• Nenhum resultado encontrado

Forma Verborvm: abordagem construcional dos sufixos prédesinenciais de verbos latinos

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Forma Verborvm: abordagem construcional dos sufixos prédesinenciais de verbos latinos"

Copied!
195
0
0

Texto

(1)

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM

LUIZ PEDRO DA SILVA BARBOSA

FORMA VERBORVM: ABORDAGEM CONSTRUCIONAL DOS SUFIXOS PRÉ-DESINENCIAIS DE VERBOS LATINOS

Niterói 2020

(2)

FORMA VERBORVM: ABORDAGEM CONSTRUCIONAL DOS SUFIXOS PRÉ-DESINENCIAIS DE VERBOS LATINOS

Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem como requisito para obtenção do título de Doutor em Estudos da Linguagem.

Linha de Pesquisa: Teoria e análise lingüística

Orientadora: Profª Drª Mariângela Rios de Oliveira

Coorientadora: Profª Drª Lívia Lindóia Paes Barreto

Niterói 2020

(3)

Barbosa, Luiz Pedro da Silva

Forma Verborum: abordagem construcional dos sufixos pré-desinenciais de verbos latinos / Luiz Pedro da Silva Barbosa. -- Niterói, 2020.

195 f.

Orientadora: Mariângela Rios de Oliveira. Coorientadora: Lívia Lindóia Paes Barreto. Tese (Doutorado - Estudos de Linguagem) -- Universidade Federal da Bahia, Instituto de Letras, 2020.

1.Sufixo. 2. Derivação. 3. Aspecto verbal. 4. Neoanálise. 5. Abordagem construcional. I. Oliveira, Mariângela Rios de. II. Paes Barreto, Lívia Lindóia. III. Título.

(4)

13 de Fevereiro de 2020

Banca Examinadora:

______________________________________________________________________ Profª Drª Mariângela Rios de Oliveira UFF (Orientadora)

______________________________________________________________________ Profª Drª UFF Lívia Lindóia Paes Barreto UFF (Co-orientadora)

______________________________________________________________________ Profª Drª Rívia Silveira Fonseca UFRRJ

______________________________________________________________________ Profª Drª Carlos Alexandre Gonçalves UFRJ

______________________________________________________________________ Profª Drª Fábio Peifer Cairolli UFF

______________________________________________________________________ Profª Drª Ivo da Costa do Rosário UFF

(5)

Este trabalho é resultado da pesquisa desenvolvida no âmbito do Doutorado em Estudos de Linguagem pela Universidade Federal Fluminense. O objeto de pesquisa é composto pelas construções formadas por três sufixos derivacionais, que se situam entre o radical e os morfemas flexionais de verbos em língua latina, razão pela qual são denominados prédesinenciais. Esses sufixos são: ta frequentativo, presente em verbos como rogito, -are (perguntar repetidamente); -sc incoativo, presente em verbos como floresco, -ere (florescer); -turi meditativo, presente em verbos como parturio, -ire (estar prestes a parir). Tais morfemas veiculam traços semânticos aspectuais ao verbo e compõem uma categoria derivacional, intitulada forma uerbi (forma do verbo), por gramáticos da Antiguidade, como Donato e Dositeu. Os principais objetivos desta pesquisa são

descrever a construção de forma do verbo no Latim; levantar e descrever os processos de mudança por que passam os verbos que compõem essa construção. Para tal, o arcabouço teórico que orienta o trabalho é da Linguística Funcional Centrada no Uso, com a abordagem construcional da linguagem (TRAUGOTT & TROUSDALE, 2013; HILPERT, 2014) e com a morfologia construcional (BOOIJ, 2013; 2018). Os dados de uso consistem em um conjunto de textos latinos, produzidos entre os séculos III a.C. e V d.C., que conta com autores diversos, de gêneros diversos. A análise dos dados mostra a ocorrência de processo de construcionalização observável em boa parte dos verbos frequentativos, operada pelos mecanismos de neoanálise, responsável pela perda de composicionalidade e fusão do sufixo ao radical do verbo, e de analogização, responsável pela vinculação das microconstruções a um subesquema de forma do verbo sem sufixo. Processo semelhante não pode ser observado nos verbos incoativos e meditativos, sobre os quais não se observa mudança no corpus.

Palavras-chave: Sufixo, Derivação, Aspecto verbal, Neoanálise, Abordagem construcional

(6)

This work is the result of research developed under the PhD in Language Studies by Universidade Federal Fluminense. The object of research is composed of constructions formed by three derivational suffixes, which are located between the stem and the inflectional morphemes of verbs on latin language, which is why they are nominated predesinential. These suffixes are: ta frequentative, present in verbs such as rogito, -are (to ask repeatedly); -sc inchoative, present in verbs such as floresco, -ere (flourish); -turi meditative, present in verbs such as parturio, -ire (to be in labor). Such morphemes convey aspects of semantic aspects to the verb and compose a derivational category, called forma uerbi (the form of the verb), by antiquity grammarians, such as Donatus and Dositheus. The main objectives of this research are to describe the construction of verb form in Latin; to map and describe processes of change that verbs that make up this construction go through. To this goal, theoretical framework that guides the work is Usage-based Linguistics, with a constructional approach (TRAUGOTT & TROUSDALE, 2013; HILPERT,2014) and construction morphology (BOOIJ,2013; 2018). Usage data consists on a set of Latin texts, used between 3rd centuriy BC and 5th century AD, which contain different authors, of different genres. The data analysis shows the occurrence of an observable constructionalization process in a number frequentative verbs, operated by the mechanisms of neoanalysis, responsible for the loss of compositionality and fusion of suffix and verb stem, and also analogization, responsible for the association of microconstructions with form of verbo subschema without suffix. Similar process cannot be observed in inchoative and meditative verbs, in which no change is observed in the corpus.

(7)

Aos meus pais, pelo carinho e dedicação incessantes;

A Deus;

Aos mestres do presente, pela confiança no meu trabalho, com atenção especial para minhas orientadoras, Profª Drª Mariângela Rios de Oliveira e Profª Drª Lívia Lindóia Paes Barreto, que me ajudaram a construir a trajetória de pesquisa que tem nesta tese apenas um início;

Aos mestres do passado, pelo legado imorredouro, pela luta em defesa da ciência e do ensino de Letras Clássicas;

À Universidade Federal Flumiennse, por me permitir estudar a língua que escolhi;

A Tlaloc, que, durante esta trajetória, me protegeu do terremoto de magnitude 8,2 que atingiu o México no dia 07 de Setembro de 2017, onde eu estava participando de um evento de Estudos clássicos.

(8)

In memoriam: Ernesto Faria, mestre do passado, que dedicou sua vida, até os últimos instantes, a defender o ensino de Latim no Brasil.

(9)

Ῥῆμα δὲ θωνὴ ζσνθεηὴ ζημανηική, μεηὰ τρόνοσ, ἧς οὐδὲν μέρος ζημαίνει καθ᾽ αὑηό, (ARISTÓTELES, Poética , 1457a, 14-5)

O verbo é o som vocálico composto, com distinção de tempo, do qual nenhuma parte significa por si só

(10)

INTRODUÇÃO ...16

CAPÍTULO 1 OBJETO DE PESQUISA ...22

1.1 VISÃO GERAL DO OBJETO ...22

1.2 HISTÓRICO DO OBJETO – A FASE INDOEUROPEIA ...25

1.2.1 Morfologia verbal indoeuropeia ...27

1.2.2 Formação dos temas verbais ...28

1.3 HISTÓRICO DO OBJETO – A FASE LATINA ...30

1.3.1 O verbo latino ...31

1.3.2 Processos de formação dos temas aspectuais ...32

1.3 RESUMO DA VISÃO GERAL E HISTÓRICO DO OBJETO ...37

CAPÍTULO 2 SUFIXOS PRÉ-DESINENCIAIS NO LATIM ...38

2.1 SUFIXO FREQUENTATIVO –TA ...38

2.1.1 Etimologia ...38

2.1.2 Sentidos e usos ...40

2.2 SUFIXO INCOATIVO –SC ...41

2.1.1 Etimologia ...41

2.1.2 Sentidos e usos ...43

2.3 SUFIXO MEDITATIVO –TURI ...44

2.1.1 Etimologia ...44

2.1.2 Sentidos e usos ...45

2.4 OCORRÊNCIA DE DUPLA SUFIXAÇÃO ...46

2.5 RESUMO DOS SUFIXOS PRÉ-DESINENCIAIS EM LATIM ...47

CAPÍTULO 3 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA: ESTUDOS ANTIGOS E MODERNOS SOBRE O TEMA ...48

3.1 TRADIÇÃO GRAMATICAL DA ANTIGUIDADE ...48

3.1.1 Abordagens antigas ...48

3.1.2 Morfemas que compõem a categoria ...52

3.2 ESTUDOS MODERNOS ...52

(11)

