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3 METODOLOGIA – HISTÓRIAS DE VIDA NA PERSPECTIVA NARRATIVA

3.5 NOSSAS COLABORADORAS – ESTUDANTES NORMALISTAS

3.5.2 Professora Laranjeira

Laranjeira, segunda entrevistada, 31 anos, formada em Pedagogia, havia concluído o Curso Normal durante primeiro semestre de 2017. Recebeu o convite

oficial para participar da pesquisa no inicio do mês de fevereiro de 2018 e foi entrevistada no dia seguinte, às 8h e 30 minutos, na Sala de Orientação de Estágio Profissional. Era um dia bastante quente. Nossa entrevista inicia com a pergunta: Por que tu escolheste ser professora? Laranjeira demora a começar a falar. Demonstra muita emoção durante toda a entrevista, com grandes pausas pela voz embargada.8

3.5.2.1 Relato de Vida - Professora Laranjeira

Professora Laranjeira nasceu em 1986, na cidade de Santa Maria, é casada e é mãe de uma menina de 12 anos. A mãe de Laranjeira era empregada doméstica e o pai é funcionário da Prefeitura Municipal de Santa Maria, lotado na Secretaria de Obras. E estudou somente até a 4ª série. A mãe concluiu o Ensino Fundamental junto com Laranjeira. Foram colegas e uma ajudou a outra durante o período.

A mãe desejava ser funcionária pública e, após ser aprovada em concurso público, trabalhou na função de serviços gerais na Prefeitura de Santa Maria, e, assim como o pai de Laranjeira, também estava lotada na Secretaria de Obras.

É a primeira de dois irmãos. Iniciou os estudos em 1991 e sempre estudou em instituições públicas. Estudou na Escola Municipal de Educação Infantil Rita de Cássia, depois na Escola Estadual Dr. Walter Jobim, até o ano de 1999, onde cursou o ensino fundamental. Laranjeira cursou o ensino médio em duas instituições diferentes: Escola Estadual de Educação Básica Manoel Ribas e Escola Dr. Walter Jobim. Ela desejava fazer o Curso Normal, porém por necessidades financeiras, precisava trabalhar durante o dia e estudar à noite, optou pelo Ensino Médio. Trabalhou, nesse período, em uma escola de Educação Infantil.

Laranjeira concluiu o curso superior em uma instituição privada. No primeiro ano de faculdade, dividia o valor da mensalidade com a mãe. No segundo ano, conseguiu filantropia. “Trabalhava na Rede Vivo para poder pagar a faculdade. Consegui filantropia e não paguei mais.” (LARANJEIRA, 2018).

A entrevistada foi incentivada pela mãe para se dedicar aos estudos. A mãe de Laranjeira trabalhava como doméstica. Ela relembra que sua mãe levava a filha dos patrões para a escola e aproveitava para ver e ficar alguns minutos com os _______________

8A transcrição da entrevista foi enviada no dia 23 de fevereiro de 2018. Nosso segundo encontro

filhos. Ela se emociona ao falar da mãe: “A minha mãe era empregada doméstica, mas era uma pessoa muito batalhadora. Ela sempre queria melhorar, estudar. Buscava sempre crescer, então eu me inspirei nela para sempre estar crescendo.” (LARANJEIRA, 2018).

A colaboradora rememora um momento dolorido de sua infância, pois seu pai e sua avó materna eram alcoólatras:

Sofri muito com a minha vó. Na realidade, nós todos sofremos: eu, meu irmão e os meus primos. Ela bebia muito e era ela que nos cuidava. Ela costumava ser má. Esquentava água quente no fogão e jogava na gente. Tínhamos que sair correndo. Então quando ela não estava bêbada para nós era uma felicidade. (LARANJEIRA, 2018)

Diante da situação insustentável, aos 10 anos de idade, pediu para que sua mãe a ensinasse as tarefas domésticas: “Me ajuda, me ensina. Quero ficar em casa e cuidar do maninho. Eu vou fazer comida.” (LARANJEIRA, 2018). A partir deste momento, passou a cuidar do irmão e de si. Era responsável por cozinhar e levá-lo para a escola.

Em 2004, prestou vestibular na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) para Pedagogia, porém ficou na suplência. Naquele mesmo ano, foi beneficiada com uma vaga no Pré-vestibular Alternativa9. Prestou, novamente, vestibular para Pedagogia em uma universidade privada presencial e foi aprovada. Concluindo o curso em 2007, aos 22 anos de idade. Quando estava no final do curso, sua mãe já estava bastante doente, vindo a falecer em seguida. Laranjeira relembra essa fase e o apoio da mãe para o estudo:

A minha mãe sempre me incentivou. Quando ela faleceu, eu estava terminando o TCC. Sempre lia para ela, mesmo que não entendesse. Sempre dizia: ‘– Está ótimo! Está ótimo!’ Sempre me incentivou, sempre me deu apoio. (LARANJEIRA, 2018)

Em sua narrativa, relembra muitos momentos de sua vida contextualizando o fato de ser afro-descendente, mulher e professora. “As pessoas dizem que não tem

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9 O Pré Vestibular Alternativa é um cursinho preparatório gratuito para pessoas, comprovadamente,

de baixa renda. Trata-se de um programa de extensão da UFSM que oferece, à população de Santa Maria e região, preparação para o acesso ao ensino superior, além de outros projetos. Anualmente, é feita uma seleção para o curso. No ano de 2018 foram mais de 150 pessoas beneficiadas. Os professores do cursinho são alunos e ex-alunos da própria UFSM.

preconceito, mas o preconceito é muito forte. [...] Na escola, isso me marcou mais.” (LARANJEIRA, 2018).

Ela conta um episódio ocorrido durante o percurso para a escola onde trabalhava. Isto ilustra muito bem o preconceito vivenciado pela colaboradora. Ao encontrar o pai de uma aluna sua, houve o seguinte diálogo:

‘– Tu trabalha na escolinha?’ E eu disse: ‘– Sim, eu trabalho.’ Aí ele disse: ‘– Ah! Tu és serviços Gerais lá.’ Eu disse: ‘– Não, eu sou a professora da tua filha.’ Parece que, para a maioria das pessoas, quem é negra só pode trabalhar com serviço gerais, ou qualquer coisa relacionado a isso, menos ser professora. (LARANJEIRA, 2018)

Laranjeira concluiu o Curso Normal no final do ano letivo de 2017. Os motivos que a levaram a ingressar no Normal foram preencher as lacunas deixadas durante seu estágio na universidade, principalmente, em relação ao planejamento:

Foi em função do planejamento. [...] O meu estágio na faculdade foi muito ruim. Foi em dupla, mas foram apenas duas semanas para cada uma, e eu fiz com a minha prima. Mas a minha prima já tinha feito o Curso Normal e então tinha o conhecimento de fazer os planos, eu não. (LARANJEIRA, 2018)

Hoje, trabalha em uma escola de Educação Infantil localizada no Bairro Camobi. Afirma que o fato de ter o Curso Normal influenciou em sua contratação:

A dona da escolinha também é normalista, então acho que, realmente, influenciou o fato de eu ter o curso normal. Somente eu e outra colega somos normalistas, os outros só têm o superior em Pedagogia e ainda tem estagiárias do curso superior. Lembro que a dona falou que sentia falta de pessoas com minha formação. (LARANJEIRA, 2018)

Laranjeira explica que a sua atual chefe, que também frequentou o Normal, sente falta da formação nos atuais profissionais. A entrevistada comenta que, nos dias de hoje, raros são os professores que têm o Curso Normal e que isso tem sido considerado um diferencial.