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Quadro e os registros de representações semióticas

No documento MESTRADO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA (páginas 30-35)

Capítulo II Fundamentação teórica

2.4 Quadro e os registros de representações semióticas

Para Douady (1986) na formulação de um problema é fundamental que este “seja representado em pelo menos dois quadros”. (DOUADY, 1986, p.13 tradução nossa). A mudança de quadro permite a mudança de ponto de vista o que pode facilitar a compreensão e a resolução do problema. A autora considera “que um quadro é constituído pelos objetos de um ramo da matemática, das relações entre esses objetos, e as várias imagens mentais associados a esse objeto dentro desse quadro” (ibidem p. 11 Tradução nossa). Um mesmo objeto visto em dois quadros distintos é descrito de forma diferente, gerando imagens mentais diferentes necessárias para a compreensão desse objeto. O interesse “não está nos quadros, mas nas relações que eles podem mobilizar sobre as propriedades de um mesmo conceito, pelos jogos entre as diferentes propriedades que esses sistemas de representação podem mobilizar” ( BALACHEFF 2002 p. 3 tradução nossa). Douady postula que o problema deve ser formulado de forma a permitir ao aluno transitar pelos quadros, se possível de forma espontânea, mas se necessário induzido pelo professor.

Entretanto um mesmo objeto pode ter diferentes formas de representação num mesmo quadro. O objeto função pode ser representado de diversas formas dentro do quadro algébrico. Para a função linear, por exemplo, podemos fazer uso de uma lei de formação que pode ser registrada como y = ax + b ou f(x) = ax + b ou na sua forma implícita como uma equação algébrica ax – y + b = 0.

Raymond Duval (2003) denominou de registro de representação semiótica as diferentes formas de representações criadas pelos matemáticos para que o sujeito tenha acesso aos objetos matemáticos. Segundo o autor, apesar dos objetos

matemáticos, normalmente, terem sua construção a partir de problemas concretos, estes são, no entanto abstratos cuja existência ocorre basicamente no mundo das idéias. A sua compreensão e manipulação só são possíveis se partimos de suas representações. Isso leva à necessidade da criação de sistemas de representação simbólicos que consigam expressar essas idéias. O registro de representação é um sistema semiótico que tem funções cognitivas fundamentais em nível consciente do indivíduo. Um mesmo objeto matemático possui várias formas de representações que foram sendo construídas durante o desenvolvimento da matemática. Assim por exemplo, a função pode ser representada através da expressão algébrica, tabelas e/ou gráficos que são diferentes registros de representação

Segundo Duval, quando a mudança na forma de representação é interna a um registro temos um tratamento. A representação do número 0,5 pode ser realizada sob a forma 0,50 ou 0,500, não ocorrendo mudança na estrutura da escrita do decimal. Estaríamos dentro do mesmo sistema semiótico. Já a escrita do decimal 0,5 em sua forma fracionária,

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implica numa mudança na estrutura de representação o que Duval chamou de conversão de registro, ambos ocorrendo no quadro numérico.

Mudar o ponto de vista, através de um tratamento, conversão de registro ou mudança de quadro facilitaria a compreensão do objeto matemático por parte do aluno. O domínio sobre um conceito só ocorre quando ele for capaz de distinguir o objeto de suas representações. Assim se o aluno for capaz de perceber, por exemplo, que o valor do dobro de um número mais um pode ser expresso algebricamente em sua forma explícita por y = 2x +1 que eqüivale na sua forma implícita 2x – y + 1= 0. Que podemos representar a mesma idéia na forma gráfica, como a indicada na (figura 1), terá criado as condições que permitirão perceber a variação como uma noção a ser estudada estabelecendo as bases para a compreensão do objeto matemático chamado função2

A conversão de registro, entretanto, pode ocorrer sem que haja a mudança de quadro, como o observado para a função linear. Para Douady, na resolução de um problema é importante que se possa observar os dados apresentados sobre

2 É importante ressaltar que uma função pode não ter representações em alguns, ou na maioria dos quadros, da

matemática. A função, “quando x é racional, ponha-se y = c, e quando x irracional ponha-se y = d ≠c” (BOYER, 1974 p. 405) definida por Dirichlet, por exemplo, não pode ser representada graficamente.