CAPÍTULO 4 TEMPO, ASPECTO E AKTIONSART NOS SUFIXOS

PRÉ-DESINENCIAIS ...56

4.1 TRAJETÓRIA E DEFINIÇÕES CONCEITUAIS ...56

4.1.1- Trajetória de pesquisa ...56

4.1.2 Em busca de uma definição de aktionsart ...57

4.1.3- Em busca de uma definição de aspecto ...60

4.2 ASPECTO E AKTIONSART NOS SUFIXOS PRÉ-DESINENCIAIS DOS VERBOS LATINOS ...61

4.3 OS SUFIXOS PRÉ-DESINENCIAIS EM RELAÇÃO AO VERBO LATINO ...64

4.3.1- O aspecto ...64

4.3.2- Aspecto e morfemas pré-desinenciais ...66

4.3.3 Outras referências a morfemas pré-desinenciais como marca de aspecto ...68

4.4 RESUMO DA DISCUSSÃO SOBRE ASPECTO E AKTIONSART ...68

CAPÍTULO 5 LFCU, GRAMÁTICA DE CONSTRUÇÕES E MORFOLOGIA CONTRUCIONAL ...70

5.1 LINGUÍSTICA FUNCIONAL CENTRADA NO USO ...70

5.2 ABORDAGEM CONSTRUCIONAL DA LINGUAGEM ...72

5.2.1 Princípios gerais ...73

5.2.2 Fatores associados às construções ...75

5.2.3 Abordagem construcional da mudança linguística ...78

5.2.4 Morfologia Construcional ...80

5.3 RESUMO DOS PRESSUPOSTOS TEÓRICOS...82

CAPÍTULO 6 CORPUS E METODOLOGIA ...83

6.1 LATIM, UMA LÍNGUA MORTA. QUEM MATOU? ...83

6.2 SELEÇÃO DO CORPUS ...84

6.2.1 Critérios de seleção ...84

(12)

6.3.1 Verbo frequentativos em –ta ...89

6.3.2 Verbo incoativos em –sc ...90

6.3.3 Verbo meditativos em –turi ...90

6.3.4 A influência do contexto na frequência token ...90

6.4 RESUMO DO CORPUS E DA METODOLOGIA ...92

CAPÍTULO 7 ANÁLISES DE DADOS ...93

7.1 ABORDAGEM CONSTRUCIONAL DOS SUFIXOS PRÉ-DESINENCIAIS ...93

7.1.1 Esquema da construção forma do verbo ...93

7.1.2 Links de herança e hierarquia construcional ...95

7.2 ESTUDOS SOBRE OS VERBOS FREQUENTATIVOS EM –TA ...99

7.2.1 Análise quantitativa ...100

7.2.2 Análise qualitativa ...102

7.2.3 O papel da neoanálise e da analogização ...113

7.2.4 Resumo dos estudos sobre os verbos frequentativos em –ta ..115

7.3 ESTUDOS SOBRE OS VERBOS INCOATIVOS EM –SC ...115

7.3.1 Análise quantitativa ...116

7.3.3 Análise qualitativa ...118

7.3.4 Resumo dos verbos incoativos em –sc ...121

7.4 ESTUDOS SOBRE OS VERBOS MEDITATIVOS EM –TURI ...121

7.4.1 Análise Quantitativa ...121

7.4.2 Análise Qualitativa ...122

7.4.3 Resumo dos verbos meditativos em –turi ...125

7.5 ANÁLISE QUANTITATIVA GERAL ...125

7.5.1 Análise quantitativa em números absolutos ...125

7.5.2 Quocientes de frequência ...128

7.6 RESUMO DAS ANÁLISES ...135

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...138

(13)

ANEXO 2 LISTA DE VERBOS INCOATIVOS ...178

(14)

TABELAS

Esquema 5.1 Esquemas construcionais de composição, prefixação e sufixação ...81

Esquema 5.2 Construção de formação sufixal em –dor em língua portuguesa ...81

Esquema 7.1 Esquema de forma do verbo ...94

Esquema 7.2 Microconstrução da forma do verbo rogo ...94

Figura 0.1 Entrada do verbete do verbo amo em um dicionário de Latim ...18

Figura 1.1 – Estrutura morfológica do verbo latino ...24

Figura 1.2 – Formação dos temas verbais indoeuropeus (Gamkrelize & Ivanov 1995: 300) ...29

Figura 4.1: Classificação das oposições aspectuais (COMRIE, 1976: 25) ...67

Figura 5.1 – Modelo da gramática de construções radical (CROFT, 2001: 18) ...76

Figura 7.1 Rede Construcional de Forma do Verbo com preenchimento do elemento Y ...96

Figura 7.2 Rede Construcional de Forma do Verbo com preenchimento do elemento X ...96

Figura 7.3 Rede Construcional de verbos meditativos via links de herança por polissemia ...97

Figura 7.4 Exemplo do verbo frequentativo rogito na rede da construção Forma do verbo ...98

Figura 7.5 Rede Construcional de Forma do Verbo ...99

Figura 7.6 Neoanálise do verbo canto ...114

Figura 7.7 Analogização do verbo canto...113

Gráfico 7.1 Total de ocorrências de verbos frequentativos do século III a.C ao século V d.C. ...101

Gráfico 7.2 Competição rogito versus total de verbos frequentativos ...105

Gráfico 7.3 Competição rogito versus rogo ...106

Gráfico 7.4 Competição canto versus cano ...107

Gráfico 7.5 Total de ocorrências de verbos incoativos do século III a.C ao século V d.C. ...117

(15)

Gráfico 7.7 Ocorrências de tokens de sufixos pré-desinenciais ...126

Gráfico 7.8 Ocorrências de types de sufixos pré-desinenciais ...127

Gráfico 7.9 Evolução dos quocientes de frequência token ...131

Gráfico 7.10 Evolução dos quocientes de frequência type ...135

Mapa 1.1: O Mundo Indoeuropeu (MALLORY &ADAMS, 2006: 8) ...26

Quadro 0.1 Duas periodizações da história do Latim e de sua literatura ...20

Quadro 1.1: Estado dos Grupos Indoeuropeus (MALLORY &ADAMS, 2006: 9) ...26

Quadro 1.2: Aparecimento dos sufixos de infectum em ambos os temas aspectauis ...36

Quadro 2.1 formação de verbos frequentativos a partir de particípios passados ...39

Quadro 2.2 formação de verbos frequentativos a partir das raízes e dos particípios ...40

Quadro 5.1 – Dimensões das construções (TRAGUOTT & TROUSDALE, 2013: 13), adaptada ao Português por Rosário e Oliveira (2016: 240) ...77

Quadro 5.2 Motivação X Mecanismo (TRAGUOTT &TROUSDALE, 2013: 38) ...80

Quadro 6.1 Autores e obras do corpus ...86

Quadro 6.2 Terminações de verbos frequentativos no presente do subjuntivo ...89

Quadro 6.3 Tema de Perfectum em comum dos verbos, frigeo, frigo e frigesco ...90

Tabela 7.1 Quocientes de frequência token ...130

(16)

INTRODUÇÃO

Este trabalho reúne as pesquisas feitas durante o Doutorado em Estudos de Linguagem, na Universidade Federal Fluminense. Compreende-se esta tese como continuidade dos estudos realizados durante o mestrado no mesmo curso, que aborda os verbos estativos, formados com o sufixo –ē (BARBOSA, 2016).

O objeto da pesquisa são as construções formadas pelos sufixos pré-desinenciais –ta frequentativo, –sc incoativo e –turi meditativo. Tais sufixos compõem a categoria denominada “Forma do Verbo” por gramáticos da Antiguidade. A motivação para a investigação reside na busca pela compreensão acerca do processo que fez com que verbos como cantar e saltar, que no Latim são derivados por sufixação, perdessem sua composicionalidade, passando a ser analisados como um radical unitário.

Assume-se aqui a seguinte tese: “A categoria derivacional dos verbos latinos, chamada Forma Verbi pelos gramáticos antigos, expressa noções aspectuais por meio de sufixos colocados entre os radicas dos verbos e seus respectivos morfemas flexionais. Essa categoria deixou de existir; os sufixos, na maioria dos casos, fundiram-se ao verbo; e a expressão dessas noções aspectuais passou a fundiram-se vincular formalmente ao radical do verbo como um todo.”

