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CAPÍTULO 1 OBJETO DE PESQUISA

1.3 HISTÓRICO DO OBJETO – A FASE LATINA

1.3.2 Processos de formação dos temas aspectuais

Os processos de formação de temas verbais, desde a fase indoeuropeia, eram variados e, formalmente, poderiam incidir sobre algumas posições do verbo. Tais processos podiam utilizar-se da raiz verbal por si só ou contar com a adição de outros morfemas.

Entre os diversos tipos de formação radical, isto é, aqueles que se constroem com base na própria raiz do verbo, o tipo mais básico é a alternância do vocalismo da raiz. Segundo Monteil (1974: 267), o presente usa um vocalismo –ĕ; o perfeito usa um vocalismo –ŏ; e o aoristo usa um vocalismo zero, ou seja, sem a presença da vogal que havia anteriormente7.

Outro processo de formação desse tipo de tema aspectual é o redobro. O redobro pode ser encontrado no Latim tanto no infectum quanto no perfectum. O redobro de presente consiste na repetição da primeira sílaba da raiz com um vocalismo –i, como ocorre em verbos como sisto, -ere, (parar, levantar-se – de *stisto). Já o redobro de perfeito consiste na repetição da primeira sílaba da raiz com um vocalismo –e, como ocorre em verbos como tango, -ere, tetigi (tocar).

Outro tipo de formação de temas é a adição de morfemas após a raiz do verbo. O Indoeuropeu já registra uma série de sufixos, colocados entre o tema verbal e as desinências, que causam alterações de sentido nos verbos. Monteil (1974: 286)

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Acerca do sistema vocálico indoeuropeu, a reconstrução permite estabelecer alguns estágios, dos quais o estágio tripartido ĕ/ŏ/- é um deles (GAMKRELIDZE & IVANOV, 1995: 184). Essa característica é chamada de vocalismo (Monteil, 1974).

distingue os tipos de formação de infectum entre os formados pelo que designa como “aumento” e aqueles formados por sufixos. Segundo o autor, o que distingue os dois tipos é a nitidez com que se identifica o sufixo da raiz, mas não o aumento. Os morfemas listados são os seguintes:

a) Sufixo –ē de valor estativo. Esse morfema faz parte das formações indoeuropeias de aoristo, em especial de aoristos intransitivos. Permanece no aoristo grego formando antigos temas de aoristo intransitivo e, principalmente, formas de aoristo passivo. No Latim, contudo, ocorre apenas nos temas de infectum, com uma origem aorística. Está em verbos como palleo, -ere (estar pálido), gaudeo, -ere (estar alegre) e tumeo, -ere (estar inchado).

b) Sufixo –sk de valor iterativo/incoativo. Esse morfema aparece em diversas línguas indoeuropeias, inclusive nas anatólias. No Latim, estabelece-se como morfema de valor incoativo, isto é, designa o início de um processo, enquanto que, no Hitita, predomina o valor iterativo. Assim como o anterior, ocorre apenas nos temas de infectum. Aparece em verbos como dulcesco, -ere (tornanr-se doce, de dulcis) e amasco, -ere (tornar-se amável, do verbo amo). Muitas vezes, o sufixo incoativo e o sufixo estativo coexistem no verbo, formando trios de verbos sem sufixo, estativos e incoativos, tais como feruo, -ere; ferueo, -ere; peruesco, -ere (ferver (transitivo), estar fervente, começar a ferver).

c) Sufixo –eye/o de valor iterativo/causativo. Esse sufixo, ainda que tenha tido certa presença em línguas como Sânscrito e Grego, aparece em um número reduzido de verbos, em comparação com os dois anteriores. Também surge nos temas de infectum. Ao formar verbos sempre da segunda conjugação, acaba por confundir-se com verbos de outras formações. Aparece em verbos como noceo, -ere (fazer morrer), torreo, -ere (fazer secar) e moueo, -ere (fazer mover).

d) Sufixo –ye/o de valor denominativo. Esse sufixo também é bastante frequente em diversas línguas indoeuropeias, assim como em Latim. Todavia, trata-se de um morfema desprovido de carga semântica. Serve para formar temas verbais a partir de outros temas, verbais ou nominais. Também é um sufixo próprio do infectum. Aparece em verbos como causo, -are (causar, de *causayo), finio, -ire (concluir) ou mentior, -iri (mentir).

