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A PROMOÇÃO DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO E A FORMAÇÃO DE MÉDICOS E CIRURGIÕES

2.1. ENTRE O VINTISMO E O SETEMBRISMO (1821-1836)

2.1.2 A PROMOÇÃO DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO E A FORMAÇÃO DE MÉDICOS E CIRURGIÕES

Neste período, o ensino da medicina também foi objeto de várias disposições, algumas de carácter avulso, tal como a que isentava os estudantes, da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, de frequentar as disciplinas do terceiro ano matemático278.

A formação e o controlo do exercício de médicos em funções públicas eram muito defici- entes, ao contrário da exigência que era feita para a magistratura. Para acabar com esta falta de rigor, determinou-se que nenhum bacharel em Medicina podia obter partido de Câmara, ser admi- tido nos hospitais civis ou militares, ou ocupar qualquer outro lugar público, sem apresentar uma certidão da Faculdade a indicar aprovação, “tanto em procedimento e costumes, como em mere- cimento litterario, e nas qualidades de prudência, probidade, e desinteresse”279.

Relativamente aos cirurgiões, enquanto não fosse estabelecido o Regulamento Geral da Saúde Pública, continuariam a ser examinados pelos delegados do cirurgião-mor, não lhes devendo ser exigidas quaisquer outras cartas senão as licenças que lhes tinham sido passadas280.

Os cirurgiões deviam adquirir uma formação sólida, para exercerem a profissão no exército, na marinha e em todos os lugares onde não houvesse médicos ou, havendo, fossem em número insuficiente. Assim, em 1825, a criação do curso de Cirurgia em escolas regulares, no Hospital Real de S. José e no Hospital da Misericórdia do Porto (Quadro 2), com disciplinas elementares e mestres idóneos na arte da cirurgia, foi a principal medida para o desenvolvimento dum ensino de qualidade e para se acabar com o problema de cirurgiões mal preparados e portadores de diplomas que não inspiravam, nem credibilidade, nem confiança281.

O curso passou a ter a duração de 5 anos e incluía Anatomia, Fisiologia, Matéria Médica, Farmácia, Higiene, Patologia externa, Terapêutica, Arte Obstétrica, Medicina Operatória, Clínica Ci- rúrgica, Patologia Interna e Clínica Médica.

O ano letivo tinha a duração de nove meses, sendo o mês de Julho para exames e, as férias, em Agosto e Setembro. Mais tarde, o calendário escolar viria a ser alterado: as aulas previstas para os meses de Novembro e Dezembro seriam dadas em Julho, ficando o mês de Agosto para exames e o de Setembro para férias.

278 - COLLECÇÃO de legislação das cortes de 1821 a 1823, p. 208 (Carta de Lei nº. 295, de 18 Março de 1823)

279 - COLLECÇÃO de todas as leis, alvarás, decretos etc impressos na regia officina tipografica (II semestre de 1823): Folheto, p.25 (Alvará nº. 26, de 21 de Agosto de 1823)

280 - Collecção de legislação das Cortes de 1821 a 1823, 1843, p.23 (Ordem nº. 59, de 26 de Abril de 1821)

281 - COLLECÇÃO de todas as leis, alvarás, decretos etc impressos na regia officina tipografica (I semestre de 1825): Folheto IV, p. 60-68 (Alvará nº. 124, de 25 Junho de 1825)

Quadro 2 - Plano de Estudos do curso de cirurgia criado em 1825

ANO CADEIRAS LENTE CONTEÚDOS E NOTAS

1º Ano

Anatomia

Lente de Anatomia

Osteologia Seca e Osteologia fresca Dissecações

Uso e exercício fisiológico dos aparelhos orgâ- nicos Fisiologia 2º Ano Repetição da Anatomia Matéria Médica Lente de matéria Mé- dica e de Farmácia

Produtos da natureza que constituem objeto da Terapêutica

As lições de Farmácia serão dadas na botica do Hospital

Farmácia

3º Ano

Higiene Lente de Higiene e

Patologia Externa Higiene Pública Cirurgia Forense Patologia Externa Clínica cirúrgica 4º Ano

Repetição da Clínica Ci- rúrgica

Arte da Obstetrícia Lente da Arte de Obs- tetrícia

Parte Forense da Obstetrícia

Tem a seu cargo uma enfermaria de mulheres grávidas para que os alunos adquiram os co- nhecimentos práticos deste ramo da Arte de curar

Medicina Operatória Lente de Medicina Operatória

Diferentes métodos de praticar as operações cirúrgicas

Descrição dos aparelhos que dizem respeito às operações,

Fratures e modo de as reduzir Deslocações

5º Ano

Patologia Interna

Lente de Patologia e Clínica Interna

Além da sua cadeira terá uma enfermaria com o número máximo de vinte doentes escolhidos por si