Esta pesquisa se configura como uma investigação empírica e analítica, que descreve e interpreta uma construção linguística e os processos de mudança que a afetam. Assim, os dois objetivos primários deste trabalho são: descrever e analisar a construção de forma do verbo no Latim; levantar e identificar os processos de mudança por que passam os verbos que compõem essa construção.

Espera-se que esta pesquisa contribua para os estudos línguísticos, especialmente para os estudos sobre a língua latina, pois se mostra inovadora ao aplicar um conjunto de pressuportos teóricos da Linguística Funcional Centrada no Uso a um fenômeno da morfologia verbal latina. Estudos em línguas antigas têm uma seara importante a ser explorada no uso de teorias modernas para a descrição dos fatos da Antiguidade.

A sequência dos capítulos que integram este trabalho começa com um apanhado histórico sobre o objeto de estudo. O primeiro capítulo aborda sufixos pré-desinenciais no Indoeuropeu e no Latim pré-histórico, dos quais a maioria não é mais analisada como um elemento mórfico distinto na época dos primeiros textos literários.

(17)

O segundo capítulo faz uma descrição detalhada de cada um dos sufixos estudados. Cada seção, abordando um morfema específico, trata de suas origens, com base na formação indoeuropeia apresentada no primeiro capítulo. Em seguida, são trazidos exemplos de uso desses morfemas.

O terceiro capítulo traz uma revisão da literatura acerca de morfemas pré-desinenciais de verbos. O destaque nesse capítulo é para os estudiosos da Antiguidade, que abordam a “forma do verbo”. Ao final, cita-se um breve levantamento sobre fenômenos semelhantes em outras línguas.

O quarto capítulo apresenta uma discussão muito importante para esta pesquisa: a questão entre aspecto verbal e aktionsart. O cerne da discussão está na decisão de distinguir ou não os dois conceitos, quando aplicados ao estudos dos morfemas ora estudados.

O quinto capítulo se volta para o arcabouço teórico que orienta a pesquisa: a Linguística Funcional Centrada no Uso. Essa perspectiva, trabalha com a abordagem construcional da linguagem. O capítulo apresenta também a abordagem construcional a qual se vincula, para a descrição e análise do objeto.

O sexto capítulo trata do corpus e da metodologia de coleta e registro de dados. A seleção dos textos tem seus critérios explicitados e autores listados. Os procedimentos de coleta e registro dos dados também são contemplados aqui

O sétimo capítulo se volta para as análises efetuadas na trajetória de pesquisa. a primeira delas é a descrição da rede construcional da forma do verbo, de acordo com os pressupostos teóricos adotados. Em seguida, o capítulo apresenta estudos específicos sobre cada um dos subesquemas estudados. A última seção mostra análises quantitativas gerais.

Antes de iniciar os capítulos, é necessário trazer ao leitor um conjunto de princípios importantes para uma pesquisa em língua latina e, naturalmente, para este trabalho. Esses princípios são a notação de verbos latinos em dicionários, os processos de derivação prefixal e os períodos históricos do Latim.

COMO PROCURAR UM VERBO LATINO NO DICIONÁRIO

Por se tratar de uma pesquisa voltada ao verbo, é importante explicar as como as notações destes elementos são feitas aqui, seguindo os dicionários de Latim e, originalmente, os gramáticos da Antiguidade.

(18)

O primeiro aspecto que deve ser compreendido é como os verbos são encabeçados nos dicionários de Latim. Ao contrário do que ocorre em língua portuguesa, ou em diversas outras línguas modernas, os verbos latinos não são encabeçados por sua forma de infinitivo, mas pela forma flexional de primeira pessoa do presente ativo do indicativo. Como consequência, quando se cita um verbo latino, utiliza-se essa forma, não o infinitivo, de modo que não se fala em “o verbo amare”, mas sim “o verbo amo”. A razão dessa notação é a continuidade da tradição gramatical da Roma Antiga, que assim cita os verbos,

Os verbetes dos dicionários não apresentam apenas a primeira pessoa do presente ativo do indicativo, pois essa forma não é suficiente para a certeza da vinculação de uma forma encontrada em um texto a um paradigma flexional. São necessárias mais formas além dessa. Assim, os dicionários de latim trazem os verbos, segundo uma sequência de formas flexionais. Apresenta-se aqui a seguinte ordem: 1) primeira pessoa do presente ativo do indicativo; 2) segunda pessoa do presente ativo do indicativo; 3) infinitivo presente ativo; 4) primeira pessoa do pretérito perfeito; 5) supino1. Essa sequência pode ser observada no verbete a seguir:

Figura 0.1 Entrada do verbete do verbo amo em um dicionário de Latim

Esse padrão de ordenação das formas flexionais do verbo latino é usado no dicionário de Ernesto Faria (2003). Outros dicionários seguem outras ordens, ou não apresentam todas as cinco formas listadas acima. O dicionário de Francisco Saraiva (2006) e o dicionário etimológico de Ernout & Meillet (1951) apresentam o verbo na ordem 1 2 4 5 3. O dicionário de Lewis & Short (1879) traz a ordem 1 3 4 5. O dicionário de Gaffiot (2016) trabalho com a ordem 1 4 5 3. O único ponto comum a todos os dicionários é a primeira forma flexional apresentada.

1 Supino é a forma nominal do verbo que dá origem ao particípio passado

amō, -ās, -āre, -avi, -atum, ...

(19)

Este trabalho, ao mencionar um verbo no corpo de seu texto, utiliza as formas 1 e 3. Assim, esta pesquisa aborda verbo como canto, -are; frigesco, -ere; parturio, -ire. A importância de se mostrar o infinitivo é de deixar claro a qual conjugação pertence determinado verbo. Já nos títulos de itens ou legendas, apenas a forma 1 é usada, para tornar esses trechos mais sucintos.

DERIVAÇÃO PREFIXAL DE VERBOS LATINOS

O Latim tem processos de derivação prefixal, com o uso de preposições como prevérbios, bastante extensos e produtivos. Com muita frequência, verbos latinos apresentam um grande número de derivados compostos por prefixos. Por exemplo, o verbo sum, esse (ser) registra compostos como absum (estar ausente), adsum (estar presente), desum (estar em falta) e assim por diante. A abordagem que este trabalho adota é de agrupar os derivados por prefixo juntamente com o verbo primitivo, de modo que, ao citar um verbo, incluem-se seus derivados por prefixo. Em poucos casos, este trabalho distingue as duas formas, por se tratar de uma distinção de sentido bastante clara, como ocorre com os verbos cogito, -are e agito, -are.

Os processos de derivação prefixal também revelam uma consequência fonética que pode confundir o leitor. Em Latim, quando uma palavra recebe um prevérbio, sua vogal base, caso seja breve, sofre alteração, passando a um timbre mais fechado. Esse fenômeno é chamado de apofonia. Um exemplo de tal processo usado neste texto é o verbo alesco, –ere (nutrir-se): quando recebe um prevérbio como ad-, a vogal base a se fecha, passando a u. O resultado é o verbo adulesco, -ere (crescer), que origina a palavra adulescens (adolescente).

SOBRE AS TRADUÇÕES

Esta tese conta com diversos exemplos de uso em textos latinos, para ilustrar os objetos estudados. Todos os excertos que aqui se apresentam são retirados do corpus de pesquisa. Para facilitar a compreensão desses trechos em língua latina, os exemplos são acompanhados de uma tradução feita especificamente para este trabalho. Esse trabalho de tradução procura dar ênfase aos processos de derivação sufixal abordados e aos conteúdos semânticos veiculados pelos sufixos pré-desinenciais.

(20)

Assim, uma amostra dessa etapa do trabalho pode ser observada na tradução do primeiro exemplo desta tese, trazido no primeiro capítulo, na seção 1.1. Nesse excerto, os quatro verbos frequentativos agito, -are; adflicto, -are; rapto, -are; e rogito, -are são traduzidos respectivamente por mover repetidamente, bater repetidamente, agarrar repetidamente e pergutnar repetidamente. A escolha dessa tradução busca enfatizar o conteúdo semântico presente na forma sufixada do verbo.

PERIODIZAÇÃO DO LATIM

Tanto a língua quanto a literatura latina são organizadas em arranjos didáticos temporais, feitos por pesquisadores diversos, com a finalidade de facilitar o aprendizado da história do Latim e de sua produção literária. Periodizações linguísticas, literárias e históricas convergem para a cronologia do Latim.

