• Nenhum resultado encontrado

Em uma relação direta de transferência de informação estão presentes as figuras do emissor e do receptor. Sob esse formato, o que acontece é uma sistemática de comunicação que reproduz o que é oferecido em profusão na sociedade moderna pelas mídias comerciais e práticas de marketing que pode ser notado em boa parte das programações de rádios, televisões, jornais, revistas e que também transbordam na internet. Agora, se considerarmos um processo que envolva educação e comunicação no espaço escolar de um formato totalmente colaborativo, em que professores e estudantes sejam participantes e agentes responsáveis por uma produção e desenvolvimento de uma proposta que associe atividades de ensino com práticas de comunicação, como rádio escola, podemos vislumbrar uma mudança comportamental e a formação de uma construtiva comunicação dialógica e bidirecional envolvendo educadores e educandos, que atuam ora como emissores, ora como receptores. Assim, o que temos, é uma nova relação escolar, com contribuições de professores e estudantes, que abandonam os papéis de meros agentes de informação para atuarem como protagonistas em um projeto de educação radiofônica, como relata Maria Inês Amarante (2012, p. 114) nos casos das rádios comunitárias escolares de Fortaleza (CE).

De fato, as TICs, as chamadas novas tecnologias da informação e da comunicação, acabam sendo encaradas como uma espécie de novidade, um tanto temida e até mesmo

indesejada pela sua proposta de mudança e risco que pode oferecer para um modelo tradicional, que se sustenta pelo comodismo e pela limitação técnica de professores para com o modelo de ensino até então praticado nas escolas. Mas, sendo o professor o protagonista da prática educativa, é incompatível com sua função restringir e limitar sua atuação a tudo que se refere ao desenvolvimento do processo de ensino e aprendizagem. Na verdade, os meios de comunicação e as tecnologias da informação representam verdadeiro desafio para a cultura da escola, que pode aproveitar esse tipo de aporte tecnológico como uma brecha para modernizar e oferecer uma nova forma de atuação entre quem ensina e quem aprende. Pela sua fórmula atraente, os meios de comunicação, assim como o pertinente exemplo da radioescola, têm o poder de causar uma renovação e revolução no modo de ensino. Consequências de novas formas de comunicação, de circulação do saber e de constituição de novos âmbitos de socialização e participação popular que, na análise de Cicilia Peruzzo (1998, p. 283), expressam esse sentimento de compartilhamento do poder do grupo.

Diante desse desafio, a escola poderá intervir se assumir a técnica de mídia como um instrumento de transmissão de cultura para que faça parte também do cenário em que vive a sociedade em função do imediatismo das novas tecnologias. Isso poderia levar a escola a superar uma concepção instrumental dos meios e das tecnologias como exteriores à sua proposta de ensino, vindo apenas para modernização na transmissão do conhecimento. Assim, o que se tem é uma participação efetiva e com motivação de professores e estudantes para produzir algo novo, um contributo para o aprimoramento dos conteúdos trabalhados na escola e também experimentos e reflexões sobre temas que envolvam a cena escolar e a comunidade que a cerca. Um procedimento envolvendo professores e estudantes para o desenvolvimento de atividades práticas e que vão contribuir para melhorar as condições de interação, assim como a promoção dos conhecimentos e o desenvolvimento de uma consciência crítica.

Pensando nos diferentes campos da aprendizagem, a família, a escola e o conhecimento que vai sendo adquirido durante o seu desenvolvimento na vida, o estudante vai construindo um repertório de saberes e habilidades que vão ajudá-lo a definir seu papel na sociedade. Algo pensado e defendido no início do século 20 pelo educador americano John Dewey (apud MANACORDA, 2004, p. 317) com o empirismo da pedagogia do learning by doing, ou seja, de uma prática democrática em que o estudante aprende fazendo e aproveita esse conhecimento da melhor forma em sua trajetória escolar. A radioescola, os laboratórios de ciências, as oficinas de artes e as experiências culturais são instrumentos necessários para a realização de atividades práticas, evidentemente, com apoio e suporte de professores com

perfil socializador e capazes de despertar nos estudantes a curiosidade pelo uso de novas práticas aplicadas de ensino e por uma série de atividades extracurriculares.

