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Propriedades da Transição Vivenciada pelos Pais de Crianças com Necessidades

No documento Relatório dissertação Joana Regufe 2015 (páginas 41-45)

CAPÍTULO 1: ENQUADRAMENTO TEÓRICO DO ESTUDO

1.5. A Vivência da Transição pelos Pais de Crianças com Necessidades Especiais

1.5.1. Propriedades da Transição Vivenciada pelos Pais de Crianças com Necessidades

A resposta parental ao diagnóstico de doença crónica é um processo contínuo, complexo e multifacetado, que envolve diversas fases, que vão desde o impacto do diagnóstico até à aquisição de mestria nos cuidados ao filho e sentimento de reorganização. Alguns estudos revelam haver certas similaridades nas experiências vivenciadas pelos pais ao longo do processo de adaptação à doença crónica, independentemente da sua natureza (Coffey, 2006; Nuutila & Salanterä, 2006).

A primeira fase adaptativa – Diagnostic Phase – dá-se aquando da notícia ou confirmação do diagnóstico da criança (Nuutila & Salanterä, 2006), que incita o início da transição. A parentalidade é, tradicionalmente, considerada uma dádiva (Coffey, 2006), mas, após o diagnóstico, os pais sentem que perderam o mundo anteriormente dado como garantido (Gordon, 2009). Experienciam o pesar pela perda da vida anterior que continha o potencial de preencher todas as suas expectativas, vendo o seu projeto de vida alterado, mas se te , so etudo, ue pe de a o seu filho o al e saud vel, assi co o a vida que idealizaram para este. A visão que conceptualizaram do filho altera-se drasticamente após o diagnóstico (Hockenberry & Wilson, 2014; Lemacks et al., 2013; Melnyk et al., 2001; Sousa, 2012). O choque sentido aquando do diagnóstico envolve fortes sentimentos de raiva, desespero, medo, incerteza, confusão, impotência, desamparo, incredulidade (Kelo, Eriksson & Eriksson, 2013; Tong et al., 2010), bem como stresse, ansiedade e sensação de culpa, que tendem a persistir por alguns meses (Bagnasco et al., 2013; Melnyk et al., 2001; Yildiz, Celebioglu & Olgun, 2009).

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Para que se inicie o processo de consciencialização, os pais devem reconhecer as inúmeras mudanças que surgirão nas suas vidas, bem como o impacto das mesmas, devendo existir congruência entre as suas perceções e o que irá de facto acontecer (Meleis et al., 2000). Tornar-se pai ou mãe de uma criança com necessidades especiais permanentes, representa uma profunda e irreversível mudança, que implica a reorientação de todo o projeto de vida (Rempel et al., 2013; Sousa, 2012). O envolvimento é influenciado pelo nível de consciencialização, traduzindo a ideia de participação ativa dos pais no processo de ajustamento ao novo papel, podendo ser constatado pela preocupação, interesse e disponibilidade para aprender (Meleis et al., 2000).

A segunda fase – Learning Day-to-Day Care – relaciona-se com a aprendizagem dos cuidados do dia-a-dia, altura em que os pais começam a assumir as responsabilidades pelo cuidado ao filho (Nuutila & Salanterä, 2006). Nesta fase, os pais confrontam-se com a mudança e diferença. O início desta transição tem o potencial de romper profundamente as estruturas habituais da vida familiar, ameaçando o desempenho do papel parental habitual e alterando os papéis, responsabilidades e rotinas. As mudanças inerentes a cuidar de um filho com doença crónica são de natureza multidimensional e definitiva (Mussatto, 2006). Não se restringem somente às alterações orgânicas e/ou físicas da criança doente, mas promovem alterações emocionais e sociais em todos os elementos da família (Silva, 2010).

As transformações decorrentes da doença e necessidade de cuidados à criança é percecionada pela família como uma revolução, uma vez que todas as rotinas e dinâmicas do quotidiano familiar sofrem significativas alterações. Assim, os pais, para além de gerir e supervisionar o regime terapêutico, ainda têm de equilibrar as tarefas e os cuidados, com as restantes responsabilidades familiares. As dificuldades financeiras e de transporte, o distanciamento de outros elementos na família, principalmente de outros filhos, a reorganização das tarefas domésticas, a restrição do tempo de lazer e repouso e, sobretudo, as maiores necessidades de cuidados apresentadas pelos filhos são algumas das mudanças que mais preocupam os pais (Jesus, Catarino & Dixe, 2011; Silva, 2010; Woodgate, Edwards & Ripat, 2012).

Embora sigam os ensinos e conselhos dados no hospital, os pais, inicialmente, sentem que não têm os conhecimentos adequados, nem as habilidades necessárias para cuidar do filho, confessando que os cuidados ao filho consomem todo o seu tempo e energia. Os procedimentos que causam dor ou desconforto à criança são particularmente difíceis de realizar, mas a constante supervisão da criança e vigilância de sinais e sintomas são consideradas ainda mais difíceis. Apesar de já realizarem estas atividades no hospital, tomar decisões, de forma autónoma, com base no que observam em casa é muito

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desafiador. Segundo Swallow (2008), os pais sentem que os seus papéis se alteram de tal forma, que, para além do papel de pai ou mãe, passam, também, a desempenhar papel de cuidadores, estudantes, enfermeiros e professores.

