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Qualidade: aspetos introdutórios e conceptuais

No documento Lisboa: o hub do turismo de reuniões (páginas 59-64)

Capítulo 2. Fundamentação teórica e conceptual

2.3. Turismo de Negócios: uma estratégia diferenciadora

2.4.1. Qualidade: aspetos introdutórios e conceptuais

“Fácil de reconhecer... difícil de definir.”

(Library Association, 1994 in GOMES, 2004) São inúmeras as obras, os trabalhos de investigação e os artigos académicos que citam esta máxima da Associação de Bibliotecas do Reino Unido, ao referirem-se à qualidade.

Etimologicamente, o vocábulo “qualidade” encontra as suas raízes no latim “qualitate”23 sofrendo, ao longo dos tempos, várias modificações decorrentes da dinâmica evolutiva da língua, até assumir a forma como hoje o conhecemos.

23 in MACHADO, José Pedro (Coord.) 1977 – Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, Livros Horizonte

Do mesmo modo, também as noções filosófico-conceptuais desta conceção não se mantiveram estáticas apresentando, desde a Antiguidade Clássica até aos nossos dias, uma vasta panóplia de correntes de pensamento, estudos e doutrinas elaborados por aqueles que sobre esta questão se debruçaram. Aristóteles, S. Tomás de Aquino, Descartes, Kant, Locke ou Hartmann construíram importantes percursos de reflexão, refutando posições, levantando questões e inovando perspetivas sempre na busca de fundamentos sólidos para as suas visões.

De difícil definição pois, como Aristóteles já escrevia “a qualidade é um daqueles termos

que se tomam em muitos sentidos”24, ela é designada como a “proprieté determinant la nature

d’un object”25, como “(...) aquilo pelo qual as coisas se dizem tais”26 ou ainda como “a capacidade

de que um objeto tem de produzir em nós uma ideia”27.

Quer a abordemos do ponto de vista psicológico, no qual a qualidade corresponde “à

l’apprehension des donnés immédiates du monde (...) et de la conscience (intuition du moi

psicologique)”28, quer na perspetiva dos juízos qualitativos - negativos e afirmativos - (Hartmann),

o certo é que a qualidade se constitui como uma das categorias fundamentais do conhecimento, sendo através dela que “as coisas se diferenciam umas das outras”29 e assim se constitui um mundo diverso na sua unidade.

Embora seja um tema muito atual, o primeiro registo histórico observado remonta ao Antigo Egito quando foram estabelecidos padrões de qualidade para os produtos e processos utilizados (DAVIES, 2003). Também por volta de 1772 a.C., o código de Hamurabi30 já demonstrava uma preocupação com a funcionalidade e a durabilidade das habitações produzidas ao ponto de permitir a condenação à morte do edificador, caso o imóvel desabasse.

Mas muitos consideram que foi a Revolução Industrial e a disseminação da produção em série que lançou os alicerces do conceito de qualidade. A esta etapa da evolução da presente temática designou-se por fase da inspeção (GARVIN, 1988), cujo objetivo era obter qualidade igual e uniforme para todos os produtos, centrando-se na conformidade. Não existia, no entanto, qualquer análise crítica sobre as causas dos defeitos nem a correção dos mesmos (RIBEIRO, 2009).

É durante a década de 1930, já pós Taylor e Fayol, que surge a fase do controlo estatístico, recorrendo à técnica da amostragem por já não ser mais possível a inspeção produto

24 in Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura (1973) v. 15. Lisboa, Verbo, p. 1455.

25 in LAROUSSE, F. (1963) Grand Larousse encyclopédique. Tome huitième (VIII), Paris, Librarie Larousse,

p. 937.

26 in FONSECA, Pedro, Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura (1973) v. 15. Lisboa, Verbo, p. 1454 27 LOCKE, Essay on Human Understanding, citado in Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura (1973) v. 15.

Lisboa, Verbo, p. 1455.

28 in LAROUSSE, F. (1963) Grand Larousse encyclopédique. Tome huitième (VIII), Paris, Librarie Larousse,

p. 938.

29 in Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura (1973) v. 15. Lisboa, Verbo, p. 1459.

30 O Código de Hamurabi representa um conjunto de leis escritas da antiga Mesopotâmia, com o objetivo

a produto, como estava instituída na etapa precedente. Observa-se agora uma inversão na atitude, anteriormente passiva, perante as causas dos produtos com defeito.