e) Sufixo –a de valor ora iterativo ora denominativo. Entre os verbos da primeira conjugação (com vogal temática ā), há uma série de formações iterativas, em que esse sufixo aparece em verbos como educo, -are (fazer sair, conduzir para fora, feito a partir

de dico, -ere) e dico, -are (tornar sagrado, oferecer feito a partir de dico, -ere). Trata-se também de um morfema de infectum. Há, ainda, uma série de formações de origem denominativa em -ye/o, que, devido ao processo fonético que ocorre em exemplos como o verbo curo, -are (< *curayo), produziu verbos com um -ā denominativo, tais como libero, -are (liberar, de líber) e laboro, -are (laborar, de labor) (MEILLET, 1949: 287-8). Esses são os sufixos de origem indoeuropeia presentes na formação de temas de infectum em Latim. Contudo, há morfemas de origem mais recente que contribuem com a formação de novos verbos latinos, que são listados a seguir:

f) Sufixo –ta de valor frequentativo. Esse sufixo tem provavelmente uma origem itálica, já que é encontrado também em verbos oscos e umbros (BUCK, 1904: 161) e teria se formado com a junção do sufixo de particípio -t- e o sufixo iterativo -a. No Latim, este morfema confere o traço semântico de frequentatividade ou insistência ao processo verbal. O sufixo já aparece no infectum e também no perfectum. É usado em verbos como rogito, -are (perguntar com insistência) e agito, are (agitar).

g) Sufixo –turi de valor inceptivo/desiderativo. Esse sufixo apresenta uma produtividade menor que a dos demais e aparece apenas no latim. Adiciona ao verbo o traço de inceptivo ou desiderativo, sendo ambos relativamente próximos. Assim como o anterior, aparece no infectum e no perfectum. Surge em verbos como parturio, -ire (estar prestes a parir) e essurio, -ire (de *edturio8 – ter fome, estar morrendo de fome).

Até aqui, foram apresentados morfemas designados como sufixos. Há, contudo, outra série de morfemas, de origem indoeuropeia, que figura na mesma posição pré- desinencial. Tais morfemas são designados como aumentos. São descritos como elementos uniliteral, que contribuem com traços semânticos sutis aos verbos e são, propriamente, uma epêntese ou paragoge ao radical do verbo, ao invés de um sufixo. h) Infixo nasal –n de valor determinativo. Esse morfema aparece em alguns casos como infixo (como em relinquo, -ere), noutros casos como sufixo (como em sterno, - ere). Essa distinção ocorre devido ao ambiente fonético em que se encontra, uma vez que se apoia sobre o vocalismo da raiz verbal. As primeiras formações de verbos com este aumento teriam sido exclusivamente de infectum, mas seu uso se estende ao perfectum em muitos casos. Semanticamente, o infixo nasal orienta o processo para uma realização total, voltada para um objeto definido.

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No Latim, grupos consonantais formados por duas consoantes dentais tornam-se S (FARIA,1957:258; NIEDERMANN,1991:148-9)

i) Aumento dental –t ou –d. Esse morfema, bastante antigo, sempre sufixal, apresenta poucas descrições sobre sua carga semântica. Monteil (1974: 288) classifica-o também como determinativo. Assim como o anterior, pode aparecer apenas no infectum ou em ambos os temas. É usado em verbos como flecto, -ere (flexionar) e fendo, -ere (fender).

j) Aumento –s de valor desiderativo. Esse morfema, também antigo e sufixal, contribui com um sentido desiderativo ao processo verbal. Como os demais aumentos, ora é usado apenas nos temas de infectum, ora é usado no infectum e no perfectum. Aparece em verbos como quaeso, -ere (querer obter) e uiso, -ere (querer ver). Posteriormente serviu de base para a constituição de um sufixo –esso, cujo sentido e também desiderativo e aparece em verbos como capesso, -ere (querer pegar) e facesso, - ere (querer fazer).

A descrição dos elementos pré-desinenciais dos verbos latinos revela características importantes, que demandam atenção, em especial acerca da sua relação com os temas aspectuais. Vê-se que, entre os elementos chamados de sufixo, os de formação indoeuropeia são próprios dos radicais de infectum, enquanto os de formação itálica ou latina são comuns tanto ao infectum quanto ao perfectum. Já os elementos chamados de aumento podem aparecer apenas no infectum ou em ambos, a depender de sua formação, respectivamente antiga ou tardia.

Esse comportamento morfológico mostra que, no Latim, os temas aspectuais não têm a mesma independência que tinham no estágio indoeuropeu. Do mesmo modo, ainda que o aspecto verbal fosse a categoria morfológica mais importante para o verbo latino, já se pode perceber o início de um processo de mudança que lhe retira essa importância. O resultado dessa mudança é que o aspecto deixa de ser uma categoria flexional autônoma nas línguas neolatinas, deixando vestígios em boa parte dos chamados verbos irregulares.

