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Quadro de Formações Discursivas – Tema Finanças

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3.4 Análise das Cartas

3.4.4 Quadro de Formações Discursivas – Tema Finanças

Não é difícil observar que homens e mulheres não ocupam posições iguais na sociedade e, neste trabalho, já identificamos que a identidade social da mulher, assim como a do homem, é construída através da atribuição de distintos papéis, que a sociedade espera ver cumpridos tanto pelos homens quanto pelas mulheres.

Descrevemos no capítulo primeiro que até o final da década de 60, antes da revolução das feministas, cabia exclusivamente ao homem o papel de provedor do lar, o único responsável por dar conforto à sua família. Hoje, em pleno século XXI, as mulheres se tornaram independentes, chefes de família, empresárias. Esta é a realidade da mulher moderna. Porém, a igualdade de gênero no mercado de trabalho ainda está em processo, pois ainda existe a desigualdade salarial e o preconceito por ser considerado sexo frágil, como nos aponta o estudo da Revista Observatório Social: A mulher no mercado de trabalho: “No Brasil do século 21, as maiores empresas adotam um regime de castas em que as mulheres são discriminadas, ganham menos que os homens e perdem o emprego com mais facilidade” (OBSERVATÓRIO SOCIAL, 2004, p.9).

Para compreendermos o papel da mulher no mercado de trabalho, suas responsabilidades como provedora ou simplesmente como uma mulher independente que tem autonomia sobre os seus gastos, foi selecionada uma carta, programa 15 julho 2012 (domingo, Anexo XII), em que a mulher se sente angustiada por já estar - segundo suas palavras -, com 38 anos de idade e ainda não ter conquistado nada na vida.

Formação Discursiva 9 (FD9) “Mulher x vida financeira”

Programa 15 julho 2012 (domingo)– 18h IN 1:07:43 OUT 1:08:59 (Anexo XII) Mulher reclama que já está com 38 anos e não conquistou nada na vida

Podemos observar a questão em torno do gênero quando ela explica que após o falecimento do pai, a família precisou vender o comércio. A base da estrutura financeira desta família estava alicerçada na figura do chefe, do pai. O enunciador reafirma essa perda dizendo: “[...] Têm pessoas que perderam o pai e perderam tudo, mas não foi por obra de feitiçaria, é que não foram treinadas a continuar no comércio”. A pergunta que fica é: Esta mulher não conquistou nada na vida por que não foi treinada pelo pai, portanto, não teve incentivo e não foi escolhida como sucessora, ou por que simplesmente não havia a necessidade emergencial de buscar o seu próprio sustento, pois alguém se encarregou de suprir até o momento?

Questões como essas não são fáceis de responder. O que temos de concreto, neste caso, é uma situação de insatisfação pessoal e financeira que recai sobre a vida de uma mulher que consegue, neste momento, reconhecer-se como dona da sua própria vida e responsável por sua autonomia. O enunciador nos aponta uma questão que é recorrente na vida de muitos pais de família, homens de negócios, empresários que não conseguem fazer um sucessor. Este saber discursivo está na memória do discurso e, neste caso, tratado como interdiscurso, veja nas palavras do enunciador como ele significou esta situação: “[...] você consegue fazer herdeiro, mas sucessor nem todo mundo consegue. E ai as coisas vão de água abaixo. O comércio tem as suas leis próprias[...]”. Quando o enunciador se refere ao comércio ter suas próprias leis, assim como o patriarcalismo e também a religião possuem suas próprias leis, cabe lembrar o lugar que a mulher ocupa, como apontado por Scott (1989), a dicotomia entre o espaço público e o privado, sendo o espaço público socialmente “mais legítimo” para os homens do que para as mulheres.

A formação ideológica que rege este discurso também tem base na busca pela Palavra segundo o enunciador: “[...] pela Palavra você vai entender e vai ser abençoada”, essa afirmação implica muitas outras questões, por que não se diz claramente que a mulher não deve trabalhar fora de casa, ou ser independente. Ao contrário, é dito que a Bíblia em nenhum lugar proíbe a mulher de trabalhar fora de casa. No entanto, a Bíblia ensina quais devem ser as prioridades de uma mulher, segundo a tradição judaica. Sua prioridade é cuidar da sua casa, do seu marido e filhos, não negligenciando nenhuma delas, se ela conseguir essa façanha de forma sobre-humana, providenciando um lar amoroso e cuidadoso para seus filhos e marido, então é completamente aceitável que ela trabalhe. O que resta, nestes casos, é o socorro de Deus, conforme R. R. Soares: “[...] Mas busque a Deus que Deus é poderoso para lhe fazer uma pessoa completamente diferente e lhe dar o socorro”. Notamos que tanto o que o enunciador responde de igual quanto de diferente constitui, nisso também, um processo de produção de sentidos, naquilo que Orlandi chama de deslize: “o efeito metafórico – o deslize, próprio da ordem do simbólico, é lugar da interpretação, da ideologia, da historicidade” (ORLANDI, 2012, p.80).

O medo inconsciente do fracasso introjetado na vida das mulheres reduz suas aspirações e diminui seu ímpeto de realizar. O que ainda a sociedade valoriza é a mulher mãe/esposa/dona-de-casa, só que ela parte para o mercado de trabalho e carrega a culpa como companheira inseparável, porque o trio a que ela deve dar conta continua nas suas costas. Por fim, a mulher se sobrecarrega, achando que desta forma consegue amenizar a situação. Este é o grande dilema que vive a mulher que trabalha fora de casa, mesmo que ela consiga superar todas essas dificuldades e tenha um marido que a ajude na divisão das tarefas, ela sente-se culpada (porque foi educada para sentir-se culpada) por ele (marido) também estar desempenhando suas funções. De uma forma ou de outra, há que se tomar uma posição: ou se deixa vencer pela educação tradicional, ou é preciso preparar-se para o novo, para a quebra de paradigmas, o que vai exigir muita reflexão e mudança de atitude, como aprender a competir, acreditar que é competente, ser agressiva; quando necessário. Essa percepção da competência e autossuficiência implicam em se reconhecer como um ser autônomo, o que fará toda a diferença nos seus relacionamentos e principalmente no seu novo jeito de ser Mulher.

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