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INTRODUÇÃO

“ACHO... QUE PREFIRO ME lembrar de uma vida des- perdiçada com coisas frágeis, a uma vida gasta evitando a dívida moral” (GAIMAN, 2008, p. 13, grifo do autor).

Essas palavras surgiram em um sonho de Neil Gaiman e foram escritas no momento de seu despertar, sem saber ao certo o que significavam ou a que ou a quem se aplicavam. Depois desse episódio, “Coisas frágeis” (GAIMAN, 2008) se tornou o nome escolhido como título para o livro de contos que o autor havia planejado fazia oito anos e que tinha como título provisório “Essas pessoas devem saber quem somos e contar que estivemos aqui”, referente a uma provocação resultante da citação de um balão de quadrinhos da página

dominical de Little Nemo.1 No projeto original, Gaiman imagi-

nava poder reunir um conjunto de textos, algumas narrativas de pessoas que falassem sobre suas vidas, sobre quem eram, dando seus testemunhos sobre o fato de que, certa vez, elas também estiveram aqui, nesse mundo, embora não fossem sequer percebidas por ninguém.

Assim como Gaiman, o Paralaxe2 (Grupo de Estudos,

Pesquisas e Intervenções em Psicologia Social Crítica), lide- rado por mim, tem se interessado por narrativas de pessoas e partido delas para desenvolver projetos e pesquisas de mes- trado e de doutorado no Programa de Pós-Graduação em Psi- cologia da Universidade Federal do Ceará – UFC. Desde sua criação, em 2009, quando estava vinculado à UFC no Campus de Sobral, já havia o interesse pelas narrações e pela busca de narradores, sobretudo pessoas “pertencidas de abandono”, como bem descreveu o poeta Manoel de Barros (2009), ou, ainda, aquelas cujas vidas precárias não são dignas de serem choradas (BUTLER, 2010) e sequer são “objeto” de pesquisas ou de políticas públicas. Isso porque as pluralidades de repre-

1 Little Nemo era o personagem principal de uma série de pranchas domini-

cais criadas por Winsor McCray e publicadas nos jornais New York Herald e

New York American, de 15 de outubro de 1905 a 23 de abril de 1911 e de 30

de abril de 1911 a 1913, respectivamente.

2 Paralaxe: palavra de origem grega que significa alteração. Em linguagem

de dicionário, podemos entender paralaxe como a modificação aparente da posição de um objeto em relação a outro objeto mais distante, devido à modificação real da posição do observador. Paralaxe, na perspectiva que temos trabalhado em nosso grupo de pesquisa, radicaliza esse fenômeno óptico relativamente simples e o utiliza como metáfora para assinalar um posicionamento teórico-epistemológico diante da produção de conhecimento em Psicologia Social, que deve considerar sua própria produção como uma (das várias e infinitas) possibilidades de compreensão da realidade.

sentações de suas identidades são, muitas vezes, reduzidas a representações limitadas e estigmatizantes de si, o que oferece um território complexo de compreensão e indica um caminho

promissor para o entendimento dos diferentes dispositivos3

contemporâneos que administram as vidas.

São vários os trabalhos que poderiam ser citados aqui como sendo referências iniciais para os estudos e pesquisas realizadas pelo Paralaxe ao longo desses anos, dentre eles está o mais importante e famoso livro de Antônio da Costa Ciampa, “A estória do Severino e a história da Severina” (CIAMPA, 1987). Esse trabalho foi defendido como tese de doutorado em Psicologia Social na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), em 1986, e parte da análise do poema “Morte e vida Severina”, de João Cabral de Melo Neto, e da narra- tiva de história de vida de Severina, uma pessoa real, tratando de sustentar que a identidade era metamorfose. Isso sempre pareceu indicar ao Paralaxe um caminho possível para com- preender as narrativas com suas respectivas personagens e as denúncias que elas apresentavam diante das várias estraté- gias de administração de suas vidas.

3 Dispositivo, tal como utilizamos aqui, refere-se ao descrito por Agamben

(2009, p. 40-41): “qualquer coisa que tenha de algum modo a capacidade de capturar, orientar, determinar, interceptar, modelar, controlar e assegurar os gestos, as condutas, as opiniões e os discursos dos seres viventes. Não somente, portanto, as prisões, os manicômios, o Panóptico, as escolas, a con- fissão, as fábricas, as disciplinas, as medidas jurídicas etc., cuja conexão com o poder é num certo sentido evidente, mas também a caneta, a escritura, a literatura, os computadores, os telefones celulares e – porque não – a própria linguagem, que talvez é o mais antigo dos dispositivos, em que há milhares e milhares de anos um primata – provavelmente sem se dar conta das conse- quências que se seguiriam – teve a inconsciência de se deixar capturar”.