Concomitantemente, a II Guerra Mundial (1939-1945) despoletou uma produção massiva de armamento bélico, que obrigou a um controlo rigoroso dos produtos. Foi neste contexto que a Universidade de Stanford convidou o Dr. Deming a pronunciar-se sobre métodos de controlo de artigos defeituosos. Este sugeriu a aplicação dos princípios do controlo estatístico da qualidade à produção de material de guerra (GOMES, 2004). Mais tarde, a sua teoria centrar-se- ia no envolvimento da gestão de topo das organizações para se atingirem níveis de qualidade que não podiam ficar dependentes exclusivamente de trabalhadores afetos à área da produção. É importante recordar que o Dr. W. Edwards Deming foi um percursor do movimento da qualidade a nível mundial. Colaborou no famoso estudo do comportamento organizacional conhecido como “experiências de Hawthorne” (empregados motivados atingem níveis de produtividade superiores) e desenvolveu um sistema de controlo estatístico de qualidade que permitia aos trabalhadores determinar o nível de variação inerente a um processo produtivo. Acabou por definir a qualidade como “conformidade de um produto com as especificações técnicas que lhe

foram atribuídas” (GOMES, 2004). Como corolário, a filosofia da qualidade atribuída a Deming

pode ser apresentada através de 14 princípios que podem ser consultados no Anexo 9.

Com o decorrer dos anos, abandona-se progressivamente o princípio da quantidade apostando-se na diferenciação pela qualidade, iniciando-se, assim, a fase da garantia da qualidade, no decurso da década de 1960. Surgem, pela primeira vez, os primeiros diplomas normativos da qualidade, a nível internacional31, com enfoque em programas e sistemas que conduzissem à construção da qualidade (GARVIN, 1992).

Finalmente, a quarta etapa da evolução da qualidade, a gestão da qualidade total, vulgarmente designada por TQM (Total Quality Management), teve início com a invasão, no mercado norte americano, de produtos japoneses de elevada qualidade, a partir de finais de 1970 e princípios de 1980. No entanto, a expressão “controlo da qualidade total” havia sido proposta pela primeira vez, em 1956, por Armand Feigenbaum enfatizando a ideia de que a qualidade deriva do esforço coletivo de todos os que colaboram com a organização e não apenas de “um grupo de projeto” (GOMES, 2004). A gestão da qualidade total preconiza, então, que toda a empresa passe a ser responsável pela garantia da qualidade dos seus produtos e serviços, focando-se nas necessidades do mercado e do cliente (OLIVEIRA, 2006). Apesar da multidimensionalidade do conceito, a gestão da qualidade total visa a satisfação do cliente e a melhoria contínua, colocando a qualidade como ponto central nesta metodologia de gestão.

31 Em 1968, é publicada a norma “Especificações de Requisitos Genéricos para um Programa da

Qualidade”, pela ASQC (American Society for Quality Control). Mais tarde, em 1972, é divulgada a “Norma BS 4891: Um Guia para o Funcionamento e a Avaliação de Sistemas de Garantia da Qualidade”, pelo BSI (British Standard Institute). Seguiu-se a publicação de mais normas a nível nacional, designadamente a série de normas canadianas CSA Z 299 1, 2 e 3,sobre standards de garantia da qualidade, algumas das quais serviram de suporte à publicação das normas ISO 9000, em 1987.

No quadro a seguir reproduzido - Quadro 8 -, sintetizam-se estas quatro fases da evolução da qualidade e as suas principais características, bem como os principais investigadores que contribuíram para a teorização do conceito de qualidade.

Quadro 8: Etapas da evolução da qualidade

1ª Fase 2ª Fase 3ª Fase 4ª Fase

Inspeção da

Qualidade Controlo da Qualidade Garantia da Qualidade Gestão da Qualidade Total Interesse

Principal

Verificação Controlo Coordenação Impacto

estratégico Visão da Qualidade Um problema a ser resolvido Um problema a ser resolvido Um problema a ser resolvido mas que é enfrentado proativamente Uma diferenciação da concorrência Ênfase Uniformidade do produto Uniformidade do produto com menos inspeção Toda a cadeia de fabrico, desde a matéria prima até ao produto final, contando com a participação de todos os grupos funcionais As necessidade do mercado e do cliente Métodos Instrumentos de medição Ferramentas e técnicas estatísticas Programas e sistemas Planeamento estratégico, fixação de objetivos e mobilização de toda a organização Papel dos profissionais da Qualidade Inspeção, classificação, contagem, avaliação e reparo Solução de problemas e a aplicação de métodos estatísticos Planeamento, medição da qualidade e desenvolvimento de programas Estabelecimento de metas e consultoria a outros departamentos Responsável pela Qualidade Departamento de

inspeção Departamentos de fabricação e engenharia Todos os departamentos, com a gestão de topo a envolver-se superficialmente Todos os departamentos, com a gestão de topo a exercer uma forte liderança Orientação e Enfoque Inspecionar a qualidade Controlar a qualidade Construir a qualidade Gerir a qualidade Principais investigadores DEMING, JURAN, FEIGENBAUM CROSBY, TAGUCHI GARVIN, ZEITHAMI, PARASURAMAN, BERRY, HARVEY Fonte: Produção própria adaptado a partir de GARVIN (1992) in RIBEIRO (2009) e GOMES (2004)

Para CRATO (2010), esta análise histórica é fundamental e facilitadora da compreensão do conceito de qualidade. A multiplicidade de perspetivas permite agrupar as várias aproximações tendo em conta: i) o produto, que admite a medição e o controlo; ii) a produção, com especial enfoque na conformidade dos bens produzidos de acordo com especificações e requisitos; iii) o valor, concentrando-se na relação entre o preço e as decisões de compra do cliente; iv) e o utilizador, cujo objetivo visa identificar as expectativas do cliente e a sua satisfação.