A história inicia-se com o aparecimento da escrita, registrada em inscrições epigráficas. Os primeiros textos epigráficos em Latim tem sua datação atribuída a um período posterior à fundação de Roma, que se deu no ano de 753 a.C., por Rômulo. Após a fundação, se segue um período monárquico, que dura até o ano de 509 a.C., quando uma revolta instaura a República Romana. Durante esse período, Roma era governada por dois cônsules eleitos anualmente pelo Senado. A República dura até o ano de 31 a.C., quando Otávio Augusto toma o poder para si, dando início ao Império Romano. O fim do Império dá-se no ano de 476 d.C., após longos períodos de crise e invasões de povos estrangeiros, dando origem à Idade Média na Europa Ocidental.

O período de 753 a.C. a 476 d.C., critério para o recorte temporal deste trabalho, é o momento histórico de vigência de Roma enquanto estado independente. Internamente, esse período é dividido, tanto para a língua quanto para a literatura.

Enquanto a escrita era usada em textos epigráficos havia alguns séculos, a literatura começa em Roma por volta do ano de 240, sob a influência da literatura grega, dando início ao período conhecido como arcaico ou helenístico. No ano de 81 a.C., o célebre orador e escritor Cícero faz seu primeiro discurso no Senado, fato que marca a início do período conhecido como clássico. Esse período dura até a morte do imperador Augusto, para alguns autores, ou até a morte do imperador Nero, para outros. O período seguinte é conhecido como pós-clássico, ou tardio, e se estende até o início da Idade Média. A tabela a seguir compara duas periodizações dessa história, a primeira voltada à língua e a segunda voltada à literatura:

(21)

Sinopse da história interna do Latim (FARIA, 1957: 40-1)

Períodos literários (MARTINS, 2009: 24)

Latim Pré-histórico Século XI – Século VIII a.C.

Latim Proto-histórico Século VIII – 240 a.C.

Latim Arcaico 240 – 81 a.C. Latim Clássico 81 a.C. – 17 d.C. Latim Pós-Clássico 17 – Século V d.C Fase Primitiva 753 – 250 a.C. Fase Helenística 250 – 81 a.C. Fase Clássica 81 a.C. – 68 d.C. Fase Pós-Clássica 68 – 476 d.C.

(22)

CAPÍTULO 1 – OBJETO DE PESQUISA

Neste capítulo, apresentam-se não somente o objeto de investigação de modo amplo, mas também algumas definições importantes para esta trajetória de pesquisa. A primeira seção expõe a visão geral dos sufixos pré-desinenciais, bem como algumas dessas definições.

A segunda seção traça um percurso histórico acerca dele, mostrando algumas características do sistema verbal indoeuropeu, com destaque para suas posições pré-desinenciais. Essas posições são importantes para a formação dos sufixos que compõem o presente objeto de investigação, como se expõe no segundo capítulo.

A terceira seção dá continudiade ao histórico do objeto a partir do Latim. Mostra e descreve os diversos elementos mórficos pré-desinenciais que podem ser recuperados por meio de estudos etimológicos.

1.1 VISÃO GERAL DO OBJETO

O objeto desta pesquisa são as construções que contêm um conjunto de morfemas no Latim. Trata-se dos sufixos pré-desinenciais de verbos – morfemas derivacionais que se situam entre o tema verbal e seus respectivos morfemas flexionais. O recorte deste trabalho identifica os três morfemas listados a seguir, acompanhados de exemplos de uso retirados do corpus da pesquisa:

a) -ta frequentativo, aparece em verbos como rogito, -as, -are, -aui, -atum (perguntar com insistência);

(1.1)

STR. Quae te mala crux agitat? quid tibi mecum est commerci, senex? quid me adflictas? quid me raptas? qua me causa uerberas?

EVCL. Verberabilissime, etiam rogitas, non fur, sed trifur?

(Plauto, Aulularia, 631-4, Século III a.C.) STR. Que cruz ruim te move repetidamente? Que assunto você tem comigo, velho?

Por que você me bate repetidamente? Por que me agarra repetidamente? Por que me agride?

(23)

EUCL. Ah, agredibilíssimo, ainda pergunta repetidamente, seu não ladrão, mas triladrão?

b) -sc incoativo, aparece em verbos como tumesco, -is, -ere, - (intumescer, inchar);

(1.2)

sic, quicumque nova sublatus laude tumescit, dat merito poenas, dum meliora cupit.

(Aviano, Fabulae, II vv. 15-6, Século IV d.C.) Assim, todo aquele que se intumesce, erguido por um novo louvor,

É merecidamente castigado, enquanto deseja coisas melhores.

c) -turi meditativo, aparece em verbos como parturio, -is –ire, -iui, -itum (estar prestes a parir).

(1.3)

ego togatus uobis bonisque omnibus adiutoribus hoc quod conceptum res publica periculum parturit consilio discutiam et comprimam.

(Cícero, Pro Murena, 84, Século I a.C.) Eu, togado, para vocês e todos os bons assistentes, dissiparei e suprimirei este sabido perigo que a República está prestes a parir.

Contemplam-se também os pares de cada um desses mesmos verbos, em suas formas primitivas, ou seja, que não se formam por um processo de derivação sufixal, como as formas seguintes:

d) formas absolutas, isto é, sem sufixação, como rogo, as, are (perguntar) ou pario,

-is, -ire (parir)

Os morfemas estudados, ainda que não sejam os constituintes mórficos mais externos nos verbos, são também denominados sufixos, pelos estudiosos de história do Latim (MONTEIL, 1974: 280-300; FARIA, 1958: 282). Tal designação ocorre porque tomam como ponto de referência o radical verbal. Assim, todos os elementos que o

(24)

sucedem são chamados sufixos. Esta distinção é importante porque não existem apenas prefixos e sufixos na formação de temas verbais em Latim, mas também infixos, isto é, morfemas que são introduzidos no interior do radical do verbo. Um exemplo de infixo que resta no Latim é o infixo nasal –n– , que é introduzido nos temas de infectum de verbos como pungo, -ere (cutucar) e tango, -ere (tocar). Em ambos os verbos, o infixo nasal não aparece nos seus temas de perfectum (respectivamente pupugi e tetigi).

Uma das definições mais importantes para esta pesquisa, voltada à língua latina, é a de tema verbal, uma vez que os sufixos ora estudados fazem parte dele. O tema verbal é definido como “forma linguística que não funciona sozinha, mas serve como base para construir formas flexionais de palavras (word forms), que podem funcionar sozinhas” (TRASK, 2006: 245). Trata-se de um dos elementos morfológicos que compõem o verbo. Em muitas línguas (como no Latim), o tema, quase sempre, é seguido de uma vogal, o que a configura como uma vogal temática. Para este estudo, é necessário não apenas compreender a definição de tema, senão também como tal constituinte se comporta morfologicamente na estrutura do verbo. Assim, a figura a seguir mostra essa estrutura (LEITE, 2016: 291): distinguem-se um tema, acrescido de desinências de modo e tempo e desinências número, pessoa e voz. A forma usada como exemplo é de terceira pessoa do plural da voz ativa do pretérito imperfeito do verbo amo, -are (amar):

Figura 1.1 – Estrutura morfológica do verbo latino

No entanto, já que o tema é composto por um radical acrescido de uma vogal temática, muitos manuais e gramáticas analisam a estrutura do verbo latino como “radical + vogal temática”, ao invés de simplesmente “tema” (AMARANTE, 2015: 67). No exemplo acima, o tema “ama” é composto de um radical “am" acrescido de uma

Tema

Ama-Desinência de modo e tempo

-ba-Desinência de número, pessoa e voz

(25)

-nt-vogal temática –a. Essa -nt-vogal, por sua vez era usada como referência para agrupar os verbos em categorias chamadas “conjugações”. O termo “tema”, contudo, usado como resultado da fusão de um radical e de um ou mais elementos pré-desinenciais, é menos problemático para a descrição da flexão verbal latina.

Resta-nos agora apenas tratar da divisão clássica dos verbos latinos em quatro conjugações. Aliás, esta divisão é inteiramente falha, não só por não se poder aplicar em geral às formas do perfectum, como também, mesmo no que diz respeito ao infectum, por reunir verbos com características diversas. (Faria, 1958: 240)

O tema verbal é, pois, resultado de uma complexa rede de processos morfológicos, dentre os quais se encontram os morfemas abordados por este trabalho.

1.2 HISTÓRICO DO OBJETO – A FASE INDOEUROPEIA

A família linguística indoeuropeia é composta de diversos grupos. Alguns desses grupos seguem sendo usados na atualidade, alguns estão extintos, enquanto outros, ainda, são conhecidos apenas por esparsos fragmentos.