Os trabalhos dos autores relacionados à Teoria Crítica contemporânea também podem ser citados como marcos para os estudos desenvolvidos nesse grupo, pois possibilitam ana- lisar e articular os problemas contemporâneos de modo pro- fundo e comprometido com as questões ético-políticas, por meio da perspectiva da Psicologia Social. Como bem assina- lou Honneth (2009, p. 29):

[...] de uma maneira que muito provavelmente seja única, na mediação entre teoria e história e no conceito de uma razão socialmente ativa: o passado histórico deve enten- der-se no sentido prático como um processo de formação cuja deformação patológica por parte do capitalismo só pode superar-se se os implicados iniciam um processo de esclarecimento. É este modelo intelectual de incorporar teoria e história que funda a unidade da Teoria Crítica na multiplicidade de suas vozes: seja na forma positiva do primeiro Horkheimer, de Marcuse ou de Habermas, seja na forma negativa de Adorno ou de Benjamin.

A maior parte dos estudos, pesquisas e intervenções realizadas no/pelo Paralaxe procuram mostrar como a per- sistência de uma racionalidade instrumental é utilizada atu- almente nas mais diversas situações, pelos mais diferentes sujeitos, (re)produzindo reconhecimentos perversos (LIMA, 2010) e reforçando políticas de identidade segregadoras. Vale ressaltar que o primeiro projeto de pesquisa desenvol- vido pelo Paralaxe ocorreu em 2009, intitulado “Identidade e

Reconhecimento”.4 Esse projeto teve auxílio financeiro e bolsa

de produtividade em pesquisa e estímulo à interiorização de jovens pesquisadores da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap) e foi uma importante oportunidade para a apropriação crítica de novos autores ligados à Filosofia, Sociologia, Ciência Política, Litera- tura e Psicologia Social, possibilitando o aprofundamento da

discussão iniciada na tese de doutorado.5

Com o credenciamento do primeiro autor deste capítulo no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Univer- sidade Federal do Ceará – UFC e a posterior redistribuição para o campus Fortaleza, o Paralaxe passou a integrar, em 2013, o Laboratório em Psicologia e Subjetividade (Lapsus) e a desenvolver, na linha Sujeito e cultura na sociedade con- temporânea, projetos de pesquisa financiados por agências de

fomento.6 Dois desses projetos finalizam no segundo semestre

cipais teorias da atualidade e suas apropriações pela Psicologia Social Crí- tica para pensar a incorporação do Outro na esfera pública” contou com auxílio da Funcap, referente ao Edital 04/2009 – Pesquisa e Infraestrutura para Jovens Pesquisadores – Programa Primeiros Projetos – PPP/FUNCAP/ CNPq – processo: 08.01.00/09, SPU Nº: 09332048-5 Funcap e bolsa de pro- dutividade específica para professores lotados no interior do estado, Edital 02/2010 – Programa de Bolsas de Produtividade em Pesquisa e Estimulo à Interiorização – BPI – processo: BPI-0031-00008.02.00/10 (não foi solicita- da a renovação da bolsa de produtividade devido à sua redistribuição para o campus da UFC em Fortaleza).

5 Discussões que, desde o doutorado, trataram de ampliar as proposições de

Ciampa (1987, 2002) acerca das metamorfoses da identidade e incorporaram a análise dos processos de reconhecimento.

6 Projetos financiados pelo CNPq A (Processo Universal 14/2013 – Faixa:

476693/2013-6) e FUNCAP PPSUS 7/2013 (SPU: 13192398-6), respectiva- mente, e que contaram com bolsas PIBIC/CNPq e PIBIC/UFC, oriundas dos Editais 2013/2014, 2014/2015 e 2015/2016 da UFC (bolsistas Beatriz Ol- iveira Santos, Stephanie Caroline Ferreira de Lima e Matheus Braga Dias).

de 2016, mais especificamente: “Avanços e limites da reforma psiquiátrica no estado do Ceará: a herança histórica e o desa- fio da desinstitucionalização” e “Concepções e ações de pro- fissionais dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família – NASF de Fortaleza-CE sobre saúde mental, drogas (crack, álcool e outras drogas) e redução de danos na atenção primária”. Outro projeto, referente à bolsa de produtividade do CNPq (Edital PQ 2015), “Coisas Frágeis: narrativas sobre as impli- cações do diagnóstico psiquiátrico para a identidade”, teve início no primeiro semestre de 2016.