Ser pai ou mãe de uma criança com necessidades especiais permanentes é mais exigente e desafiante do que criar uma criança saudável, uma vez que, para além das tarefas ditas normais, os pais assumem a responsabilidade adicional de realizar o cuidado técnico complexo, gestão de sintomas e coordenação dos serviços de saúde (Hockenberry & Wilson, 2014). Aliás, no estudo realizado por Tong e colaboradores (2010), os pais de crianças com doença crónica renal consideram que passaram a exercer uma pa e talidade edicalizada . ás suas responsabilidades são de tal forma exigentes, que o seu papel aproxima-se do papel de profissionais de saúde. Apesar do enorme desejo de exercer o seu papel enquanto pais, sentem que a doença do filho os impede de viver a sua parentalidade de forma plena (Simões, Pires & Barroca, 2010).

A doença da criança acarreta uma incerteza contínua na vida dos pais, pelo que, nesta fase – Learning Day-to-Day Care – eles tendem a focar-se no dia-a-dia ao invés de pensar no futuro. Para além disto, aprendem a gerir os seus próprios sentimentos e emoções (Nuutila & Salanterä, 2006). Esta gestão de sentimentos é muito importante para o sucesso da transição parental, devendo ser valorizada e corretamente avaliada pelos enfermeiros. A má gestão das emoções, associada à constante exigência de tempo, energia e recursos financeiros, pode resultar numa reação emocional de tristeza crónica, que se caracteriza por fortes sentimentos cíclicos de pesar e de perda, despoletados por determinados momentos, como marcos desenvolvimentais ou académicos, que relembram os pais da vida que poderiam ter tido (Gordon, 2009). Para além disto, um elevado nível de ansiedade parental, relaciona-se intrinsecamente com sensações de falta de controlo e impotência perante a situação, o que leva os pais a ter comportamentos de sobreproteção, rejeição ou negação em relação ao filho, prejudicando a adaptação da própria criança à doença (Godshall, 2003; Hockenberry & Wilson, 2014).

É consensual que os pais de crianças com doença crónica enfrentam mais preocupações e desafios, apresentando elevados níveis de stresse, que se refletem numa menor perceção de qualidade de vida, tendo um impacto significativo na sua saúde e bem- estar físico e psicológico (Aldridge, 2008; Cousino & Hazen, 2013; Epifanio et al., 2013; Farnik et al., 2010; Haverman et al., 2013; Holm et al., 2008; Knez et al., 2011; Lindström, Aman & Norberg, 2010; Palermo & Eccleston, 2009).

De acordo com Nuutila e Salanterä (2006) a terceira e última fase adaptativa dos pais – Phase of Successful Coping With Care – é marcada pelo sentimento de ser bem-sucedido

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ao lidar com o cuidado, ou seja, nesta fase, os pais reconhecem as suas próprias competências e capacidades para cuidar adequadamente do filho. Não significa necessariamente que os pais sintam que atingiram um nível de perfeição nos cuidados ao filho, existindo, ainda, alguma sensação de incerteza. No entanto, tomam consciência da sua capacidade para tomar decisões e reagir de forma eficaz e de acordo com a exigência de cada situação, aumentando a sua sensação de perícia. Nesta fase, começam a pensar no futuro da criança, preparando-se internamente para enfrentar os novos desafios.

Relativamente ao tempo de transição, esta inicia-se com diagnóstico da doença e primeiros sinais de consciencialização dos pais, finalizando-se aquando de uma nova sensação de estabilidade e reorganização. Contudo, torna-se extremamente difícil delimitá- la no tempo, uma vez que envolve processos internos muito distintos de pessoa para pessoa (Meleis et al., 2000). Um aspeto importante a ter em conta relaciona-se com o caráter permanente da doença, ou seja, os pais passam a ter um filho com necessidades especiais para a toda a vida, ao longo da qual poderão surgir variadíssimas necessidades de adaptação e reorganização (Mussatto, 2006).

Ao longo da transição, existem pontos ou eventos críticos que se caracterizam por períodos de elevada vulnerabilidade (Meleis et al., 2000). Neste contexto, estão descritos na literatura vários pontos críticos, despoletados por acontecimentos ou situações da mais variada ordem, que representam verdadeiros desafios para os pais de crianças com doença crónica. A altura do diagnóstico é considerada pelos pais um dos momentos mais difíceis e stressantes, causando sentimentos negativos muito intensos. As transições desenvolvimentais relacionam-se, igualmente, com pontos críticos na transição. A doença da criança pode trazer consequências negativas a nível físico, cognitivo e/ou intelectual, o que se reflete, naturalmente, no desenvolvimento infantil. Assim, os marcos desenvolvimentais são vivenciados pelos pais com grande angústia e ansiedade. A entrada para a escola é, também, relatada como um momento crítico. Pode coincidir com a primeira vez que os pais tomam consciência das diferenças físicas, cognitivas ou sociais do seu filho em relação aos pares. As hospitalizações recorrentes, quer por exacerbações da doença, quer pelo surgimento de outras doenças agudas, representam igualmente eventos críticos na transição parental, alterando as rotinas e dinâmicas familiares. A hospitalização é vivenciada com enorme preocupação e medo de perder a criança. Outros momentos que representam pontos ou eventos críticos relacionam-se com a primeira alta hospitalar após o diagnóstico inaugural, com mudanças no regime terapêutico, e com a necessidade de procedimentos cirúrgicos (Coffey, 2006; Godshall, 2003; Hockenberry & Wilson, 2014; Melnyk et al., 2001; Ytterhus, Wendelborg & Lundeby, 2008).

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Verifica-se que os pais de crianças com necessidades especiais permanentes são mais vezes submetidos a eventos críticos, quando comparados a pais de crianças saudáveis, o que os torna mais vulneráveis (Coffey, 2006; Ytterhus, Wendelborg & Lundeby, 2008).

1.5.2. Condições Facilitadoras ou Dificultadoras da Transição Vivenciada pelos Pais

No documento Relatório dissertação Joana Regufe 2015 (páginas 41-45)