e a busca por suspeitos. Quando muito, divulga-se o fim do inquérito policial com o oferecimento da denúncia pelo MP.

Somente em casos de grande repercussão como o do Jornalista Pimenta Neves (Fig. 3), que confessou o assassinato da ex-namorada; de Suzane Von Richtofen, que participou da morte dos próprios pais, da menina Izabela Nardoni, que teria sido atirada da janela de um edifício pelo pai e pela madrasta, ou seja, crimes que causaram grande comoção, é que a imprensa chega ao fim dos fatos, o julgamento dos acusados. Às vezes, ainda assim, quando o julgamento demora um pou- co mais para ser iniciado e o crime "prescreve" na memória dos jornalistas, até uma eventual conde- nação às vezes passa despercebida ou, se algum outro assunto está ocupando aquelas páginas no

momento, o que antes ocupava páginas inteiras dos jornais acaba ganhando uma notinha de pé de página.

Para entender melhor a evolução de um episódio criminal na imprensa, importante destacar quais são os passos de um inquérito ate ele chegar ao judiciário, segundo o Código de Processo Penal.

1º passo - Inquérito Policial - procedimento prévio para apurar se houve um crime e fun- damentar a denúncia contra o acusado. Nessa fase não há o contraditório, ou seja, é apenas um pe- ríodo investigatório e inquisitivo. O inquérito policial não é obrigatório, pois uma denúncia pode se basear em outras provas e informações. Nos casos em que o indiciado estiver preso, a fase do in-

Figura 3 – Coluna da jornalista Ruth de Aquino (revi sta época) sobre o caso “Pimenta Neves”

quérito não pode ultrapassar 10 dias. Quando a autoridade policial encerra o inquérito, encaminha um relatório ao juiz com vista ao MP ou diretamente ao Ministério Público.

2º passo - Ao receber as peças do inquérito, o Ministério Público pode pedir mais diligên- cias e decidir se acusa ou não. Decide se pede ou não a abertura de um Processo Criminal, se ofe- rece denúncia ou se pede o arquivamento do inquérito. Se o juiz decidir pelo arquivamento, o inqué- rito não poderá mais servir de base para nenhuma denúncia.

3º passo - Se o juiz aceita a ação, se o processo é aberto, o juiz recebe a denúncia com a descrição dos fatos, a indicação de autoria do crime ou contravenção e o rol de testemunhas e ini- cia-se o processo. Dependendo do tipo de crime, é realizado um júri ou o próprio magistrado deci- de.

O que habitualmente acontece é que a imprensa não acompanha o desenrolar dos fatos, “sentenciando” e, posteriormente, “arquivando” o processo durante o seu primeiro ou segundo pas- so, contando para isso com a ajuda de suas fontes na polícia e no Ministério Público. Esse tipo de comportamento da mídia é denunciado por Luis Nassif como praticado há mais de uma década.

"O que ocorreu com notável repetição na mídia dos 90 foi atropelar esse pro- cesso. Dava-se publicidade a cada processo como se fosse a sentença defi- nitiva, antes mesmo que a outra parte fosse ouvida. Abolia -se o contraditório, o procurador assumia o papel do juiz, e as acusações não precisavam passar pelo teste da consistência: depois que saem publicadas, o acusado está limi- narmente condenado, mesmo que a acusação posteriormente se mostre in- fundada."

(NASSIF, 2006, p. 23)

Ocorre que o caminho é longo e demorado. Na maior parte das vezes, a imprensa não co- bre nem mesmo o fim do inquérito, quanto mais o desenrolar jurídico, com seus múltiplos recursos até se chegar a uma decisão final, da qual não se pode mais recorrer, o "transitado em julgado do processo".

Ou seja, quanto aos crimes e infrações penais, dificilmente as notícias ultrapassam a fase do inquérito, principalmente se houver sentença absolutória.

Até hoje, apesar de inúmeros casos de injustiças cometidas pela mídia e constatadas, mesmo se verificando posteriormente a inocência dos acusados, ainda assim não se dá o devido destaque à retratação.

A exigência de informação, que encontra suas raízes na previsão constitucio- nal da liberdade de expressão das idéias, bem como a necessidade de um procedimento público como garantia da independência e imparcialidade do órgão julgador, que é pressuposto do justo processo, por vezes podem confli- tar com o direito à honra, à privacidade e à intimidade das pessoas envolvidas no procedimento criminal. Os órgãos de informação devem atuar com a mai- or liberdade possível, contudo, não podem violar princípios basilares do pro- cesso penal, substituindo o due process of law por um julgamento sem pro- cesso, paralelo e informal, mediante os meios de comunicação.

(VIEIRA, 2003, p. 19)

Mas, mesmo em se tratando de decisões que confirmem a expectativa inicial, esses resul- tados são pouco divulgados ou ocupam espaço mínimo na imprensa, a menos que se trate de pes- soa pública ou de um crime de grande repercussão pela extrema violência ou que desperte algum in- teresse especial.

Portanto, não há um acompanhamento dos processos e, em geral, os atos de violência em si, ou seja, os crimes, tem mais espaço que o castigo, o que só aumenta a sensação de insegurança da sociedade.

Após a sentença final, se houver condenação, há ainda a fase de cumprimento da pena, o que atrai ainda menos a mídia. A menos que alguém da Assessoria de Imprensa do Judiciário, a fa- mília da vítima ou alguma outra pessoa interessada anuncie eventuais decisões, como habeas corpus e alvarás de soltura, a verdade é que ninguém fica sabendo mesmo do que aconteceu.

Em entrevista concedida no Espírito Santo, o Ministro Gilson Dipp, Corregedor Nacional de Justiça, destacou que a indiferença com que se trata as questões penitenciárias é cultural e antiga. Segundo Dipp (2009), as pessoas não estão interessadas no que acontece com os internos do sis- tema penal, condenados ou provisórios que são "jogados" nas cadeias públicas do Brasil. É como se estivesse se livrando de um problema.

O problema está preso, mas não é pra sempre. Um dia ele volta ao convívio da sociedade. A questão principal é: volta como? Recuperado? Arrependido? Difícil, com um sistema prisional ca- ótico e desumano como o do Brasil. Deveria-se lembrar que o cerceamento da liberdade é que é a pena. Nenhuma sentença diz: “condeno o réu a ficar exposto a todo tipo de degradação, não de- vendo receber qualquer tipo de atendimento médico ou jurídico...”

Assuntos como penas alternativas também não rendem muitas matérias, a não ser negati- vas, assim como a re-inserção social dos presos que já cumpriram suas penas, ou medidas sócio- educativas, projetos que visem a profissionalização e preparação dessas pessoas para atuar no mer- cado de trabalho e ações que incentivem as empresas a receber ex-presidiários (que já cumpriram suas penas). Muito pouco a respeito desses assuntos é publicado rotineiramente na imprensa e, no período analisado, não foi diferente.

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