Nessas breves páginas, que oferecem a possibilidade de discutir a contribuição do Paralaxe para o Programa de Pós- -Graduação em Psicologia da UFC, discorreremos acerca das principais bases teóricas estudadas no Paralaxe, o modo como o grupo se apropria delas e as articula com seus objetos de inves- tigação e, principalmente, assinalaremos as pesquisas que já foram ou estão sendo realizadas por seus integrantes, de modo a tornar explícita a relevância de cada uma delas e seus interesses, a partir do desenvolvimento de uma Psicologia Social Crítica pela transformação das condições desiguais de nossa sociedade. CORPO TEÓRICO

O interesse pela articulação entre teoria e práxis tem levado à busca por referenciais teórico-metodológicos que possibilitam a articulação, de forma indissociada, entre a Psicologia Social, a pesquisa de identidade e a ação política. Conforme assinalado no início deste capítulo, o referencial mais promissor encontrado para compreender as narrati- vas, inicialmente, foi o apresentado por Ciampa (1987). Esse referencial tem sido articulado à contribuição dos autores da chamada Teoria Crítica contemporânea, nos trabalhos de Ben-

jamin (1994, 2012, 2013), Habermas (1990, 2001, 2003, 2004a, 2004b), Honneth (2003, 2007, 2009, 2011, 2012), Fraser e Hon- neth (2003), Fraser (2007), Butler (2006, 2010), Agamben (2002, 2004, 2015), Žižek (2008, 2011) etc.

A perspectiva de compreensão da identidade, que a entende como metamorfose em busca de emancipação e reco- nhecimento, pode ser chamada de narrativa (LIMA, 2014) e dialoga com os trabalhos de Ricoeur (1991, 2009, 2010), Alcoff (2006), Alcoff, Hermes-García e Mohanty et al. (2006), Moya e Hermes-García (2002), entre outros, sem distanciar-se da pers- pectiva interacionista inaugurada por George Herbert Mead e Ervin Goffman. O sintagma “identidade-metamorfose”, pro- posto por Ciampa (1987), que depois foi ampliado para “iden- tidade-metamorfose-emancipação” (LIMA; CIAMPA, 2012; LIMA, 2010), dá ênfase à orientação política dos estudos de identidade em Psicologia Social.

Entre as consequências dessa ênfase, é possível destacar: a) estudar identidade deve ser mais do que uma descrição de características identificatórias, não sendo suficiente compre- ender só a história de um indivíduo ou de um grupo; b) estu- dar identidade é analisar os processos de individuação-socia- lização e/ou alienação-emancipação, buscando compreender a sociedade e a política em que o indivíduo está inserido; e c) identificar como ocorrem os reconhecimentos dos indiví- duos submetidos às (bio)políticas de identidades, sobretudo àquelas relacionadas à inclusão em políticas públicas que, no capitalismo avançado, tendem a reduzir a identidade a per- sonagens fetichizadas que negam sua totalidade em favor do universal dominante: o capital (LIMA, 2015). O interesse cien- tífico dessa concepção envolve uma dimensão prática e teó- rica; “interesse (prático) pela transformação do sistema social; interesse pela libertação da coerção; interesse (teórico) pela

clarificação da situação que se constitui nas condições sob as quais vivemos” (CIAMPA, 1987, p. 216).

A identidade é referida pelas descrições e ações que o ator social narra sobre sua história de vida. Neste caso, acontece um fenômeno linguístico curioso, que é a sobreposição entre quem é o personagem da narrativa e quem é o autor da mesma. Na narração de sua própria história de vida, o autor e o persona- gem principal são o mesmo. Em outras palavras, na perspectiva da narrativa de identidade, o indivíduo não é apenas um recep- táculo inofensivo que incorpora as predicações e as dramatiza no cotidiano, mas também propõe novos personagens, de modo que a identidade, então, pode ser melhor compreendida como uma constelação conflitiva ou uma configuração mais ou menos cambiante de posições subordinadas dos indivíduos frente a diferentes cenários (LIMA, 2014). Essas posições subordinadas não são necessariamente fixas ou complacentes (ainda que sejam reconhecidas por meio de fixações no processo de reconheci- mento). A identidade, portanto, é concretizada com base em um processo de significações estabelecidas com outros indivíduos, no jogo do reconhecimento. Com isso, admite-se que a identi- dade se expressa a partir de uma pluralidade de personagens. Ainda que ela se torne reduzida a uma personagem fetichizada, é pela relação de reconhecimento que ela se mantém estruturada.

