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O “TEMPO LIVRE” PRODUTIVO: IDEAIS TECNOLÓGICOS DE UM TEMPO ACELERADO

TEMPO LIVRE E ACELERAÇÃO NA CONTEMPORANEIDADE

Vivenciamos, nos dias de hoje, segundo Rosa e Scheuer- man (2009), uma aceleração social do tempo, explicada, em parte, pelos avanços tecnológicos nos campos dos transportes e das comunicações. Esses notáveis avanços diminuíram as distâncias geográficas, agora separadas por apenas um click. As tecnologias informacionais interligaram o mundo, por meio do compartilhamento de informações, da conexão entre pessoas em pontos distantes e da instantaneidade. Surge a imagem de um globo aparentemente menor, compactado nos

smartphones, modificando significativamente nossas percep-

ções do tempo e do espaço. Dessa forma, “agora tudo acon- tece em tempo real: na velocidade do instante, que é simultâ- neo para todos os usuários do planeta” (SIBILIA, 2008, p. 58). Nesse contexto, uma indubitável característica do tempo livre na contemporaneidade é a extrema velocidade do seu ritmo. O atual imperativo de aceleração do tempo produz um fenômeno que Rosa (2012) denominou de “fome temporal”, o qual, paradoxalmente, cresce à medida que se produzem e se

disseminam mais e mais aparatos tecnológicos informatiza- dos e miniaturizados. Entretanto, a tecnologia por si própria não se constituiria na causa da aceleração social, mas seria, antes, uma condição de possibilidade para o seu aumento. A aceleração social e a aceleração técnica são, para esse autor, uma consequência lógica do capitalismo concorrencial, que, atualmente, excedeu em muito a esfera econômica, dissemi- nando-se por todas as esferas da vida social e cultural, tornan- do-se o princípio central da modernidade tardia.

Já no final dos anos 1980, David Harvey atestava que, nas duas décadas anteriores, vínhamos vivendo

[...] uma intensa fase de compressão do tempo-espaço que tem tido um impacto desorientado e disruptivo sobre as práticas político-econômicas, sobre o equilíbrio do poder de classe, bem como sobre a vida social e cultural (1992, p. 257). O autor também identifica uma aceleração do tempo de giro da produção e, consequentemente, do consumo, o qual passou a se realizar também em serviços bastante efême- ros. Como consequências dessa aceleração, Harvey destaca a acentuação da efemeridade (de modas, produtos, técnicas, ideias, valores, práticas etc.) e uma maior ênfase nos valores da instantaneidade e descartabilidade de mercadorias, che- gando a falar em uma “sociedade do descarte”, em que não só bens seriam jogados fora facilmente, mas também valores, estilos de vida, pessoas, jeitos de ser etc. O impulso acelerador da sociedade, conforme vivenciamos constantemente nos dias de hoje, teria surgido desses mecanismos de aceleração e des- carte, e forçado os indivíduos a lidar com a descartabilidade e o obsoletismo instantâneo (HARVEY, 1992).

O regime presenteísta, segundo Lipovetsky (2004), tem como uma de suas consequências mais perceptíveis o clima de pressão que se exerce sobre as pessoas e organizações e que lhes impõe um ritmo frenético, no qual se deve fazer mais no menor tempo possível, em um clima de estresse permanente. Os efeitos desse regime extrapolam o universo do trabalho, afetando até mesmo as relações dos indivíduos consigo mes- mos e com os outros.

Não são raros os relatos de pessoas que se queixam de estar sobrecarregadas ou de sempre correr contra o tempo, mais até do que se queixam da falta de dinheiro (LIPOVET- SKY, 2004). A maioria das pessoas vive uma relação deslocada com o tempo: em vez de o dominarem, é ele que as domina, impondo-se como uma das coações a que o indivíduo está sujeito nas sociedades modernas (GARCIA, 2011).

Vemo-nos, assim, diante de um paradoxo da sociedade industrial: embora, do ponto de vista formal e legal, a jornada de trabalho tenha sido drasticamente reduzida, as pessoas têm cada vez menos tempo livre (ou, pelo menos, para ocupá-lo como lhes apraz), em grande parte, devido ao excesso de traba- lho. Isso ocorre porque, como vimos, o trabalho tem, por vias informais, penetrado cada vez mais a esfera do tempo livre. É assim que, como afirma Garcia (2011), o “estresse do tempo” tornou-se um fenômeno típico das sociedades capitalistas contemporâneas, e as angústias de perder e esbanjar o tempo se tornaram parte essencial de nossa vivência do tempo.

Uma explicação, apresentada em Rosa e Scheuerman (2009), para a adoção da rapidez e velocidade no cotidiano em resposta à aceleração social, há pouco descrita, reside no desejo de que “correndo-se mais, se viva mais”. Ou seja, tenciona-se realizar em uma unidade de tempo-vida o que se realizaria em duas vidas. Desse modo, a pessoa aplica em

seu cotidiano o princípio da eficiência que rege o capitalismo: produzir cada vez mais em um menor espaço de tempo, oti- mizando o uso dos recursos tecnológicos.

Assim, o senso de conquista do indivíduo é superdimen- sionado ou supervalorizado, possibilitando uma equivalência funcional dessa aceleração com a ideia religiosa de eternidade ou uma sobrevida capaz de obturar o vazio e o sofrimento humano em face de sua finitude, tal como Freud (1996) nos descreve em O mal-estar na civilização.

A aceleração do ritmo de vida também se daria como efeito do que foi chamado por Rosa e Scheuerman (2009) de “motor econômico”. Nesse caso, a competitividade própria do capitalismo seria capaz de promover a aceleração social, ao adotar a equação entre tempo e dinheiro. Dessa forma, quanto menos tempo para produção, mais lucro e, quanto mais lucro, mais tempo à frente de seus concorrentes no mercado. Assim, a busca pelos diferenciais tecnológicos capazes de acelerar a produção, distribuição e consumo, visando ao crescimento, constitui-se na essência da sociedade capitalista.

Uma hipótese que Rosa (2009) nos traz para o senti- mento de escassez de tempo vivenciado contemporaneamente é a possibilidade do aumento do trabalho. Assim, segundo ele, falta tempo porque sobra trabalho a ser feito. Em suma, a quantidade de trabalho passou por uma aceleração ou intensi- ficação superior à aceleração tecnológica constatada.

Desse modo, surge maior demanda de tarefas e respos- tas impulsionada pelos recursos tecnológicos que estendem a dominação do trabalho. Do ponto de vista da aceleração eco- nômica, os modelos de eficiência e alta performance de empre- sas e indivíduos divulgados na mídia evidenciam que os trabalhadores ordinários em busca de crescimento precisam fazer muito mais e muito melhor pelo reconhecimento social

dado aos líderes dos mercados – locais ou globais –, os “ven- cedores”. É assim que, muitas vezes, associa-se o desempenho profissional/mercadológico ao desempenho esportista, como modelo de superação dos limites humanos.

OS IDEAIS DE PERFORMANCE CONTEMPORÂNEOS