Antes de proceder à morfologia da hipotética língua indoeuropeia, é importante identificar os diferentes ramos dessa família linguística, pois esta informação é necessária ao citarem-se diferentes línguas que dela descendem. Para tal, o mapa 1.1 mostra, de modo mais amplo, a distribuição dos principais grupos linguísticos indoeuropeus nos continentes europeu e asiático. O mapa reúne tanto os grupos que sobrevivem até o século XXI, quanto aqueles já extintos:

(26)

Céltico Céltico Céltico Germânico Báltico Eslavo Dácio Trácio

Grego AnatólioFrígio

Iraniano

Iraniano Iraniano

Iraniano

Tocário

Mapa 1.1: O Mundo Indoeuropeu (MALLORY &ADAMS, 2006: 8)

O quadro a seguir lista os grupos mostrados acima, diferenciando-os em duas categorias: o dos grupos de línguas que ainda são faladas e o dos grupos de línguas que estão extintas:

Grupos Sobreviventes Grupos Extintos

Céltico Itálico Germânico Báltico Eslavo Albanês Grego Armênio Iraniano Indiano Anatólio Tocário Frígio Trácio Dácio Messápio Venético Ilírio

(27)

1.2.1 Morfologia verbal indoeuropeia

Tradicionalmente, o sistema verbal indoeuropeu é considerado extremamente complexo (MEILLET, 1949: 173; FARIA, 1958: 228), mais que o de qualquer uma das suas línguas descendentes. Cada uma delas simplifica-o, ao seu modo, dando ênfase a certas características, deixando outras de lado.

Um dos principais exemplos de tal diferenciação é a tripartição dos radicais aspectuais indoeuropeus: há, no Indoeuropeu, três temas verbais, a partir dos quais se construíam as flexões de tempo, modo, número, pessoa e voz. Esses temas são presente, aoristo e perfeito (MONTEIL, 1974: 267). A tripartição mantém-se apenas no Grego e nas línguas do grupo indo-iraniano (LUNDQUIST & YATES, 2017: 2158); já o Latim apresenta apenas uma bipartição entre infectum e perfectum (respectivamente presente e perfectivo), tendo o antigo aoristo apenas deixado vestígios no temas aspectuais que restam.

Contudo, os estudos sobre as línguas anatólias, cujo maior representante é o Hitita, põem em debate a complexidade do sistema verbal indoeuropeu, uma vez que, sendo o grupo mais antigo das suas línguas descendentes, apresenta um sistema verbal bem mais simples que as línguas clássicas (Latim, Grego e Sânscrito). De modo geral, os verbos nas línguas anatólias se flexionam de modo binário em voz, tempo e modo (KAPOVIĆ, 2017: 91).

Partições binárias em categorias verbais são frequentes na conjugação indoeuropeia. Há uma bipartição segundo a qual os verbos são divididos em duas classes flexionais, ou seja, classes que recebem seus próprios grupos de morfemas flexionais de número-pessoa-voz. Uma classe em *–m2 e uma classe em *–h2e3

(LUNDQUIST & YATES, 2017: 2138). Essa bipartição está associada à bipartição dos substantivos em ativo/inativo. Desse modo, a série em *–m está associada a argumentos ativos e a série em *–h2e está associada a argumentos inativos (GAMKRELIZE &

IVANOV 1995: 256). Outra bipartição ocorre nos temas aspectuais. Apesar de, em um estágio posterior, o Indoeuropeu apresentar três temas aspectuais para seus verbos, em um estágio primitivo (Proto-indoeuropeu), há dois: presente e aoristo. O principal fator que atesta essa característica é a ausência de tema de perfeito nas línguas anatólias, o

2

O asterisco (*) indica termo previsto etimologicamente, mas não atestado em textos. 3 Os fonemas h

(28)

que mostra que o perfeito foi constituído após a separação do grupo anatólio dos demais (MALLORY & ADAMS, 2006: 63). Há, ainda, uma bipartição espaço-temporal, que, posteriormente, produz os tempos presente e passado. A origem da bipartição temporal seria uma categorização dos verbos, em um estágio primitivo do Indoeuropeu, em “aqui-agora/não-aqui-agora” (GONDA,1956:28-9;SHIELDS,1992:18).

Acerca do padrão de ordenação dos morfemas flexionais dos verbos, o Indoeuropeu apresenta, como diversas outras famílias linguísticas, uma relação entre a sequência de morfemas no verbo e a ordenação sintática. De acordo com Gamkrelize & Ivanov (1995: 295), línguas com ordenação sintátiva OV, isto é, com verbo posposto ao objeto, tendem a apresentar uma expressão morfológica verbal operada por meio de marcadores sufixais. No Indoeuropeu, encontra-se apenas uma exceção a essa tendência: o aumento verbal, que consiste em um morfema e– anteposto ao tema verbal nos tempos passados. Assim, por exemplo, um verbo grego λύω (lyo – eu solto), quando passa ao pretérito imperfeito, torna-se ἔλσον (elyon – eu soltava). Esse morfema ainda faz parte da flexão nas línguas indo-iranianas, grega, frigia, e armênia clássica. Entretanto, desde os textos mais antigos nessas línguas, o aumento não é obrigatório. Nas epopeias homéricas, por exemplo, é comum a ausência do aumento (CHANTRAÎNE, 1984: 312) e Meier-Brügger (2010: 315) aponta para sua origem em um advérbio *h1e

que significaria “então”.

No caso do Indoeuropeu, os marcadores da flexão verbal pospostos ao radical do verbo configuram-no como uma língua fusional (ou flexiva), pois morfemas agrupam em si distintas categorias (BICKEL & NICHOLS, 2013). A mesma característica se estende ao Latim. Por exemplo, a desinência de primeira pessoa do singular da voz ativa em Latim –ō concentra em si as categorias de número, pessoa e voz. Boa parte da composição mórfica do verbo indoeuropeu pode ser observada no Latim, especialmente em relação à ordenação dos morfemas e às categorias flexionais.

1.2.2 Formação dos temas verbais

O tema, por sua vez, liga-se diretamente ao aspecto do verbo. Uma das características importantes desse sistema é a tripartição dos temas aspectuais, que mostra a categoria aspecto expressa por meio de suplementação morfológica, o que significa que os diferentes temas são formas supletivas de um paradigma verbal. Um exemplo de formas supletivas pode ser encontrado no verbo latino fero (levar, trazer),

(29)

que tem três temas, bastante diferentes entre si: fer- é seu tema de infectum; tul- é seu tema de perfectum; e ainda seu supino é latum.

O tema aspectual indoeuropeu é importante para esta pesquisa porque a ele se ligam morfemas pospostos ao radical que contribuem com noções semânticas ao verbo. Não se trata, contudo, do único processo de formação de temas. Entre os demais, destacam-se o redobro, que pode aparecer tanto no presente (como no verbo latino sisto, redobro de sto, -are (estar de pé), quanto no perfeito (como no verbo latino dedi, perfeito de do – dar); e um infixo nasal – fonema –n– colocado no interior do radical (como no verbo latino iungo – unir) (ERNOUT &MEILLET, 1959).

Quanto às formações pospostas ao radical, o paradigma flexional indoeuropeu, ao menos em sua forma, apresenta um cenário semelhante ao paradigma latino: formações sufixais derivacionais podem ser adicionadas à raiz, produzindo um novo tema. Constatam-se três posições pré-desinenciais que compõem o tema verbal. À raiz, unitária, unem-se elementos em uma ordem fixa, como descrito na figura a seguir:

Figura 1.2 – Formação dos temas verbais indoeuropeus (GAMKRELIZE &IVANOV 1995: 300)

A cada posição, cabe um grupo possível de morfemas. Na terceira posição, contudo, a quantidade de morfemas disponíveis é bastante maior que nas duas anteriores (SCHWYZER 1939:1.701-6, MEILLET 1922:163-89). É possível, até mesmo, construir verbos com as três posições preenchidas. Nesse caso, a restrição é de que a posição 2 deve ser preenchida por *–es–. Esse tipo de formação pode ser encontrado, por

Tema

Posição 0

Posição 1

Posição 2

Posição 3

Raiz

*-n-

*-es-

*-eu-*-eh

2

-*-ek̑

h

-.

.