No Quadro 9, apresentam-se algumas definições pertinentes atribuídas à qualidade, segundo autores e estudiosos reconhecidos no setor. A opção em apresentar estas definições baseia-se na análise das potencialidades, limites e desafios que estas conceptualizações podem oferecer à clarificação da temática em estudo.

Quadro 9: Principais definições de Qualidade

Investigadores e Fontes Definição de Qualidade

DEMING (1982) Conformidade de um produto com as especificações técnicas que lhe foram atribuídas

JURAN (1988) Adequação de um produto à utilização pretendida, aproximando o conceito de qualidade à perspetiva do cliente ou utilizador

CROSBY (1979) Conformidade do produto com as suas especificações técnicas, introduzindo a ideia de que a qualidade é grátis e que compensa sempre o investimento, desde que se garanta “right first time” GARVIN (1988) A qualidade como elemento importante para as organizações no

seu posicionamento estratégico, implicando a identificação das dimensões da qualidade consideradas prioritárias

HARVEY (1998) A qualidade de um serviço é avaliada tendo em conta: i) a qualidade técnica do serviço (qualidade dos resultados desejados pelos clientes ou fiabilidade do serviço); ii) a qualidade funcional (qualidade do processo a que os clientes se submetem para obterem os resultados desejados, decompondo-se em quatro dimensões: empatia, prontidão, assistência e aspetos tangíveis) PARASURAMAN et al. (1985) O juízo dos consumidores sobre a excelência ou superioridade de

um produto

FEIGENBAUM (1983) O melhor para a satisfação do cliente e a custo mais baixo para o orçamento de cada organização

HOROVITZ (1990) Nível de excelência para satisfazer o cliente

GRAAF (1994) A extensão das características de um produto, serviço ou processo como um todo que encontra os requisitos dos utilizadores

GRÖNROOS, 2000 Encontrar as necessidades e expectativas de um certo grupo de utilizadores

FRAILE et al. (2002) Compreender, aceitar, satisfazer e superar continuamente as necessidades, desejos e expectativas do cliente

THE OXFORD DICTIONARY

(INGRAM et al., 1997) The degree or level of excellence; characteristic; something that is special about in a person or thing. Quality has two parts: (1) its inherent characteristics (2) a standard of excellence

THE BRITISH STANDARDS

INSTITUTE (1987) Quality is the totality of features and characteristics of a product or service that bear on its ability to satisfy stated or implied needs. The implication of this definition is that quality has to resolve the user’s actual or perceived needs.

Fonte: Produção própria adaptado a partir de GOMES (2004), CRATO (2010), RIBEIRO (2009), OLIVEIRA (2006), INGRAM et al. (1997).

Como revela a leitura do quadro anterior, fácil é perceber que a qualidade se aplica, sem grandes incertezas, aos produtos, encontrando-se a sua história intimamente relacionada com a indústria e respetiva evolução (CRATO, 2010). Mais difícil e complexa tem sido a procura do

conceito de qualidade aplicado aos serviços pois esta depende, em larga medida, da perceção dos consumidores e das suas expectativas, bem como da especificidade do serviço prestado. Segundo Kotler, os serviços possuem quatro características que os definem: a intangibilidade, a inseparabilidade, a heterogeneidade e a perecibilidade (KOTLER et al., 2010). Já para LAS CASAS (1999) existem diversos tipos e várias categorias de serviços, sendo alguns mais intangíveis que outros. Também HARVEY (1998) considera que os serviços são por natureza intangíveis, sendo o seu resultado fruto de um processo produtivo que não gera meramente um bem físico, o que lhes confere, portanto, um caráter de heterogeneidade e dificulta em muito a avaliação da qualidade. A intangibilidade parece ser, assim, o fator chave para a identificação dos serviços pois estes não podem ser tocados, vistos, provados, ouvidos ou sentidos da mesma forma que um produto (ZEITHAML & BITNER, 2003).

No entanto, esta dicotomia produto / serviço, cuja premissa se baseia no facto de haver similitude entre os serviços e os produtos, tem vindo a ser criticada por ser considerada um paradigma obsoleto centrado significativamente no produto, pelo que agora emerge uma nova visão focada no cliente (EDVARDSSON et al., 2005).

Também nesta ótica, CRATO (2010) conclui que os serviços apresentam as seguintes componentes essenciais: i) o cliente; ii) e a interação entre os recursos humanos do prestador de serviços. Torna-se, assim, primordial conhecer o que os clientes esperam do serviço, as suas expectativas e os seus desejos para assegurar um serviço de qualidade. Hoje, mais do que uma definição, há a necessidade de determinar para cada serviço, quais são as condições essenciais à satisfação dos clientes.

No documento Lisboa: o hub do turismo de reuniões (páginas 59-64)