Outro detalhe histórico importante se deu nas primeiras programações educativas de alfabetização das escolas radiofônicas de Natal (RN), no final da década de 1950, em que locutores e atores profissionais atuavam como professores na apresentação e gravação dos cursos oferecidos pelo sistema das rádios nas escolas e associações rurais. Os temas discutidos nas aulas pela rádio eram produzidos por professores e devidamente roteirizados para a linguagem radiofônica. Um fato importante dessa experiência educativa pela rádio foi o surgimento da primeira professora, literalmente, a atuar como locutora. Esse reconhecimento coube à professora Carmem Fernandes Pedroza, da Emissora de Educação Rural, que recebeu treinamento em técnicas radiofônicas para transmitir em sua programação os cursos voltados para os trabalhadores do campo. (PAIVA, 2009, p. 51).

A utilização de ferramentas midiáticas na escola, como a rádio educativa, além de favorecer a organização dos alunos em grupos, esse tipo de atividade pode proporcionar melhorias em aspectos sensoriais e emocionais dos estudantes por intermédio da sua comunicação, em uma forma de linguagem lúdica e imagética, desencadeando narrativas sobre fatos orais (informativos, envolvendo pesquisas, entrevistas, debates), peças radiofônicas, contos e histórias dramatizadas, declamação de poemas e poesias (extraídos de conteúdos programáticos). A produção de debates e entrevistas sobre temas diversos também requer uma devida preparação do aluno e professor (como emissores de conteúdo), com pesquisa e reflexão sobre o tema para a construção da estrutura de condução de uma entrevista.

Na visão de Bauman (2013, p. 21), como transparece na obra Sobre Educação e Juventude, em que o sociólogo polonês aborda com veemência a necessidade de uma mudança de paradigma no processo de ensino no panorama atual e expõe questionamentos importantes sobre o papel do educador e o destino dos jovens nesse cenário. Ele apresenta uma associação bastante curiosa e pertinente sobre a atuação do professor com a relação do poder de destruição de mísseis militares usados em conflitos armados pelas grandes potências:

Os filósofos da educação da era sólido-moderna viam os professores como lançadores de mísseis balísticos, e os instruíam sobre como assegurar que seus produtos permanecessem estritamente no curso predeterminado pelo impulso do disparo inicial. E não admira. Os mísseis balísticos dos estágios iniciais da era moderna eram realizações de ponta da inventiva técnica humana. Serviam perfeitamente a quem desejasse conquistar e dominar o mundo tal como ele era. [...] Na verdade, porém, essa visão da tarefa do professor e do destino do aluno é muito mais velha que a ideia de “míssil balístico” e do que a era moderna, que o

inventou – como comprova um antigo provérbio chinês, que antecede em dois milênios o advento da modernidade, mas que ainda é citado pela Comissão das Comunidades Europeias, no limiar do século XXI, em apoio a seu projeto de “aprendizagem por toda a vida”: “Se queres colher em um ano, deves plantar cereais. Se queres colher em uma década, deves plantar árvores, mas se queres colher a vida inteira, deves educar e capacitar o ser humano.” Só no início da era líquido-moderna a antiga sabedoria perdeu seu valor pragmático, e as pessoas preocupadas com a aprendizagem e sua promoção, conhecidas pelo nome de “educação”, tiveram de mudar seu foco de atenção dos mísseis balísticos para os inteligentes.

Nesse contexto trazido por Bauman, em que há necessidade de se produzir algo novo praticamente a cada dia de nossa existência, sob o risco da obsolescência, de nos tornarmos ultrapassados e superados, o conhecimento emerge da necessidade de sempre se renovar, aprender e construir uma realidade diferente e uma perspectiva nova. Se o que vemos é um conhecimento rotulado de descartável, como um míssil, o primeiro comando expirou e o que prevalece é a segunda ordem. Para percorrer o seu caminho de aprendizado para alcançar o conhecimento, o estudante depende de uma ação inovadora do professor e da escola para assumir seu papel de agente do seu futuro, tornar-se emissor e trabalhar, assim, para virar o autor do seu próprio processo de aprendizagem e cidadania.