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CAPÍTULO 2 SUFIXOS PRÉ-DESINENCIAIS NO LATIM

2.1 SUFIXO FREQUENTATIVO –TA

O sufixo –ta tem origem relativamente recente, fazendo parte apenas das línguas itálicas10, sem correspondente em outro grupo de línguas indoeuropeias. O morfema aparece em formas verbais da língua umbra, como etaians (eles vão) correspondente ao latim itant, mantendo o sentido de designar uma ação feita com frequência ou insistência (BUCK, 1904: 161, 191; UNTERMANN, 2000: 214-2). Há, contudo, um possível contraexemplo no verbo c(h)ostōn, do Antigo Alto Alemão, que seria análogo ao verbo latino gusto (provar), também de origem frequentativa (STEINBAUER 1989: 147). Este exemplo, no entanto, isolado, está longe de ser suficiente para que se postule o sufixo –ta como morfema de origem indoeuropeia.

2.1.1 Etimologia

O termo “frequentatiuus” é derivado do verbo latino frequento, -are. Este, por sua vez é derivado do adjetivo “frequens”, termo próprio da agricultura, para designar algo abundante, copioso, sinônimo de “densus”. O adjetivo derivado com a terminação em –iuus é próprio da linguagem gramatical (ERNOUT &MEILLET, 1951; 450).

Quanto à formação do sufixo, sua origem está na composição de outros dois morfemas. O primeiro deles é um –t, sufixo formador de particípios passados, que, nesse uso, aparece tematizado, isto é, acrescido de uma vogal temática, produzindo o sufixo –to, que origina os paradigmas de primeira e segunda declinação de sua flexão. O segundo é um sufixo derivacional –ā, que serve para formar verbos a partir de radicais

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As línguas itálicas constituem um ramo do Indoeuropeu que se estabeleceu na Península Itálica. Ao lado do Latim, suas principais representantes são o Osco e o Umbro, ambas extintas e atestadas epigraficamente.

nominais, sendo, portanto, denominativo. O sufixo denominativo –ā, por sua vez, tem uma origem indoeuropeia em uma forma –eh2–, que preenche a segunda posição pré-

desinencial dos temas verbais indoeuropeus, e também pode ser recuperado etimologicamente como formador de diversos verbos latinos de primeira conjugação (com vogal temática ā). Como nouo, -are (renovar), iudico, -are (julgar).

Assim, verbos frequentativos são, em sua origem, verbos denominativos construídos a partir de particípios passados. A junção dos dois morfemas produz o sufixo frequentativo –ta. Em alguns casos, contudo, quando o radical verbal termina por uma consoante oclusiva dental, a união de duas dentais produz uma consoante s epentética11 entre as duas, que acaba por assimilá-las por completo, gerando uma terminação do particípio em –so e, consequentemente, verbos frequentativos em –sa (WEISS, 2009: 437). Deste modo, é possível estabelecer o cline exposto no quadro a seguir, na qual se observam alguns exemplos de criação de verbos frequentativos a partir de formas de particípio passado de outros verbos:

Verbo Primitivo → Particípio Passado → Verbo Frequentativo cano, -ere dico, -ere cieo, -ere habeo, -ere uerto, -ere cantus dictus citus habitus uersus canto, -are dicto, -are cito, -are habito, -are uerso, -are Quadro 2.1 formação de verbos frequentativos a partir de particípios passados

Todavia, a partir da formação de frequentativos com base em particípios, o sufixo –ta começa a servir a formações de verbos frequentativos sem relação com seus particípios, tais como agito, -are (agitar) construído a partir de ago, -are (agir), cujo particípio passado é actus. Boa parte da motivação para essa formação posterior é atribuída à constituição de um alomorfe em –itare, por analogia ao grande número de verbos em que essa vogal ĭ aparece na forma de particípio passado, como ocorre em habito, -are (< habitus < habeo). Em alguns casos, o verbo primitivo origina tanto um

11 “Chama-se epêntese o fenômeno que consiste em intercalar numa palavra ou grupo de palavras um fonema não-etimológico por motivos de eufonia, de comodidade articulatória, por analogia etc.” (DOUBOIS ET ALII,2006:220). No Latim, o grupo consonantal formado por duas oclusivas dentais (t, d) passava pela epêntese de um s entre as duas oclusivas e, posteriormente pela assimilação total delas pelo s. -tt- (ou -dt-) > *-tst- > -ss- (NIEDERMANN,1991:148;FARIA,1957:258)

verbo derivado a partir do seu particípio, quanto um verbo derivado a partir de sua raiz, como nos exemplos a seguir, por meio da derivação com o alomorfe –itare:

Verbo Primitivo Particípio Passado Verbos Frequentativos cano, -ere dico, -ere ago cantus dictus actus canto, -are cantito, -are dicto, -are dictito, -are agito, -are actito, -are Quadro 2.2 formação de verbos frequentativos a partir das raízes e dos particípios

Mais tarde, criam-se verbos frequentativos sem um verbo primitivo, como bubulcitor, -ari (trabalhar na lavoura, derivado de bubulcus, aquele que conduz o arado), cuja base de formação é nominal.

2.1.2 Sentidos e usos

Verbos formados pelo sufixo –ta apresentam sentidos que transitam entre noções de frequentatividade, insistência, repetição, habitualidade e iteratividade. Esta última acepção faz com que sejam chamados também de iterativos (SJOESTEDT, 1925: 113; DUBOIS ET AL,2006:355).

Tradicionalmente, seu uso é atribuído a registros da língua com menor prestígio; situações informais; linguagem oral. “É uma formação claramente popular, por causa de seu caráter expressivo12” (MEILLET, 1949; 288). Como fato linguístico próprio de uma linguagem menos formal, o uso de verbos fequentativos se estende aos demais registros do Latim, desde a época dos primeiros textos literários. Assim, há exemplos como o derivado frequentativo opto, -are (pensar, decidir), que suplanta completamente seu presumido verbo primitivo *opio, -ere. Esse registro, dito popular, pode ser encontrado nos textos de comédia arcaica (séculos III e II a.C.), nos quais não apenas servem como

um dos fatores de comicidade, mas também reproduzem uma linguagem mais próxima de seu público-alvo, afastando-se de outros gêneros literários de caráter solene e heroico. Deste modo, podem-se encontrar nas comédias arcaicas exemplos como:

(2.1)

hercle quidquid est, mussitabo potius quam inteream male; non ego possum quae ipsa sese uenditat tutarier.

(Plauto, Miles Gloriosus, vv. 311-2, século III a.C.) Por Hércules! O que quer que seja, vou ficar sussurrando, antes que entre numa fria;

Eu não posso protegê-la, se ela vende repetidamente a si própria.

O exemplo acima mostra dois verbos frequentativos sendo usados com o fim de produzir uma expressividade cômica na peça: mussito, -are (derivado de musso, -are – resmungar, falar entre os dentes) e uendito, -are (derivado de uendo, -ere – vender). Além disso, é possível observar aliterações do fonema [t] em ambos os verbos, o que constituía outro fator de comicidade explorado com frequência pela comédia arcaica (MEILLET, 1977; 180-4).

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