(30)

exemplo, nos verbos hititas terminados em –nešk, tais como tiyanešk- (costurar, emendar) (FRIEDRICH, 1957: 21) e nos verbos tocários4 terminados em –näṣṣä–/– näske–, tais como yänmaskau (eu alcanço) (MALZAHN, 2010: 467-8). Verbos com duas posições preenchidas podem combinar quaisquer dois dos morfemas de duas das posições e são abundantes nas línguas indoeuropeias. Em Latim, há exemplos como uinco (vencer), formado com o preenchimento das posições 1 e 3; e posco (pedir), formado pelo preenchimento das posições 2 e 3.

Muitos desses sufixos estão presentes em temas de verbos no Latim, especialmente naqueles com apenas uma posição preenchida. Por exemplo, o sufixo – es–, da segunda posição, serve como desinência modo-temporal de um futuro arcaico latino (facio – eu faço/ faxo – eu farei); Já o sufixo *–eh2–, da segunda posição,

permanece, no Latim, em temas verbais denominativos, isto é, construídos a partir de temas nominais, tais como nouo, -are5 (de nouus - novo).

Finalmente, de modo geral, esses sufixos passam por trajetórias peculiares em cada um dos grupos linguísticos indoeuropeus, de modo que as línguas descendentes atribuem a esses constituintes conteúdos semânticos próprios, muitas vezes distintos em relação a outras línguas indoeuropeias. Assim, é possível afirmar que se trata de um fenômeno relativamente recente no domínio indoeuropeu, ainda que ocorra no grupo anatólio6, mais antigo.

1.3 HISTÓRICO DO OBJETO – A FASE LATINA

Compreendido como uma continuidade temporal em relação à sua matriz indoeuropeia, o Latim mantém, em grande parte, características do verbo indoeuropeu. Esta seção descreve o sistema verbal do Latim, com detaque à formação de seus temas aspectuais, uma vez que é nessa formação que se inserem os sufixos estudados nesta pesquisa.

4 Tocário é um grupo de línguas que floresceu na Ásia Central, oeste de onde hoje está a China. Foi falada até o século XIII d.C. Os documentos atestam duas línguas, chamadas de Tocário A e Tocário B (MALLORY & ADAMS, 2006: 35)

5No Latim, o fonema indoeuropeu h

2, após vocalismo e, torna-se ā (Monteil, 1974: 61-6)

6

Anatólio é um grupo de línguas que floresceu na região da Anatólia, hoje parte da Turquia. É documentada desde os últimos séculos do terceiro milênio a.C. até o século XIV a.C. Inclui diversas línguas, como Hitita, Lídio e Palaio. As línguas anatólias são as línguas indoeuropeias mais antigas com registros escritos,

(31)

1.3.1 O verbo latino

O sistema verbal do Latim apresenta mudanças e permanências em relação ao sistema indoeuropeu. Em relação aos morfemas flexionais mais externos em relação ao radical do verbo (os de número e pessoa), o Latim abandona quase a totalidade das desinências primárias, mantendo apenas a desinência de primeira pessoa singular em alguns tempos verbais. Consequentemente, anula tanto a oposição entre desinências primárias e secundárias, quanto a oposição entre a classe flexional em *–m e a classe em *–h2e.

No Latim também se encontram dois tempos futuros: um futuro perfeito e um futuro imperfeito. O futuro não existe no estágio indoeuropeu e cada uma de suas línguas descendentes constituiu um tempo futuro a seu modo. As desinências do futuro latino são, de modo geral, uma continuação do antigo subjuntivo indoeuropeu. Desse modo, as desinências –a e –e, que aparecem no futuro latino, são herdeiras do subjuntivo indoeuropeu. Uma vez que o subjuntivo exprime o desejo ou a intenção de fazer algo, está próximo à ideia de futuro(FARIA, 1958: 233-4).

O aspecto segue sendo expresso por meio de suplementação de temas, assim como antes. O aspecto latino se reduz a uma oposição binária entre o infectum, herdeiro do presente indoeuropeu, e o perfectum, herdeiro do perfeito indoeuropeu. O antigo aoristo perde autonomia até deixar de existir em Latim. Seus vestígios ainda podem ser encontrados em algumas formações de temas de infectum, como, por exemplo, nos verbos de estado em –ē, morfema que pode ser encontrado no tipo mais produtivo de formação de aoristo em Grego. Nos temas de perfectum, vestígios do aoristos são encontrados nas formações com alternância vocálica e/ou quantitativa, tais como făcio/fēci (eu faço/ eu fiz), em que se alteram tanto o timbre da vogal quanto a sua quantidade; e também uĕnio/uēni (eu venho/ em vim), em que se altera apenas a quantidade da vogal. Verbos como esses têm os chamados perfeitos aorísticos. Cada um desses temas aspectuais tem seus próprios processos de formação, tornando impossível a predeterminação de um a partir do outro.

O paradigma flexional do aspecto verbal latino é uma continuidade de um estado indoeuropeu no qual havia, originalmente, independência entre os temas aspectuais. Vestígios, no Latim, dessa independência, além da variedade de processos de formação para cada tema, são verbos como sum (-es, -esse, fui) e fero (fers, ferre, tuli), cujos temas são originados de raízes completamente distintas na forma. Vale ressaltar que,

(32)

dentre os processos de formação do perfectum, o mais produtivo era a formação sonântica em –u, tipo que prevaleceu em Latim e continuou regularmente nas línguas neolatinas. A maior parte dos verbos latinos de primeira conjugação tem seus temas de perfectum em –u, tais como amo, -are, -aui (amar); sono, -as, -are (soar).

A quantidade de categorias flexionais permaneceu a mesma entre o Latim e sua língua matriz. Tais categorias são: tempo, modo, aspecto, número pessoa e voz. Ainda que se observem mudanças no sistema flexional, quase todas voltadas à redução na quantidade de formas, as permanências predominam. Entretanto, nem o paradigma flexional do verbo latino se encerra por aí, nem as suas categorias têm fronteiras sempre bem delimitadas.

1.3.2 Processos de formação dos temas aspectuais

Os processos de formação de temas verbais, desde a fase indoeuropeia, eram variados e, formalmente, poderiam incidir sobre algumas posições do verbo. Tais processos podiam utilizar-se da raiz verbal por si só ou contar com a adição de outros morfemas.

Entre os diversos tipos de formação radical, isto é, aqueles que se constroem com base na própria raiz do verbo, o tipo mais básico é a alternância do vocalismo da raiz. Segundo Monteil (1974: 267), o presente usa um vocalismo –ĕ; o perfeito usa um vocalismo –ŏ; e o aoristo usa um vocalismo zero, ou seja, sem a presença da vogal que havia anteriormente7.

Outro processo de formação desse tipo de tema aspectual é o redobro. O redobro pode ser encontrado no Latim tanto no infectum quanto no perfectum. O redobro de presente consiste na repetição da primeira sílaba da raiz com um vocalismo –i, como ocorre em verbos como sisto, -ere, (parar, levantar-se – de *stisto). Já o redobro de perfeito consiste na repetição da primeira sílaba da raiz com um vocalismo –e, como ocorre em verbos como tango, -ere, tetigi (tocar).

Outro tipo de formação de temas é a adição de morfemas após a raiz do verbo. O Indoeuropeu já registra uma série de sufixos, colocados entre o tema verbal e as desinências, que causam alterações de sentido nos verbos. Monteil (1974: 286)

7

Acerca do sistema vocálico indoeuropeu, a reconstrução permite estabelecer alguns estágios, dos quais o estágio tripartido ĕ/ŏ/- é um deles (GAMKRELIDZE & IVANOV, 1995: 184). Essa característica é chamada de vocalismo (Monteil, 1974).

