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CAPÍTULO 2: PUBLICIDADE SOCIAL

2.6 Publicidade social e o social como publicidade

Trabalhos acadêmicos que vêm sendo publicados nos últimos anos com termos que ou se confundem com publicidade social ou aplica, a este conceito, um olhar diferente do discutido aqui. Muitas das citações e pesquisas tomam como base, em especial, a perspectiva americana da publicidade social (e Marketing Social) e trabalham a utilização de uma causa como argumento de venda e estratégia de persuasão de um determinado produto.

Nos últimos anos, principalmente com o advento das redes sociais e a crescente discussão sobre o consumo consciente e os impactos ambientais no processo de produção, o consumidor passou a utilizar critérios sociais como diferencial de decisão no processo de compra. As marcas começaram, em contrapartida, a se preocupar com a forma como são vistas por seus clientes e a utilizar ações sociais e sustentáveis como diferencial competitivo. As ações podem ser vistas das prateleiras, onde selos e discursos ambientalmente corretos ganham espaço e se transformam em argumento de compra, às páginas e sites das marcas, que passam a dar mais destaque para suas ações de responsabilidade social.

47 O Laccops tem atuado na instrumentalização de indivíduos e grupos para que possam passar a pensar e

executar projetos de publicidade transversal. Um exemplo foi a palestra “Comunicação Transversal: ponte de diálogo entre Setor Privado e Projeto Social”, da Bruna Kassis, no encontro Mobilize-se: Publicidade Social e Reexistência, no ano de 2018.

Casos recentes de escândalos ambientais (como os testes em animais feitos pelas marcas de cosméticos, ou desastres ambientais com responsabilidade de companhias de mineração) e sociais (como a exploração do trabalho escravo por marcas de moda) provocaram diminuição das vendas de algumas marcas e queda das ações, resultando em prejuízo para os acionistas. O que redobrou o cuidado das marcas com sua cadeia de produção e fez com que elas enxergassem nas causas comuns um objeto de diferenciação diante de seus concorrentes. Independente da motivação, é desejável que as marcas adotem, cada vez mais, posturas socioambientais responsáveis (para além do nexo discursivo), porém não se pode ignorar seus objetivos comerciais e mercadológicos.

A medida em que os consumidores elegem critérios socioambientais como diferenciais no momento da escolha de uma marca em detrimento da outra, as companhias passam a trazer as narrativas exigidas por eles em seus discursos e ações, podendo romper o nexo discursivo e adentrando na rotina de suas decisões organizacionais. Na medida em que se empodera o consumidor e ele passa a ser o centro das ações, mais as organizações precisam se transformar para se adequar às suas exigências desse novo mercado.

(...) a instrumentalização dos novos experimentos não tem atuado apenas sob a perspectiva funcionalista, mas também tem agido, com certa autonomia, na ordem cognitiva do homem contemporâneo que começa a se questionar se seu protagonismo como consumidor precisa se limitar aos parâmetros determinados pelo mercado ou se pode ampliar para outros espaços. (ATEM e SALDANHA, 2016, p. 53)

Além disso, diversas marcas também se apropriam do discurso socioambiental para amenizar a imagem negativa ou os danosos impactos à população através de fortes estratégias de comunicação. Se travestindo, portanto, de um discurso que, na prática da companhia, não se aplica. Ao consumidor vale redobrar a atenção para com tais casos e buscar, na prática das empresas, os reflexos das ações publicizadas. É neste cenário contemporâneo, de marcas que percebem a importância de sua imagem para a saúde dos negócios e convergem para um discurso socioambiental, que o consumidor se insere atualmente.

Nesse sentido, diversos anúncios de marcas se apropriam de causas sociais, ações e discursos como estratégia competitiva na batalha pelos consumidores contemporâneos. É positivo que as empresas tenham, cada vez mais, uma preocupação com seu discurso e

o entendimento dos impactos causados por estes (seja por boa vontade ou por estratégia de negócio). Assim a publicidade começará a trilhar um caminho mais responsável (e coerente) com a sociedade. Porém, não se pode confundir inadvertidamente essas ações com o que se entende por publicidade social.

A diferenciação fica clara ao considerarmos o viés contra-hegemônico como base fundamental para a publicidade social. Desta forma, evitam-se as distorções e equívocos de se considerar como publicidade social campanhas de empresas que se utilizam de argumentos socioambientais com fins puramente mercadológicos.

É pouco provável que se espere de grandes corporações ações contra- hegemônicas, uma vez que elas se beneficiam das formas de hegemonia. Na maioria das vezes as campanhas produzidas pelas empresas visam manter as engrenagens do sistema girando ininterruptamente e buscam motivar o consumo, muitas vezes irrefletido. A nebulosidade desta fronteira se rompe uma vez que consideremos o fim contra- hegemônico como fundamental para que uma campanha se enquadre na perspectiva brasileira de publicidade social.

Todavia, uma vez que não consideremos os conceitos de publicidade social e publicidade comercial como antagônicos (uma vez que um dos interesses da publicidade social é aquecer a economia local), é necessário que se reflita sobre os pontos de contato entre ambas. Por outro lado, a proximidade também reforça a importância de tomar o viés contra-hegemônico como base para se analisar toda ação que se proponha como publicidade social, tendo em vista o cerne epistemológico deste conceito. Evitando assim, trilhar caminhos por análises de anúncios ou casos que tratem o social como publicidade, e não um exemplo de publicidade social.