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CAPÍTULO 3 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA: ESTUDOS ANTIGOS E

4.1 TRAJETÓRIA E DEFINIÇÕES CONCEITUAIS

Esta seção volta-se para a origem dos conceitos de aspecto e Aktionsart, levantando as primeiras definições e primeiros usos desses dois conceitos. Conclui-se estabelecendo as definições usadas nesta pesquisa e os procedimentos de observação dos dados de uso para tais conceitos.

4.1.1- Trajetória de pesquisa

A trajetória de investigação de morfemas pré-desinenciais dos verbos latinos começa com a dissertação de mestrado de Barbosa (2016). Na ocasião, o objeto se restringia ao sufixo de estado –ē, que aparece em verbos como caleo, -ere (estar quente) ou gaudeo, -ere (estar alegre) e não faz parte da categoria “forma do verbo”.

Como uma das etapas de análise, com o propósito de identificar e descrever o papel desse sufixo na frase latina, os dados de pesquisa, levantados do corpus composto por textos da Comédia Arcaica (séculos III e II a.C.), foram submetidos aos parâmetros

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Telicidade é uma propriedade semântica que indica se uma ação ou evento tem um ponto de conclusão. Uma ação concluída é chamada de télica. (cf. WAGNER, 2006: 52)

de transitividade oracional de Hopper & Thompson (1980), a saber: 1- Participantes; 2- Cinese; 3- Aspecto; 4- Pontualidade; 5- Intencionalidade; 6- Afirmação; 7- Modo; 8- Agentividade; 9- Afetamento do objeto; 10- Individuação do objeto. Na ocasião, observou-se que o referido sufixo estava diretamente ligado ao quarto desses parâmetros, concorrendo para a ausência de pontualidade na frase. Esse critério diz da ação que ocorre de forma abrupta ou se estende no tempo, de modo que, quanto mais abrupta se dá a ação verbal, mais transitiva é a oração, o que é o oposto do que pode ser observado em relação aos verbos estativos.

Uma das principais contribuições com essa etapa pregressa é a pesquisa de Laroca (2014). Trata-se de um estudo psicolinguístico de cada um dos parâmetros de Hopper & Thompson (1980), por meio de testes off-line22. Assim, acerca da pontualidade do processo verbal, Laroca associa esse parâmetro à categoria da aktionsart, ou modo de ser da ação verbal. Assim, o sufixo de estado –ē concorre para um modo de ser estativo.

A partir desse estudo, com a ampliação do objeto de pesquisa para os verbos formados pelos sufixos de “forma do verbo” (DOSITHEUS, 1913: 57), -ta frequentativo, - sc incoativo e -turi medidativo, despontam dois caminhos importantes para a presente tese. O primeiro deles é a necessidade de se estabelecer uma definição de aktionsart que sirva às análises dos morfemas pré-desinenciais. O segundo é o inevitável contraste entre esse conceito e o conceito de aspecto verbal, que frequentemente se confundem, para que seja possível concluir se os morfemas ora estudados estão ligados a uma noção de aktionsart ou a uma noção de aspecto verbal.

4.1.2 Em busca de uma definição de aktionsart

Definir o conceito de aktionsart (termo alemão que designa “modo de ser da ação”) tem sido uma tarefa difícil para boa parte dos linguistas que se debruçam sobre o tema, e não são poucos. O principal ponto de dificuldade em sua definição se dá pelo fato de tal conceito se confundir com a definição de aspecto verbal, em boa parte dos estudos.

A aktionsart tem sido uma categoria presente em muitos estudos de línguas eslavas, de modo que sua cunhagem se dá a partir de um diálogo entre gramáticos

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eslavistas e germanistas. Aparece pela primeira vez em Karl Brugmann (1904: 492-3), que a define como “o modo e o caminho como a ação do verbo progride”23

. O autor baseia sua formulação em uma tradição de gramáticas eslavas, que utiliza o termo vid para designar distinções não-temporais, diferenciando-o do tempo verbal, a partir de Nikolaj Greč (1830), em sua gramática de língua russa (cf. MŁYNARCZYK, 2004: 49). Assim, descreve o autor russo:

Os tempos são limitados em natureza de três: presente, passado e futuro, mas nos tempos gramaticais, isto é, nas formas da língua pelas quais os tempos são expressos, pode haver circunstâncias acessórias expressas pelas quais são mais estritamente definidas a significação e a extensão da ação... As formas que servem para expressar essas circunstâncias são chamadas “aspectos” (apud BINNICK, 1991: 140)24

Assim, Brugmann (1904: 493-4) ainda distingue cinco tipos de aktionsart: a) Pontual (momentânea, perfectiva, aorística); b) Cursiva (durativa, imperfectiva); c) Ação perfeita; d) Ação iterativa; e) Ação terminativa (durativa-perfectiva). Como se pode notar, suas especificações não fazem distinção entre a aktionsart e o aspecto.

O primeiro a fazer essa distinção é Sigurd Agrell (1908), para quem o aspecto se volta apenas às classificações de perfectivo ou imperfectivo, enquanto a aktionsart reúne as demais noções adicionais ao significado do verbo:

Por aktionsart eu não compreendo as duas principais categorias dos verbos eslavos, a forma de ação inacabada e a acabada (imperfectivo e perfectivo) – essas eu chamo aspecto. Com o termo aktionsart, até agora quase despercebido – muito menos classificado – denoto funções semânticas dos compostos verbais (assim como algumas formações simples e sufixadas) que expressam mais precisamente como a ação é executada, o modo e caminho como expressam essas ações, (AGRELL, 1908 apud MŁYNARCZYK, 2004: 36)25

23 die Art und Weise, wie die Handlung- des Verbums vor sich geht. 24

the times are limited in nature to three: the present, past, and future, but in grammatical tenses, that

is in the forms of language by which times are expressed, there can be expressed accessory circumstances by which are more closely defined the signification and the extent of the action… The forms serving to express these circumstances of the action are called "aspects."

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Unter Aktionsart verstehe… ich nicht die beiden Hauptkategorien des slavischen Zeitwortes, die

unvollendete und die vollendete Handlungsform (das Imperfektivum und das Perfektivum) — diese nenne ich Aspekte. Mit dem Ausdruck Aktionsart bezeichne ich bisher fast gar nicht beachtete — geschweige denn klassifizierte — Bedeutungsfunktionen der Verbalkomposita (sowie einiger Simplicia und Suffixbildungen), die genauer ausdrücken wie die Handlung vollbracht wird, die Art und Weise ihrer Ausführung markieren.

Sua definição, ao mesmo tempo em que estabelece uma fronteira entre o aspecto e a aktionsart, permite a esta a possiblidade de estender-se a diversas noções que poderiam ser vinculadas ao verbo, para além de sua telicidade (perfectivo/ imperfectivo). A partir daí, muitos outros autores buscam definições de aktionsart e distinções entre ela e o aspecto verbal.

Há autores que, como faz Brugmann, dividem a aktionsart em diversos subtipos, como relata Ataliba de Castilho (1968: 41), para quem esse conceito representa “uma compreensão lato sensu das noções aspectuais, englobando e ultrapassando a bipolaridade que caracteriza o aspecto”. A definição de Castilho concorda com a de Agrell, no sentido de que se trata de uma categoria que abrange significados diversos dos aspectos acabado ou inacabado, incluindo noções como medida, fase, grau de intensidade, distributividade, entre outras (NADALIN, 2005: 55). Do mesmo modo, de acordo com Corôa (2005: 65-6):

... o aspecto se limita com o modo de ser da ação: podemos caracterizar o aspecto como categoria gramatical e o modo de ser da

ação como categoria léxico-semântica, embora os limites entre estas

duas categorias não possam ser rigidamente fixados na prática – como os limites entre aspecto e tempo e entre tempo e modo também não podem –, uma interpretação teórica permite que os separemos.

Enfim, apesar das dificuldades em se definir a aktionsart, parece haver algumas confluências ao longo dos autores que a abordam. Muitas dessas definições apontam para a expressão de noções aspectuais por meios lexicais, distinguindo-se ela do aspecto por este ser a expressão de noções aspectuais por meios gramaticais. Outra recorrência nas definições é a de que, enquanto o aspecto expressa apenas a telicidade da ação verbal, isto é, sua conclusão ou não-conclusão, a aktionsart expressa as demais noções aspectuais.