(33)

distingue os tipos de formação de infectum entre os formados pelo que designa como “aumento” e aqueles formados por sufixos. Segundo o autor, o que distingue os dois tipos é a nitidez com que se identifica o sufixo da raiz, mas não o aumento. Os morfemas listados são os seguintes:

a) Sufixo –ē de valor estativo. Esse morfema faz parte das formações indoeuropeias de aoristo, em especial de aoristos intransitivos. Permanece no aoristo grego formando antigos temas de aoristo intransitivo e, principalmente, formas de aoristo passivo. No Latim, contudo, ocorre apenas nos temas de infectum, com uma origem aorística. Está em verbos como palleo, -ere (estar pálido), gaudeo, -ere (estar alegre) e tumeo, -ere (estar inchado).

b) Sufixo –sk de valor iterativo/incoativo. Esse morfema aparece em diversas línguas indoeuropeias, inclusive nas anatólias. No Latim, estabelece-se como morfema de valor incoativo, isto é, designa o início de um processo, enquanto que, no Hitita, predomina o valor iterativo. Assim como o anterior, ocorre apenas nos temas de infectum. Aparece em verbos como dulcesco, -ere (tornanr-se doce, de dulcis) e amasco, -ere (tornar-se amável, do verbo amo). Muitas vezes, o sufixo incoativo e o sufixo estativo coexistem no verbo, formando trios de verbos sem sufixo, estativos e incoativos, tais como feruo, -ere; ferueo, -ere; peruesco, -ere (ferver (transitivo), estar fervente, começar a ferver).

c) Sufixo –eye/o de valor iterativo/causativo. Esse sufixo, ainda que tenha tido certa presença em línguas como Sânscrito e Grego, aparece em um número reduzido de verbos, em comparação com os dois anteriores. Também surge nos temas de infectum. Ao formar verbos sempre da segunda conjugação, acaba por confundir-se com verbos de outras formações. Aparece em verbos como noceo, -ere (fazer morrer), torreo, -ere (fazer secar) e moueo, -ere (fazer mover).

d) Sufixo –ye/o de valor denominativo. Esse sufixo também é bastante frequente em diversas línguas indoeuropeias, assim como em Latim. Todavia, trata-se de um morfema desprovido de carga semântica. Serve para formar temas verbais a partir de outros temas, verbais ou nominais. Também é um sufixo próprio do infectum. Aparece em verbos como causo, -are (causar, de *causayo), finio, -ire (concluir) ou mentior, -iri (mentir).

e) Sufixo –a de valor ora iterativo ora denominativo. Entre os verbos da primeira conjugação (com vogal temática ā), há uma série de formações iterativas, em que esse sufixo aparece em verbos como educo, -are (fazer sair, conduzir para fora, feito a partir

(34)

de dico, -ere) e dico, -are (tornar sagrado, oferecer feito a partir de dico, -ere). Trata-se também de um morfema de infectum. Há, ainda, uma série de formações de origem denominativa em -ye/o, que, devido ao processo fonético que ocorre em exemplos como o verbo curo, -are (< *curayo), produziu verbos com um -ā denominativo, tais como libero, -are (liberar, de líber) e laboro, -are (laborar, de labor) (MEILLET, 1949: 287-8). Esses são os sufixos de origem indoeuropeia presentes na formação de temas de infectum em Latim. Contudo, há morfemas de origem mais recente que contribuem com a formação de novos verbos latinos, que são listados a seguir:

f) Sufixo –ta de valor frequentativo. Esse sufixo tem provavelmente uma origem itálica, já que é encontrado também em verbos oscos e umbros (BUCK, 1904: 161) e teria se formado com a junção do sufixo de particípio -t- e o sufixo iterativo -a. No Latim, este morfema confere o traço semântico de frequentatividade ou insistência ao processo verbal. O sufixo já aparece no infectum e também no perfectum. É usado em verbos como rogito, -are (perguntar com insistência) e agito, are (agitar).

g) Sufixo –turi de valor inceptivo/desiderativo. Esse sufixo apresenta uma produtividade menor que a dos demais e aparece apenas no latim. Adiciona ao verbo o traço de inceptivo ou desiderativo, sendo ambos relativamente próximos. Assim como o anterior, aparece no infectum e no perfectum. Surge em verbos como parturio, -ire (estar prestes a parir) e essurio, -ire (de *edturio8 – ter fome, estar morrendo de fome).

Até aqui, foram apresentados morfemas designados como sufixos. Há, contudo, outra série de morfemas, de origem indoeuropeia, que figura na mesma posição pré-desinencial. Tais morfemas são designados como aumentos. São descritos como elementos uniliteral, que contribuem com traços semânticos sutis aos verbos e são, propriamente, uma epêntese ou paragoge ao radical do verbo, ao invés de um sufixo. h) Infixo nasal –n de valor determinativo. Esse morfema aparece em alguns casos como infixo (como em relinquo, ere), noutros casos como sufixo (como em sterno, -ere). Essa distinção ocorre devido ao ambiente fonético em que se encontra, uma vez que se apoia sobre o vocalismo da raiz verbal. As primeiras formações de verbos com este aumento teriam sido exclusivamente de infectum, mas seu uso se estende ao perfectum em muitos casos. Semanticamente, o infixo nasal orienta o processo para uma realização total, voltada para um objeto definido.

8

No Latim, grupos consonantais formados por duas consoantes dentais tornam-se S (FARIA,1957:258; NIEDERMANN,1991:148-9)

(35)

i) Aumento dental –t ou –d. Esse morfema, bastante antigo, sempre sufixal, apresenta poucas descrições sobre sua carga semântica. Monteil (1974: 288) classifica-o também como determinativo. Assim como o anterior, pode aparecer apenas no infectum ou em ambos os temas. É usado em verbos como flecto, -ere (flexionar) e fendo, -ere (fender).

j) Aumento –s de valor desiderativo. Esse morfema, também antigo e sufixal, contribui com um sentido desiderativo ao processo verbal. Como os demais aumentos, ora é usado apenas nos temas de infectum, ora é usado no infectum e no perfectum. Aparece em verbos como quaeso, -ere (querer obter) e uiso, -ere (querer ver). Posteriormente serviu de base para a constituição de um sufixo –esso, cujo sentido e também desiderativo e aparece em verbos como capesso, ere (querer pegar) e facesso, -ere (qu-erer fazer).

A descrição dos elementos pré-desinenciais dos verbos latinos revela características importantes, que demandam atenção, em especial acerca da sua relação com os temas aspectuais. Vê-se que, entre os elementos chamados de sufixo, os de formação indoeuropeia são próprios dos radicais de infectum, enquanto os de formação itálica ou latina são comuns tanto ao infectum quanto ao perfectum. Já os elementos chamados de aumento podem aparecer apenas no infectum ou em ambos, a depender de sua formação, respectivamente antiga ou tardia.

Esse comportamento morfológico mostra que, no Latim, os temas aspectuais não têm a mesma independência que tinham no estágio indoeuropeu. Do mesmo modo, ainda que o aspecto verbal fosse a categoria morfológica mais importante para o verbo latino, já se pode perceber o início de um processo de mudança que lhe retira essa importância. O resultado dessa mudança é que o aspecto deixa de ser uma categoria flexional autônoma nas línguas neolatinas, deixando vestígios em boa parte dos chamados verbos irregulares.

Há, também, uma relação entre a independência dos temas aspectuais e a presença do sufixo em um deles, ou em ambos. Os mais antigos apareciam apenas no infectum, já que faziam parte de um sistema com temas independentes. Os mais recentes, por sua vez, aparecem tanto no infectum quanto no perfectum, pois são categorizados em um momento em que não há a mesma independência de antes. A mesma relação orienta os chamados aumentos: quanto mais tardio, maior a chance de aparecer em ambos os temas aspectuais. O quadro a seguir lista os sufixos que atuam na formação de temas aspectuais do latim, indicando em quais dos dois temas aparecem:

(36)

aparece no infectum aparece no perfectum

sufixo –ē sim não

sufixo –sk sim não

sufixo –eye/o sim não

sufixo –ye/o sim não

sufixo –a sim sim

sufixo –ta sim sim

sufixo –turi sim sim

aumento –n sim varia

aumento –t ou –d sim varia

aumento –s sim varia

Quadro 1.2: Aparecimento dos sufixos de infectum em ambos os temas aspectauis

Notável é também a variedade de morfemas e formações dos temas de infectum, sendo a maior parte deles herdeira do presente indoeuropeu. As formações de perfectum, por sua vez, são menos numerosas. Assim como acontece no infectum, as formações radicais são as mais antigas. Outro tipo de formação radical é o redobro de perfeito, que aparece em verbos como tango/tetigi (tocar) e pungo/pupugi (cutucar). O redobro de perfeito, no entanto, é bem mais frequente que o redobro de presente. No Latim, a formação que predomina é aquela com um dos sufixos a seguir. Outra característica marcante da formação dos temas de perfectum é que não há sufixo que contribua com noções semânticas adicionadas ao verbo, mas apenas morfemas de caráter procedural9.

a) Sufixo –s. Esse sufixo, em sua origem, é usado para formar temas de aoristo. No Latim, o aoristo deixa de existir como tema aspectual autônomo, tendo a maior parte dos aoristos indoeuropeus se fundido ao perfectum, criando uma série de temas de perfectum sigmáticos, ou temas aorísticos. Aparece em verbos como scribo/scripsi (escrever) e ardeo/arsi (arder).

b) Sufixo –u. Esse sufixo está presente em verbos indoeuropeus (SELDESLACHTS, 2001), contudo a extensão de seu uso no Latim supera facilmente a de qualquer outra língua indoeuropeia, mesmo as outras línguas itálicas, que também têm suas próprias

9

Material procedural tem sentido abstrato e designa relações inguísticas, perspectivas e orientações dêiticas (TRAUGOTT &TROUSDALE, 2013: 12)

(37)

formações (BUCK, 1904, 169-70). Em latim o assim chamado perfectum sonântico se estendeu às novas formações de verbos, de modo que se regularizou como formador de temas de perfectum e ainda faz parte da conjugação regular de verbos nas línguas neolatinas. Quase todos os verbos de primeira (ā) e quarta (ī) conjugação têm seus temas de perfectum sonânticos. Aparece em verbos como amo/amaui (amar) habeo/habui (ter) e pario/pariui (parir).