A ideia de identidade-metamorfose trabalhada por Ciampa (1987) apresenta forte influência da filosofia hege- liana, que entende a identidade como a “passagem da inde- terminação indiferenciada à diferenciação, a delimitação e a posição de determinação específica que passa a caracterizar um conteúdo e um objeto” (HEGEL, 2003, p. 14); concepção que, em certa medida, também é expressão de proposições habermasianas, sobretudo a diferenciação entre a singula- ridade e a individualidade da identidade. Entende-se aqui

singularidade como fenômeno que permite a diferenciação enquanto sujeitos e, ao mesmo tempo, iguala-os nas expecta- tivas em relação à sociedade; e a individualidade como nega- ção de todas as determinações que dão acesso à subjetividade e possibilitam a reconstrução do Eu a partir das diferenças. A proposição da identidade enquanto metamorfose e seus desdobramentos, de certo modo, atualiza as proposições de George Herbert Mead (1992) acerca da simultaneidade da socialização e da individuação e avança no sentido de explicar como, a partir da articulação entre o “mim” e o “eu”, podem ocorrer problemas na autodeterminação individual.

Sabe-se que Mead já alertava para a influência dos Outros no desenvolvimento dos selves; todavia, ele não desen- volve essa reflexão. Na tese de Ciampa, por outro lado, essa ideia encontra-se desenvolvida teoricamente e demonstrada empiricamente pela narrativa de Severina, evidenciando os perigos de uma determinada personagem da identidade se transformar – assim como ocorre com a forma mercadoria estudada por Karl Marx em O Capital – em um fetiche, “que vai explicar a quase impossibilidade de um indivíduo atingir a condição de ser-para-si e vai ocultar a verdadeira natureza da identidade como metamorfose” (CIAMPA, 1987, p. 140).

Em A estória do Severino e a história da Severina, Ciampa explica que, da mesma forma como ocorre nas mercadorias presentes na lógica capitalista (MARX, 2013, p. 146), a perso- nagem fetichizada é reforçada em seu comparecimento pela forma de valor social, que força os indivíduos a se reproduzi- rem como réplicas de si mesmos,

[...] a fim de preservar interesses estabelecidos, situações convenientes, interesses e conveniências que são, se radi- calmente analisados, interesses e conveniências do capital

(e não do ser humano, que assim permanece um ator pre- so à mesmice imposta) (CIAMPA, 1987, p. 165).

O fetiche da personagem, assim, pode ser entendido como um aprisionamento da representação de uma per- sonagem ao mundo da mesmice (da não-mesmidade) e da má infinidade (a não superação das contradições), em que a atividade que engendra a personagem deixa de ser desem- penhada, mas a representação da personagem persiste, con- forme demonstrado na sentença: Severino “é lavrador”, mas já “não lavra”. Quando isso ocorre, a

personagem reposta é vista como dada permanentemente, como se aquele modo de agir – que é contingente e deter- minado por um contexto – fosse a manifestação de uma suposta essência do indivíduo, ou algo estrutural, ou ine- rente a ele (GONÇALVES NETO; LIMA, 2011, p. 36). A identidade é pressuposta como “dada” permanen- temente, e não como reposição contínua de uma identidade que um dia foi posta.

Desse modo, o marco teórico que orienta as pesquisas difere ou se contrapõe às teorias que postulam a problemática do não reconhecimento da identidade ou tratam de demarcar apenas o terreno positivo da diferença, propondo como saída alternativas de inclusão social. As proposições adotadas per- mitem, como assinalado por Lima (2010), evidenciar e denun- ciar como ocorrem as metamorfoses da identidade diante das formas de opressão individual/coletiva, como se dão as práticas de reconhecimento perverso e os efeitos da reificação ocorrida quando se esquece de considerar a pessoa, com sua história (HONNETH, 2007).

