• Nenhum resultado encontrado

Prospecção: como se veem no futuro

5 HISTÓRIAS DE VIDA

5.2 FORMAÇÃO DE PROFESSORES

5.2.8 Prospecção: como se veem no futuro

Pedimos que nossas colaboradoras fizessem um exercício de imaginação e se projetassem no futuro. Solicitamos que se imaginassem pessoal e profissionalmente daqui a 10 anos. É um exercício que requer um entendimento do si hoje e do si no futuro. Uma compreensão da passagem do tempo e de sua própria identidade através dele. Esse exercício remonta ao que propõe Ricoeur (1991), quando fala na identidade narrativa.

A identidade no sentido do idem emprega, ela própria, uma hierarquia de significações [...] do qual a permanência no tempo constitui o grau mais elevado, ao que se opõe o diferente no sentido de mutável, variável. Nossa tese constante será que a identidade no sentido ipse não implica nenhuma asserção concernente a um pretenso núcleo não-mutante da personalidade. (RICOEUR, 1991, p. 12 e 13)

Para o autor, uma identidade deve ser pensada através do tempo. A dimensão temporal, em conjunto com a teoria da narrativa de Ricoeur (1991), permite compreender a dialética da mesmidade e da ipseidade. Evocando os termos, o autor diz que uma não pode ser assumida sem a outra.

À primeira vista, segundo o autor, a dimensão temporal parece apenas ser aplicada a identidade-idem. O quedar-se no tempo impõe uma série de pequenas modificações, que podem ameaçar o que se vê aqui como semelhança, mas não a destrói. É através disso que, ao longo do tempo, torna-se possível reconhecer alguém. Da mesma forma que o tempo também é o senhor do afastamento e constrói a dessemelhança. Para Ricoeur (1991), a questão de caráter está,

intimamente, ligada à identidade narrativa, e esta última interfere na construção da identidade pessoal: “à moda de uma mediação específica entre o pólo do caráter, em que idem e ipse tendem a coincidir, e o pólo da manutenção de si, em que a ipseidade liberta-se da mesmidade” (RICOEUR, 1991, p. 143).

De acordo com o autor, o caráter é compreendido como um conjunto de marcas distintas, as quais tornam possível identificar alguém como sendo ele próprio. Todos os traços, percepções e as qualidades acumuladas se tornam um conjunto que permanece no tempo, assim formando o caráter, o qual designa a mesmidade da pessoa. Para Ricoeur (1991), trata-se de um “conjunto de disposições duráveis com que reconhecemos uma pessoa. É por essa razão que o caráter pode constituir o ponto limite em que a problemática do ipse torna-se indiscernível da do idem e leva ao distinguir entre uma e outra” (RICOEUR, 1991, p. 146). Dessa forma, pode-se afirmar que: “O caráter é verdadeiramente ‘o quê?’ do ‘quem?’” (RICOEUR, 1991, p. 147, grifos do autor).

Ou seja, para Ricoeur (1991), a identidade-idem é aquela formada de traços carregados desde a infância, o que possibilita nosso reconhecimento ao longo do tempo. E o próprio tempo encarrega-se de trazer a identidade-ipse, acrescendo mudanças ao caráter já formado, mas mesmo assim não ameaçando a identidade- idem. Os achados de Ricoeur (1991) ecoam no trabalho de Moita (2007), já citado, mas que cabe ser rememorado: “[...] só uma história de vida permite captar o modo como cada pessoa, permanecendo ela própria, se transforma.” (MOITA, 2007, p. 116).

É dessa forma, reconhecendo-se no tempo, que nossas colaboradoras se projetam para o futuro e imaginam como estarão.

Macieira relata que já tem feito essa reflexão:

Daqui a 10 anos? Pensei nisso ontem. Como que eu me imagino daqui a 10 anos? Eu pensei: eu vou estar com 71 anos. De repente eu não vou estar mais em sala de aula com crianças ou adolescentes. Mas não me vejo parada, me vejo atuando na parte de gestão em uma escola, ou até na gestão de alguma empresa, mas atuando, trabalhando. (MACIEIRA, 2018)

Percebe-se, a partir da ênfase que Macieira coloca, que apesar de estar chegando mais perto dos anos que antecedem a aposentadoria, ela quer continuar trabalhando. Nossa protagonista deixa nas entrelinhas uma questão que está relacionada com o tempo e a idade, e por consequência a falta de energia para estar

na sala de aula. Por outro lado, deixa claro que ainda tem fôlego e continuará trabalhando. O tempo passado e o que resta ainda são senhores das decisões de Macieira. Sua característica batalhadora-destemida desde sempre continua a ecoar em sua imagem projetada.

Já Castanheira, imagina-se realizando um sonho que tem hoje, no decorrer dos 10 próximos anos:

Eu pretendo no futuro estar aprovada em um concurso, trabalhando com crianças. Quem sabe seja uma escola rural, como quando eu era criança? Talvez seja saudade de uma época ou tenha ver com a minha dificuldade de acesso à escola. (CASTANHEIRA, 2018)

Percebemos na fala de Castanheira, todos os apontamentos de Ricoeur (1991). Nossa colaboradora exprime um sonho, algo que deixou um traço em seu caráter, formando sua identidade pessoal. A vivência que teve na infância arraigou- se formando sua identidade-idem, e isso torna possível seu reconhecimento, tanto por si, quanto para outros no transcorrer do tempo. E nem mesmo o exercício de jogar-se para daqui a 10 anos a fez imaginar-se sem esse traço. Como Bergson (1999, p. 200) expõe: “[...] há sempre algumas lembranças dominantes, verdadeiros pontos brilhantes em torno dos quais os outros foram uma vaga nebulosidade. Esses pontos brilhantes multiplicam-se à medida que se dilata nossa memória.”

A visão de futuro de Castanheira é partilhada por Laranjeira:

Eu pretendo estar concursada. Lecionando pela prefeitura. Trabalhando e fazendo a diferença na vida das pessoas. Daqui a dez anos, eu me imagino usando tudo que eu estou aprendendo nessa escola. Me vejo colocando muitas dessas coisas em prática. (LARANJEIRA, 2018)

Nossa entrevistada projeta-se no futuro realizando o sonho iniciado ao lado da mãe. Demonstra também o instinto batalhador que herdou e sua sede de saber e repassar conhecimento.

Já Figueira, traz a cicatriz deixada pelas trajetórias de pai e avô militares. As “feridas de guerra” a tornaram mais forte e fizeram com que também escolhesse lutar nessa batalha.

No futuro penso na Carreira Militar. Penso em fazer outra faculdade.De repente, Pedagogia ou Fisioterapia. Pedagogia porque eu vou interligar com o curso normal e fisioterapia por que interliga com a Educação Física. Então, estou vendo qual das duas vai ter mais relevância. Isso tudo se eu

não passar na ESA, caso contrário meus planos já estão traçados. (FIGUEIRA, 2018)

Figueira pretende continuar trilhando o caminho através dos espinhos, para realizar o sonho e provar-se acima daqueles que a desprezaram quando criança.