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3 METODOLOGIA – HISTÓRIAS DE VIDA NA PERSPECTIVA NARRATIVA

3.5 NOSSAS COLABORADORAS – ESTUDANTES NORMALISTAS

3.5.3 Professora Castanheira

Castanheira, terceira entrevistada, 46 anos, Pedagoga, concluiu o Curso Normal no 2º Semestre de 2017. Recebeu o convite oficial para participar da

pesquisa no dia 03 do mês de fevereiro de 2018 e foi entrevistada no dia 08 de março, em uma sala de aula no IEEOB. Ela estava muito agitada e gesticulava muito. Conversamos um pouco sobre os planos para o futuro e demos início à entrevista: Por que tu escolheste ser professora? Castanheira se emociona muito ao falar da profissão e da família.10

3.5.3.1 Relato de Vida - Professora Castanheira

Castanheira nasceu em 1972, na cidade de São Gabriel (RS), é casada e mãe de um menino de 13 anos. Sua mãe estudou até a 3ª série e o pai era analfabeto, ambos trabalhadores rurais na pequena propriedade da família, no Distrito de Cerrito Catuçaba, pertencente ao Município de São Gabriel (RS). Viveu no meio rural 26 anos.

É a quarta de oito irmãos. Iniciou sua jornada educativa em 1980. Foi matriculada na escola, pela mãe, somente aos 8 anos de idade, porque os 4km de percurso até a escola seriam muito árduos para uma criança muito pequena. Nessa época, a escola se mudou para mais perto de sua residência. Aprendeu a ler e escrever com suas irmãs, já alfabetizadas. O fato de já ser alfabetizada, fez com que Castanheira achasse as aulas desinteressantes, pois era muito mais divertido estudar em uma grande mesa na sala de sua casa com as irmãs.

Embora analfabeto, seu pai foi o maior incentivador: “Meu pai foi sempre uma pessoa muito carinhosa, mas dizia o seguinte: ‘– Caso reprove algum ano, vou dar uma surra e tirar da escola’. Ele nunca nos deu um tapa na vida.” (CASTANHEIRA, 2018). Ele acompanhava a aprendizagem de todos os filhos:

‘– Senta aí agora, vou te tomar a lição’. A gente achava aquilo cômico porque ele não sabe ler. Mas nós líamos o que tínhamos estudado na aula no dia. Ele ficava sabendo tudo o que estudávamos no mesmo dia. Ele só não costumava fazer isso se estivesse muito cansado. Nesses casos, ele não sentava pra tomar a lição. Caso contrário, ele pegava o chimarrão, colocava a cadeirinha dele numa sombra e dizia: ‘– Pode começar a passar a lição!’. (CASTANHEIRA, 2018)

Estudou numa escola rural multisseriada até o 5ª ano. E interrompeu sua trajetória por 10 anos. Com 22 anos, no governo de Alceu Collares, foram criadas as _______________

10A transcrição da entrevista foi enviada no dia 09 de março de 2018. Nosso segundo encontro

Escolas Polo, que possibilitaram o seu retorno. Era a reunião várias escolas pequenas do interior em uma só escola e acrescentavam os três últimos anos do Ensino Fundamental11.

Ao mencionar a conclusão do oitavo ano, ela se recorda de ter professores que eram grandes incentivadores/motivadores. Castanheira era uma aluna exemplar e muito participativa. Seu gosto pelos eventos escolares e atividades extracurriculares se mostrava nas participações nas feiras de ciência, jogos, grupos de dança e, até mesmo, de um CTG.

Já residindo em São Gabriel (RS), Castanheira concluiu o ensino médio através de um curso supletivo. Nessa época, já trabalhava em um escritório de advocacia, juntamente com seu primo. Ela relata que: “O segundo grau foi bem decepcionante, a não ser por alguns professores que se destacaram, como incentivadores!” (CASTANHEIRA, 2018). A entrevistada enfatiza a carência de aprendizado no Ensino Médio, conhecido como segundo grau à época. Relembra os excelentes professores do Ensino Fundamental, mas se lamenta ao mencionar o Ensino Médio deficiente. Mas não havia muitas alternativas, era preciso seguir em frente:

O que a gente ia fazer da vida? Precisamos evoluir. A gente faz planos, nem sempre dão certo. Depois de terminar o 2º grau, eu pensava em fazer faculdade e lá não tinha nenhuma universidade pública, que era onde eu gostaria de estudar. Então, fui trabalhar numa lojinha, mas não deu certo também, em seguida ela fechou. (CASTANHEIRA, 2018)

A sede de conhecimento da protagonista fica evidenciada, quando aos 29 anos, trabalhando em uma vidraçaria, no setor administrativo, ela aprendeu a cortar vidros apenas para engrandecer seus conhecimentos:

Eu já estava com 28/29 anos e trabalhava numa vidraçaria há dois anos. E já havia aprendido o serviço administrativo e também o de cortar vidros. Eu dominei todo o serviço que nem era pra eu fazer. Mas eu sou muito inquieta não consigo ficar parada. (CASTANHEIRA, 2018)

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11 Escolas multisseriadas são aquelas em que, em uma mesma sala de aula, são colocados alunos

de diferentes idades e níveis de aprendizado, e há apenas um(a) professor(a) para atender todos os alunos. Na década de 1970, já surge um projeto de nucleação em nível nacional. A ideia, importada dos Estados Unidos, tinha como princípio extinguir escolas rurais com condições precárias, poucos professores e bibliotecas quase inexistentes e criar uma única escola, reunindo todos esses recursos. No governo de Alceu Collares (1991-1994), assim como no país inteiro, esse processo se intensifica e passam a serem criadas as Escolas Polo, como foram chamadas.

A inquietude fez com que ela desejasse retornar aos estudos. Depois de 9 anos de trabalho na vidraçaria: “Eu estava ansiosa, então comecei a querer retomar os estudos, porque eu não tinha mais tempo de ler nessa época. Eu não tinha mais tempo para nada. E eu já tinha ficado 9 anos na vidraçaria” (CASTANHEIRA, 2018). Então, no ano de 2012, decidiu que iria parar de trabalhar e voltar aos estudos. Com incentivo do marido, ela inscreve-se no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), seu objetivo era ingressar em uma faculdade de ensino à distância. Castanheira desejava cursar Português, mas sua pontuação só a habilitou para Pedagogia na faculdade que escolheu.

Ele fez eu me inscrever no ENEM, isso em 2012. Fiz as provas e tive uma pontuação entre 590 e 600. Em 2013, eu pude realizar a matrícula no ensino superior. A minha vontade era cursar Português. Era Português que eu queria fazer, não era Pedagogia. Mas foi o que a minha pontuação me possibilitou dentro das instituições que tem ensino EAD. (CASTANHEIRA, 2018)

Castanheira concluiu o Curso Normal no final do ano letivo de 2017. “Vim cursar o Normal, pois eu considerava o estágio proporcionado pela faculdade EAD um horror. Posso dizer que não tivemos prática de aula.” (CASTANHEIRA, 2018). Segundo ela, existia no curso de Pedagogia uma professora que encorajava as alunas a terminarem a faculdade e depois ingressar no Curso Normal. Quando iniciou o Normal, descobriu que um dos docentes do IEEOB era, justamente, a sua mestra incentivadora. Atualmente, Castanheira estuda para prestar concursos públicos e ao mesmo tempo, procura uma posição no mercado de trabalho.