• Nenhum resultado encontrado

“Não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra, no trabalho, na ação-reflexão.”

(Paulo Freire) “Diria a ele (Freire) que estava em nossa frente mesmo antes de nos dermos conta, uma mente brilhante e aberta, com textos maravilhosos, e que ate os dias atuais, nos fazem refletir sobre diversas situações, nos repassando muito conhecimento.”

(Borboleta Rainha Alexandra, sujeito desta tese)

3.1 PORQUE ESTUDAR PAULO FREIRE ALIADO ÀS NOÇÕES DE PREVENÇÃO DE VIOLÊNCIAS E À CULTURA DE PAZ?

A violência é um tema bastante estudado nos últimos anos pelo setor da saúde, e as abordagens, geralmente, privilegiam a tipificação das diversas manifestações, as quais vem sendo alvo de políticas específicas pelo Ministério da Saúde e órgãos internacionais. Poucos são os esforços, dentro dos estudos de saúde, para compreensão da violência como processo relacional e inerente na história da civilização humana. Dentre os teóricos que embasam tais estudos, diversas são as correntes filosóficas, com destaque para as contribuições de Hannah Arendt para a (ainda incipiente) noção que temos sobre esse fenômeno como social.

Partindo-se do pressuposto de que a violência é, eminentemente, uma questão de desnível relacional, em que a educação como valor poderia contribuir para minimizar tal desigualdade, transformando as vidas de todos os sujeitos envolvidos no processo, agregar-se-á a este trabalho os ideais teórico-filosóficos (e, posteriormente, metodológicos) do educador Paulo Freire.

Paulo Reglus Neves Freire, hoje declarado Patrono da Educação Brasileira, pela Lei nº 12.612, de 13 de abril de 2012, foi um educador, pedagogista e filósofo brasileiro dos mais renomados no mundo até os dias atuais. É considerado um dos pensadores mais notáveis na história da educação e da pedagogia mundiais.

Para ele, quem educa, educa alguém e a si mesmo. Portanto, é um processo de educação coletiva que se dá através do diálogo,

proporcionando a troca de conhecimentos e experiências com a realidade de ambos os sujeitos. Freire transversalizou e entrelaçou em sua obra o Educar ao Dialogar, fortalecendo o sentido pedagógico da dialogicidade como frutífera ao modelo de educação problematizadora.

A partir das leituras de Freire, percebe-se a importância de conhecer a realidade do indivíduo, para deste modo construir o conhecimento. Nada pode ser depositado na mente do educando ou imposto, ao contrário, deve haver conhecimento da realidade, facilitando a assimilação do educando, para então ser criativo, crítico e facilitar a reflexão dos assuntos, buscando, juntos, soluções para os questionamentos que surgem.

Diante desta colocação, o mesmo autor afirma que “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para sua própria produção ou a sua construção”. (FREIRE, 2015a, p.47)

É através do diálogo que o homem se torna aberto para seu crescimento, tornando-se um ser consciente, crítico e reflexivo. É nesta união que se buscam novos saberes, no qual todos ensinam e aprendem conjuntamente, buscando conhecer os problemas comuns que surgem durante o dia a dia, e juntos pensarão e construirão uma nova realidade a ser superada. Na obra “Educação e Mudança”, Freire aponta que:

Quando o homem compreende sua realidade, pode levantar hipóteses sobre o desafio dessa realidade e procurar soluções. Assim, pode transformá-la e com seu trabalho pode criar um mundo próprio: seu eu e suas circunstâncias. (FREIRE, 2007, p. 30) A proposta de educação pensada por Freire pode ser entendida como forma de compreender o mundo, refletir sobre ele, transformando a realidade a partir de uma ação consciente. Seu pensamento tem colaborado de forma significativa na construção de uma educação reflexiva na enfermagem, incorporando uma educação crítica e problematizadora, tendo como ponto de partida o diálogo com seus educandos.

Freire instiga também, ao falar sobre problematização, acerca da corresponsabilidade pelo ensinar/aprender, ou seja, não passa apenas a ser do docente o “fardo” de lecionar conteudismos e “ensinar” (formalmente). Assim como não é apenas do educando a árdua tarefa de “aprender” (formalmente). Passa a ser de ambos, em um entrelaçar dialógico, a coparticipação nos processos de ensinar/aprender/ensinar, agora vistos como indissociáveis.

E por último, alinhavando os conceitos de diálogo e utopia para a tese, Freire foi o teórico que mais se mostra pertinente. O diálogo (para ouvir os(as) estudantes), como já exposto antes, é coluna dorsal da proposta do círculo de cultura e da relação pedagógica relida em Freire. Já sobre a utopia (em se pensar uma formação crítico-reflexiva e criativa que os aproxime de conceitos, como violências e cultura de paz), Freire (1979, p. 16) comenta:

A conscientização nos convida a assumir uma posição utópica frente ao mundo, posição esta que converte o conscientizado em “fator utópico”. Para mim o utópico não é o irrealizável; a utopia não é o idealismo, é a dialetização dos atos de denunciar e anunciar, o ato de denunciar a estrutura desumanizante e de anunciar a estrutura humanizante. Por esta razão a utopia é também um compromisso histórico.

A utopia exige o conhecimento crítico. É um ato de conhecimento. Eu não posso denunciar a estrutura desumanizante se não a penetro para conhecê-la. Não posso anunciar se não conheço, mas entre o momento do anúncio e a realização do mesmo existe algo que deve ser destacado: é que o anúncio não é anúncio de um ante-projeto, porque é na práxis histórica que o anteprojeto se torna projeto. É atuando que posso transformar meu anteprojeto em projeto; na minha biblioteca tenho um anteprojeto que se faz projeto por meio da práxis e não por meio do blábláblá.

Assim, adotar-se-á nesta tese o referencial teórico e metodológico deste educador, por entendermos que se trata de um ícone brasileiro no sentido de propor e praticar ideais solidários, como a pluralidade de ideias, a valorização do saber do outro mesmo quando este é diferente/divergente do meu, a pluralidade de opiniões como mosaico a ser valorizado e não evitado, o questionamento de minhas próprias convicções que podem ser desmentidas a qualquer momento, dentre tantos sentimentos que emergem a partir da leitura de seus escritos.

A partir destas inferências ao seu pensamento e de todo material de violência já produzido, assume-se Freire como base teórico-conceitual e, consequentemente, metodológica para construir esta tese, na perspectiva de que ele propõe ideais que estão em sintonia com o enfrentamento do conceito de violência que se adota neste trabalho: o de não coisificação do outro, de respeito aos diversos saberes e de

reconhecimento dos direitos do outro sob o entendimento de que meus direitos não são superiores ao de outrem em determinadas ou em todas as circunstâncias. Freire rechaça em toda sua obra tais tensionamentos geradores das violências mais diversas, mediante proposições que enaltecem a pluralidade de saberes como vitais à paz social. Ou seja, este educador, talvez, seja o mais adequado à noção de violência que se pretende trabalhar, enfrentar e propor ao nível de formação inicial em saúde: a formação de profissionais de saúde como agentes para uma cultura de paz.

3.2 DAS VIOLÊNCIAS NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA À FORMAÇÃO DOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE COMO AGENTES PARA UMA CULTURA DE PAZ

MANUSCRITO 1

A “UTOPIA” DA CULTURA DE PAZ À LUZ DO PENSAMENTO