Clínica Médica

Fonte:COLLECÇÃO de todas as leis, alvarás, decretos etc impressos na regia officina tipografica (I semestre de 1825) - Folheto IV, 1845, p. 60-68

O “corpo catedrático” era presidido pelo Enfermeiro-mor do Hospital de S. José. Além das enfermarias, haveria uma botica e salas para o gabinete anatómico, para as aulas e uma livraria. O Cirurgião-mor do Reino, ou quem o substituísse, juntamente com o corpo catedrático, devia decidir sobre a natureza, metodologia e conteúdos curriculares. Os lentes deveriam compilar os respecti- vos compêndios, num prazo fixado e, não o cumprindo, perderiam o direito à propriedade dessa cadeira. Definia-se ainda o regime de matrícula e exames, a tabela de vencimentos dos empregados das escolas e os emolumentos a pagar pelos alunos.

Na Escola do Porto, cujas aulas deveriam começar em outubro ou, o mais tardar, em no- vembro, as funções do Enfermeiro-mor estavam acometidas ao Provedor da Santa Casa da Miseri- córdia282; para a sua manutenção, o erário Régio contribuía com dez contos de reis anuais, distribu-

ídos em quatro prestações283.

A presença de alunos na enfermaria de mulheres grávidas foi objeto de fortes resistências, que deram origem a uma chamada de atenção ao Enfermeiro-mor do Hospital de S. José, para que se entendesse com o diretor da Escola, de forma a resolver os inconvenientes que decorriam da não aplicação do Regulamento da Escola de Cirurgia, isto é, da necessidade dos alunos adquirirem conhecimentos práticos para dar apoio à maternidade e, assim, poder-se almejar o aumento da população284.

A vontade do difundir conhecimentos médicos e cirúrgicos, noutros setores da população menos eruditos, está ilustrada numa representação de António Joaquim de Figueiredo e Silva, dou- tor em Medicina pela Faculdade de Montpelier e bacharel em Filosofia pela Universidade de Coim- bra, para que se abrisse um curso público e gratuito de lições de Fisiologia. Tal pretensão foi aten- dida, sendo dadas instruções ao cirurgião-mor do Reino para que disponibilizasse uma das aulas mais espaçosas do Hospital de S. José285.

Face à evolução do conhecimento e aos progressos das ciências naturais, a Farmacopeia, que estava em vigor desde o Alvará de 7 de Janeiro de 1794, carecia de atualização. Foi nesse sen- tido que o Ministério do Reino adotou o “Tratado de Farmaconomia”, ou o Código Farmacêutico Lusitano, do Doutor Agostinho Albano da Silveira Pinto, diretor da Academia de Marinha e Comér- cio e da Escola Cirúrgica do Porto286.

A medicina forense já estava incluída nos planos de estudo dos cirurgiões. O reconheci- mento da importância deste ramo, para a administração da justiça criminal, foi expresso na nome- ação do cirurgião António de Andrade que, extinto o lugar na Relação, se ofereceu para, sem ven- cimento, desempenhar esse serviço público287.

282 - COLLECÇÃO de todas as leis, alvarás, decretos etc impressos na regia officina tipografica (II semestre de 1825): Folheto V,p. 32-33 (Decreto nº. 137, de 10 Setembro de 1825)

283 - COLLECÇÃO de todas as leis, alvarás, decretos etc impressos na regia officina tipografica (I semestre de 1828) :Parte I - Folheto XI, p. 33-34 (Decreto nº. 8 – I, de 19 Novembro de 1825)

284 - COLLECÇÃO de Decretos e Regulamentos mandados publicar por sua Magestade Imperial desde a sua entrada em Lisboa até à

instalação das Câmaras Legislativas: Terceira Série, p. 139 (Portaria de 7 de Junho de 1834)

285 - COLLECÇÃO de Leis e outros documentos officiais publicados desde 15 de Agosto de 1834 até 31 de Dezembro de 1835: Quarta

Série, p. 302 (Portaria de 2 de Setembro de 1835)

286 - Idem, p. 344 (Decreto de 6 de Outubro de 1835)

287 - COLLECÇÃO de Decretos e Regulamentos mandados publicar por sua Magestade Imperial desde que assumiu a regencia em 3 de

A vontade de desenvolver o conhecimento tinha contornos interessantes, como se pode verificar no pedido que foi dirigido ao Diretor do Hospital da Marinha para fazer chegar aos cirurgi- ões da Armada instruções para que trouxessem, das diferentes províncias ultramarinas ou de ou- tros portos onde aportassem os navios portugueses, produtos daqueles países, com o objetivo de reunir uma coleção de História Natural, sendo a Academia Real das Ciência de Lisboa encarregada de imprimir um guia com as instruções para fazer as preparações288.