Reconhecimento perverso se refere à relação perversa que se estabelece quando, na busca de uma explicação diante do seu complexo sofrimento, o indivíduo, com as várias per- sonagens vividas por ele, é reduzido a uma única persona- gem, expressão de uma identidade puramente biológica e associal, operando uma biomoralidade “centrada na felici- dade e presença do sofrimento” (ŽIŽEK, 2011, p. 64) que legi- tima práticas de violência ética (BUTLER, 2010). Um exemplo claro disso, como exposto por Lima e Santos (2015), ocorre quando o sujeito recebe do especialista o diagnóstico psiqui- átrico, colocado pelos autores como um dispositivo que legi- tima uma prática de reconhecimento perverso. Ao estabele- cer essa relação, cria-se, muitas vezes, uma “identidade sem pessoa”, que, sendo a expressão de um código oriundo de um manual, passa a ser o referencial para as interações inter- pessoais, “sem o peso das implicações afetivas que são inse- paráveis do reconhecimento operado por outro ser humano” (AGAMBEN, 2014, p. 82).

INVESTIGAÇÕES

No Paralaxe, as pesquisas de mestrado e de douto- rado, principalmente as que estão em andamento, têm sido desenvolvidas considerando o projeto guarda-chuva “Coisas Frágeis: metamorfose, alteridade e reconhecimento na pers- pectiva da Psicologia Social Crítica”, cujo objetivo é fomentar investigações que tenham como intuito compreender as impli- cações das (bio)políticas de identidade (identidades pressu- postas, diagnósticos etc.) para as metamorfoses da identidade dos sujeitos. Nesse escopo, as diferentes investigações são desenvolvidas tomando como base três campos temáticos, denominados: itinerário histórico, itinerário teórico e itinerá-

rio empírico, que estão em complexa inter-relação. A escolha pela utilização de um ou mais deles ocorre de acordo com a ênfase dada por cada pesquisador e com o objetivo almejado diante do problema de pesquisa que se analisa.

Entende-se que os estudos que percorrem um itinerá- rio histórico são aqueles que buscam analisar as condições histórico-sociais e a influência de diferentes instituições na constituição e no desenvolvimento de sujeitos e grupos. Para isso, utiliza-se de análises documentais, Atas, Portarias, Leis, fotografias, materiais de jornais, registros orais, entre outros, além de se servir de estudos histórico-críticos que possam ser utilizados como base para os demais itinerários (LIMA, 2012). Esse autor assinala que, no caso do itinerário teórico, há uma preocupação com o desenvolvimento de um arcabouço teó- rico-metodológico, de modo a possibilitar a análise crítica da temática em questão.

Por fim, no itinerário empírico, ocorrem os estudos de narrativas, que têm sido realizados com base nas propostas de Ciampa (1987) e Lima (2010, 2012), os quais identificam a utilização da narrativa de história de vida como um instru- mento apropriado para obtenção das informações necessárias à compreensão de como ocorrem as construções identitárias, as metamorfoses, as anamorfoses, a alteridade e as formas de reconhecimento. Afinal, as narrativas de história de vida ofe- recem a possibilidade de observar como a quebra da continui- dade do existir humano pode ser decorrente de uma imposi- ção social, em que a identidade do indivíduo, sua vontade, é confrontada com exigências da lógica sistêmica (HABER- MAS, 1990).

Como exemplos do que foi exposto ao longo desse texto, apresentaremos a seguir, de forma sucinta, as pesquisas rea- lizadas e que estão em andamento no Paralaxe, a fim de tecer

comentários sobre os caminhos que os pesquisadores têm percorrido com base nos itinerários expostos. Isso permitirá observar, além das escolhas frente aos percursos traçados por cada um, a profundidade alcançada, em termos de qualidade e complexidade do assunto, quando há a articulação dos itine- rários nos seus projetos.

A primeira dissertação de mestrado desenvolvida no Paralaxe, defendida em 2013 por Erica Vila Real Montefusco, cujo título foi “A negação do envelhecimento e a manutenção da juventude veiculados em revistas femininas: um estudo de psicologia social”, apresentou uma investigação acerca das questões que envolvem a manutenção da aparência jovem, a fim de verificar como elas são divulgadas em mídias direcio- nadas ao público feminino. Para tanto, foi realizada a análise de reportagens e de peças publicitárias, pesquisadas durante o ano de 2011, em três revistas femininas de grande circulação nacional. Esse processo de coleta dos dados para embasar a pesquisa explicita o que foi apresentado no itinerário histórico.

O caminho do itinerário teórico desenvolvido teve como base a Teoria Crítica, com os expoentes Theodor Adorno, Max Horkheimer, Herbert Marcuse, Walter Benjamin e Jür- gen Habermas, além da análise semiótica de José Luiz Aidar