Figura 1: gráfico da função 2x – y + 1 =0

outros ângulos. É o que faz um aluno experiente quando se depara com um problema que precise resolver. Por exemplo, ao ser colocado frente a uma situação que envolva uma figura geométrica expressa na linguagem natural como: “Determinar a área máxima de um retângulo inscrito num triângulo retângulo de catetos 4 cm e 6 cm”, o aluno tem a necessidade de buscar uma outra representação para a situação apresentada, visto que da forma que foi proposto o problema não tem solução imediata. A tendência natural esperada desse aluno é a de representar geometricamente a situação proposta (figura 2). Dessa forma, o aluno muda o modo de ver o problema buscando as propriedades implícitas na figura que permitirá uma melhor visualização.

4 cm

6 cm

figura 2: representação geométrica da situação proposta.

Essa mudança de quadro abre a possibilidade do aluno mobilizar seus conhecimentos relacionados à geometria, estabelecendo relações entre os lados do retângulo e dos triângulos semelhantes obtidos na figura. Isto cria as condições para o aluno aplicar teoremas que aparentemente nada tem a ver com a solução do problema inicial (figura 3). A definição das razões entre os lados da figura leva o problema para o quadro algébrico, permitindo obter a área em função de um dos lados do retângulo.

A solução da situação acima pode ser obtida dentro do quadro algébrico, com a aplicação de propriedades da função do segundo grau como a determinação do vértice da parábola, ou com uma nova mudança para o quadro da Geometria Analítica representando a função obtida graficamente (figura 4).

A E D h b 6 - b B F C 6 cm 4 cm ∆ABC ~ ∆DFC logo 4 6 4(6 ) 6 6 h h b b = ⇒ = − − portanto 3 2 4 3 ) 6 ( 2 6 ) 6 ( 4 b b b h= − = − = −

Como A = b . h temos A(b) =

3 2 4 3 2 4 2 b b b b ⎟= − ⎠ ⎞ ⎜ ⎝ ⎛ −

figura 3: mudança do Quadro Geométrico para o Quadro Algébrico com a aplicação da semelhança de triângulos

Dessa maneira, o aluno, estará traduzindo o problema apresentado por meio da linguagem natural para o quadro da geometria. Essa mudança de quadro permite ao aluno aplicar os teoremas da geometria plana obtendo representações

algébricas, criando as condições para obter a solução do problema dentro do quadro algébrico ou com uma nova mudança de quadros, representando graficamente os dados obtidos.

A(b)

logo área máxima 6 cm2

figura 4: Solução gráfica da situação proposta

Na elaboração das atividades para esta dissertação levamos em consideração os conhecimentos dos alunos. As situações foram elaboradas de forma a fazer uso de diversas formas de representação de um mesmo objeto matemático. Propomos, por exemplo, situações que induzam o aluno a representar graficamente grandezas associadas à quantidade e questionar sobre a possibilidade de unir ou não os pontos; situações que levem o aluno a transitar por diversos quadros da matemática e registros de representação com a utilização de tabela, gráfico, expressões algébricas, entre outras, de uma relação entre duas variáveis dependentes entre si. Daremos preferência ao uso de números inteiros e racionais na forma decimal, em detrimento da representação na forma fracionaria, uma vez que não estamos focados no trabalho com operações entre números. Formulamos as atividades fazendo uso de perguntas direcionadas, procurando evidenciar a variação como objeto comum a todas as situações. Cremos que essas escolhas estão de acordo com o nosso objetivo de levar a definição de um novo objeto de conhecimento, o conceito de função.

No documento MESTRADO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA (páginas 30-35)