De modo geral, os autores diferenciam as duas categorias como sendo meios de expressão distintos de um mesmo conceito. Bernard Comrie (1976: 7), em seu estudo sobre o aspecto, estabelece-o “como a gramaticalização de distinções semânticas relevantes, enquanto aktionsart representa a lexicalização das distinções, independentemente de como essas distinções são lexicalizadas26. O fato de serem manifestações distintas de um mesmo conceito leva Comrie e outros autores (cf

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aspect as grammaticalisation of the relevant semantic distinctions, while aktionsart represents lexical is at ion of the distinctions, irrespective of how these distinctions are lexicalised

TRAVAGLIA, 2016: 41;CORÔA, 2005: 64) a optarem por descartar a diferenciação entre as duas categorias. Assim também, Harm Pinkster, em seu estudo sobre a gramática do Latim (1990: 214), opta por não abordar essa distinção.

4.1.3- Em busca de uma definição de aspecto

O cenário para a investigação de definições de aspecto verbal não traz as mesmas dificuldades que aquele para a definição de aktionsart. Desde a Antiguidade Clássica, os gramáticos já conheciam as distinções aspectuais de suas línguas.

Já os estóicos, ao analisarem os tempos, davam-lhes denominações que sublinhavam certos valores não temporais por eles encerrados: agremiando os tempos em dois grandes grupos, o dos determinados,

horisménoi, e o dos indeterminados ou aóristoi (aoristo e futuro),

subdividiam os do primeiro grupo em duas classes distintas: a) o presente, ho enestôs paratatikós e o imperfeito, ho paracheménos

paratatikós. Paratatikós vem de parateino, "estender, desenvolver,

durar'; com as palavras enestôs e paracheménos "presente" e "passado", queria-se situar a duração em diferentes perspectivas temporais; b) o perfeito, ho enestôs syntelikós vem de synteléo, "acabar, cumprir". (CASTILHO, 1968: 20)

Na Roma Antiga, o gramático Marco Terêncio Varrão, em seu De Lingua Latina (Livro X, 48), já fala de tempora infecta (tempos imperfeitos) e tempora perfecta (tempos perfeitos). Sua descrição enquadra o sistema verbal latino, no qual o aspecto é a categoria flexional mais importante, manifestando-se morfologicamente no radical do verbo, de modo que os verbos latinos têm um radical para os tempos perfeitos (perfecum) e um radical para os tempos imperfeitos (infectum). Essa taxionomia gramatical é a origem da classificação de aspectos perfectivos e imperfectivos. Quanto à sua etimologia, os termos usados por Varrão são ambos construídos com o particípio passado do verbo facio, -ere (fazer), que é factum. O prefixo in- adiciona ao verbo a ideia de negação, denotando-o como ação que não foi concluída; já o prefixo per- adiciona ao verbo a ideia de completude de um percurso, denotando-o como ação que foi feita até o final.

Modernamente, um marco importante para os estudos de aspecto verbal é o gramático Georg Curtius, que, com base nos radicais verbais indoeuropeus, no século XIX, cunhou o termo Zeitart (modo de ser do tempo), que mais tarde é substituído pelo

aspecto (CASTILHO, 1968: 21). O aspecto verbal, ainda que mantenha algum vínculo com a categoria tempo, é distinto. Enquanto o tempo é uma categoria dêitica, isto é, faz referência a um momento externo, o aspecto não o é, voltando-se ao conteúdo do verbo em si (DUBOIS ET AL., 2006: 73; TRASK, 2006: 40).

Entre as definições de aspecto, há, de modo geral, uma concordância na maioria dos pesquisadores em torno da temporalidade interna ao verbo, não-referencial. Assim, a definição assumida neste trabalho é a mesma utilizada por Comrie (1976: 3): “aspecto são as diferentes maneiras de se enxergar a constituição temporal interna da situação27”, uma vez que congrega diversas definições de estudos anteriores e define com maior precisão o conceito, especialmente quando aplicado aos sufixos pré-desinenciais. Essa definição é seguida por trabalhos importantes, como Bybee (1985); Dahl (1985).

4.2 ASPECTO E AKTIONSART NOS SUFIXOS PRÉ-DESINENCIAIS DOS

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