O latim dá continuidade, em grande parte, à independência dos processos de formação de temas aspectuais que herda do Indoeuropeu. No entanto, começa a mostrar a perda dessa independência. Desse modo, vê-se que os morfemas mais recentes são incorporados ao sistema da língua em um momento em que os dois temas verbais latinos começam a ser unidos em um único paradigma, o que faz com que esses morfemas apareçam em ambos os temas. É o que ocorre, por exemplo, com os verbos frequentativos em –ta e com os verbos meditativos em –turi.

A investigação dos processos de formação de temas verbais revela morfemas que já se haviam fundido com o radical desde os tempos dos primeiros registros do Latim. Em boa parte dos casos, não há uma forma primitiva da qual se derive a forma com sufixo, ou aumento. Por essa razão, é válido propor que apenas uma minoria de todos os morfemas levantados era reconhecida como um morfema, na época da qual já se dispõe de registros escritos. Tal proposição constitui uma das motivações para a delimitação do tema desta pesquisa. Os sufixos pré-desinenciais selecionados para esta pesquisa são aqueles elementos ainda reconhecidos como morfemas. Os demais apenas podem ser alcançados por um estudo etimológico.

1.3 RESUMO DA VISÃO GERAL E HISTÓRICO DO OBJETO

Os sufixos pré-desinenciais dos verbos latinos devem ser compreendidos como a continuidade de uma série de formações, que remontam não apenas ao Latim Pré-histórico, mas também ao próprio Indoeuropeu. Há, contudo, uma redução na quantidade de slots na posição pré-desinencial, o que se insere na visão de diversos estudiosos do Latim de que o sistema verbal indoeuropeu teria sido tão complexo que todas as suas línguas descendentes se configuram como uma versão simplificada desse sistema.

(38)

CAPÍTULO 2 – SUFIXOS PRÉ-DESINENCIAIS NO LATIM

Uma vez traçado um histórico dos sufixos pré-desinenciais e também da própria posição pré-desinencial do verbo desde o Indoeuropeu até o Latim, chega o momento de aprofundar à descrição dos morfemas que compõem o objeto de pesquisa. Assim, este capítulo apresenta uma descrição mais detalhada dos sufixos –ta, –sc, e –turi, juntamente com alguns exemplos de uso, retirados do corpus deste trabalho.

2.1 SUFIXO FREQUENTATIVO -TA

O sufixo –ta tem origem relativamente recente, fazendo parte apenas das línguas itálicas10, sem correspondente em outro grupo de línguas indoeuropeias. O morfema aparece em formas verbais da língua umbra, como etaians (eles vão) correspondente ao latim itant, mantendo o sentido de designar uma ação feita com frequência ou insistência (BUCK, 1904: 161, 191; UNTERMANN, 2000: 214-2). Há, contudo, um possível contraexemplo no verbo c(h)ostōn, do Antigo Alto Alemão, que seria análogo ao verbo latino gusto (provar), também de origem frequentativa (STEINBAUER 1989: 147). Este exemplo, no entanto, isolado, está longe de ser suficiente para que se postule o sufixo –ta como morfema de origem indoeuropeia.

2.1.1 Etimologia

O termo “frequentatiuus” é derivado do verbo latino frequento, -are. Este, por sua vez é derivado do adjetivo “frequens”, termo próprio da agricultura, para designar algo abundante, copioso, sinônimo de “densus”. O adjetivo derivado com a terminação em –iuus é próprio da linguagem gramatical (ERNOUT &MEILLET, 1951; 450).

Quanto à formação do sufixo, sua origem está na composição de outros dois morfemas. O primeiro deles é um –t, sufixo formador de particípios passados, que, nesse uso, aparece tematizado, isto é, acrescido de uma vogal temática, produzindo o sufixo –to, que origina os paradigmas de primeira e segunda declinação de sua flexão. O segundo é um sufixo derivacional –ā, que serve para formar verbos a partir de radicais

10

As línguas itálicas constituem um ramo do Indoeuropeu que se estabeleceu na Península Itálica. Ao lado do Latim, suas principais representantes são o Osco e o Umbro, ambas extintas e atestadas epigraficamente.

(39)

nominais, sendo, portanto, denominativo. O sufixo denominativo –ā, por sua vez, tem uma origem indoeuropeia em uma forma –eh2–, que preenche a segunda posição

pré-desinencial dos temas verbais indoeuropeus, e também pode ser recuperado etimologicamente como formador de diversos verbos latinos de primeira conjugação (com vogal temática ā). Como nouo, -are (renovar), iudico, -are (julgar).

Assim, verbos frequentativos são, em sua origem, verbos denominativos construídos a partir de particípios passados. A junção dos dois morfemas produz o sufixo frequentativo –ta. Em alguns casos, contudo, quando o radical verbal termina por uma consoante oclusiva dental, a união de duas dentais produz uma consoante s epentética11 entre as duas, que acaba por assimilá-las por completo, gerando uma terminação do particípio em –so e, consequentemente, verbos frequentativos em –sa (WEISS, 2009: 437). Deste modo, é possível estabelecer o cline exposto no quadro a seguir, na qual se observam alguns exemplos de criação de verbos frequentativos a partir de formas de particípio passado de outros verbos:

Verbo Primitivo → Particípio Passado → Verbo Frequentativo cano, -ere dico, -ere cieo, -ere habeo, -ere uerto, -ere cantus dictus citus habitus uersus canto, -are dicto, -are cito, -are habito, -are uerso, -are Quadro 2.1 formação de verbos frequentativos a partir de particípios passados

Todavia, a partir da formação de frequentativos com base em particípios, o sufixo –ta começa a servir a formações de verbos frequentativos sem relação com seus particípios, tais como agito, -are (agitar) construído a partir de ago, -are (agir), cujo particípio passado é actus. Boa parte da motivação para essa formação posterior é atribuída à constituição de um alomorfe em –itare, por analogia ao grande número de verbos em que essa vogal ĭ aparece na forma de particípio passado, como ocorre em habito, -are (< habitus < habeo). Em alguns casos, o verbo primitivo origina tanto um

11 “Chama-se epêntese o fenômeno que consiste em intercalar numa palavra ou grupo de palavras um fonema não-etimológico por motivos de eufonia, de comodidade articulatória, por analogia etc.” (DOUBOIS ET ALII,2006:220). No Latim, o grupo consonantal formado por duas oclusivas dentais (t, d) passava pela epêntese de um s entre as duas oclusivas e, posteriormente pela assimilação total delas pelo s. -tt- (ou -dt-) > *-tst- > -ss- (NIEDERMANN,1991:148;FARIA,1957:258)

Referências

Documentos relacionados

Acede ao ecrã personalizar para ajustar as definições dentro do jogo e online, ver o teu perfil, editar equipas e jogadores, pesquisar a Loja FIFA 14, espreitar o Cinema de

É a ligação através de um dos condutores do sistema neutro, ou seja o aterramento de um ponto destinado a outros fins que não proteção contra choques elétricos. Em particular,

 Promoção de eficácia nos processos de transferência de tecnologia nos parceiros da Rede MDevNet para a adequada valorização dos dispositivos médicos de base

A implementação de um SGQ de acordo com a norma ISO/IEC 17025 para atividades de prestação de serviços de ensaio, em laboratórios universitários, bem como o reconhecimento

A inscrição será realizada entre os dias 01/04/2021 a 30/04/2021 somente pelo endereço eletrônico https://sigaa.ufpa.br/sigaa/public/home.jsf (acessar os menus

Para o teste de existência de retornos anormais no preço do contrato de café, no período da janela Q2b, indicado na Figura 7, a um nível de significância de 10% e

[r]

Nosso amortecedor de óleo pressurizado fornece não somente o amortecimento necessário para superar a velocidade crítica, mas também reduz a rigidez do rolamento, de modo que a