Há, também, uma relação entre a independência dos temas aspectuais e a presença do sufixo em um deles, ou em ambos. Os mais antigos apareciam apenas no infectum, já que faziam parte de um sistema com temas independentes. Os mais recentes, por sua vez, aparecem tanto no infectum quanto no perfectum, pois são categorizados em um momento em que não há a mesma independência de antes. A mesma relação orienta os chamados aumentos: quanto mais tardio, maior a chance de aparecer em ambos os temas aspectuais. O quadro a seguir lista os sufixos que atuam na formação de temas aspectuais do latim, indicando em quais dos dois temas aparecem:

aparece no infectum aparece no perfectum

sufixo –ē sim não

sufixo –sk sim não

sufixo –eye/o sim não

sufixo –ye/o sim não

sufixo –a sim sim

sufixo –ta sim sim

sufixo –turi sim sim

aumento –n sim varia

aumento –t ou –d sim varia

aumento –s sim varia

Quadro 1.2: Aparecimento dos sufixos de infectum em ambos os temas aspectauis

Notável é também a variedade de morfemas e formações dos temas de infectum, sendo a maior parte deles herdeira do presente indoeuropeu. As formações de perfectum, por sua vez, são menos numerosas. Assim como acontece no infectum, as formações radicais são as mais antigas. Outro tipo de formação radical é o redobro de perfeito, que aparece em verbos como tango/tetigi (tocar) e pungo/pupugi (cutucar). O redobro de perfeito, no entanto, é bem mais frequente que o redobro de presente. No Latim, a formação que predomina é aquela com um dos sufixos a seguir. Outra característica marcante da formação dos temas de perfectum é que não há sufixo que contribua com noções semânticas adicionadas ao verbo, mas apenas morfemas de caráter procedural9.

a) Sufixo –s. Esse sufixo, em sua origem, é usado para formar temas de aoristo. No Latim, o aoristo deixa de existir como tema aspectual autônomo, tendo a maior parte dos aoristos indoeuropeus se fundido ao perfectum, criando uma série de temas de perfectum sigmáticos, ou temas aorísticos. Aparece em verbos como scribo/scripsi (escrever) e ardeo/arsi (arder).

b) Sufixo –u. Esse sufixo está presente em verbos indoeuropeus (SELDESLACHTS, 2001), contudo a extensão de seu uso no Latim supera facilmente a de qualquer outra língua indoeuropeia, mesmo as outras línguas itálicas, que também têm suas próprias

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Material procedural tem sentido abstrato e designa relações inguísticas, perspectivas e orientações dêiticas (TRAUGOTT &TROUSDALE, 2013: 12)

formações (BUCK, 1904, 169-70). Em latim o assim chamado perfectum sonântico se estendeu às novas formações de verbos, de modo que se regularizou como formador de temas de perfectum e ainda faz parte da conjugação regular de verbos nas línguas neolatinas. Quase todos os verbos de primeira (ā) e quarta (ī) conjugação têm seus temas de perfectum sonânticos. Aparece em verbos como amo/amaui (amar) habeo/habui (ter) e pario/pariui (parir).

O latim dá continuidade, em grande parte, à independência dos processos de formação de temas aspectuais que herda do Indoeuropeu. No entanto, começa a mostrar a perda dessa independência. Desse modo, vê-se que os morfemas mais recentes são incorporados ao sistema da língua em um momento em que os dois temas verbais latinos começam a ser unidos em um único paradigma, o que faz com que esses morfemas apareçam em ambos os temas. É o que ocorre, por exemplo, com os verbos frequentativos em –ta e com os verbos meditativos em –turi.

A investigação dos processos de formação de temas verbais revela morfemas que já se haviam fundido com o radical desde os tempos dos primeiros registros do Latim. Em boa parte dos casos, não há uma forma primitiva da qual se derive a forma com sufixo, ou aumento. Por essa razão, é válido propor que apenas uma minoria de todos os morfemas levantados era reconhecida como um morfema, na época da qual já se dispõe de registros escritos. Tal proposição constitui uma das motivações para a delimitação do tema desta pesquisa. Os sufixos pré-desinenciais selecionados para esta pesquisa são aqueles elementos ainda reconhecidos como morfemas. Os demais apenas podem ser alcançados por um estudo etimológico.

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